Imigrantes haitianos continuam sendo mal assistidos pelo governo brasileiro, que tem sido inconsistente em suas ações de regular coerentemente a imigração e a socialização dos haitianos.
Desde o devastador terremoto ocorrido no Haiti em 2010, os haitianos vêm buscando refúgio em diversos países, entre eles o Brasil, que desde então já recebeu, legal e ilegalmente, mais de 20 mil haitianos, os quais geralmente entram no Brasil pelo estado do Acre.
O problema é que existe um despreparo e uma má administração do governo federal quanto às formas de regular e bem conduzir essa imigração, o que tem gerado muito sofrimento, assim como insegurança e falta de perspectivas mínimas para boa parte destes imigrantes, devido às más condições de abrigo, de assistência social imediata e à incapacidade das instituições governamentais de ressocializá-los em nosso país.
A situação extremamente grave de fome, miséria e conflitos internos que continua a ocorrer no Haiti configura-se ainda como uma crise humanitária de grandes proporções, que, por isso tem gerado um fluxo contínuo de milhares de imigrantes à procura de melhores condições de vida.
O governo brasileiro não tem sido suficientemente maduro e responsável em sua abordagem da questão, já que não está adotando medidas de grande vulto, com bons planejamentos de longo prazo, para acolher e ressocializar de forma competente esses imigrantes.
Segundo João Paulo Charleaux, coordenador de Comunicação da Conectas, uma ONG internacional voltada à questão dos direitos humanos, “A principal consequência disso é uma abordagem improvisada, amadora e descoordenada, que sobrecarrega o pequeno município de Brasiléia e sua população, quando, na verdade, deveria ser gerida por especialistas em emergências humanitárias desta complexidade.”
O resultado dessa abordagem inconsistente do governo federal tem sido a perpetuação do estado de carência material e precariedade de vida dessas pessoas, especialmente enquanto encontram-se no abrigo habitual do município de Brasileia, no sul do Acre.
O jovem haitiano, de 19 anos, Osanto Georges, falou sobre a situação dos imigrantes haitianos que vivem no abrigo de Brasileia: “Posso dizer que o que vivemos aqui em Brasiléia não é para um ser humano. Eles nos colocaram de novo no Haiti que tínhamos logo após o terremoto: a mesma sujeira, o mesmo tipo de abrigo, de água, de comida. Isso me machuca e me apavora. Eu sabia que o caminho até aqui seria duro, porque você está lidando com criminosos, mas, ao chegar aqui no Brasil, estar num lugar desses é inacreditável”.
Organizações que defendem os direitos humanos e ações humanitárias como a Conectas e a Cruz Vermelha, assim como funcionários do governo, como o Secretário de Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão e o representante da Secretaria de Direitos Humanos do Acre, Damião Borges, visitaram diversas vezes o abrigo.
Mourão já havia afirmado no início do ano: “A qualquer momento podemos viver uma tragédia por doença ou fogo. Temos problemas de água, logística e alimentação.” Mas, para Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas, todas essas condições de insegurança e insalubridade foram “unicamente por culpa do Governo do Estado do Acre e do Governo Federal. Ambos levaram meses para lidar com o problema, deixando com que milhares de pessoas vivessem no meio do esgoto, enfurnados num lugar coberto por lonas plásticas, com homens e mulheres misturados, sem as mínimas condições de dignidade”.
Novas medidas podem ser apenas paliativos
Atualmente cerca de 80 imigrantes chegam à Brasielia todos os dias, num município que tem pouco mais de 20 mil habitantes nativos. A continuar nesse rítmo, o número de imigrantes se tornaria um grande problema, já que o abrigo tem capacidade para apenas 250 pessoas e a taxa de escoamento dos imigrantes para outros municípios e estados é insuficiente para manter a população de imigrantes estabilizada num nível aceitável.
A situação tornou-se insustentável e perigosa: além da falta de estrutura adequada, a falta de funcionários públicos era preocupante, frente ao contingente de imigrantes que vem crescendo rapidamente. Foi por isso que o governo federal decidiu recentemente fechar o abrigo de Brasileia. Os imigrantes que estavam no abrigo estão sendo levados para Rio Branco, capital do Acre, para um novo abrigo.
Na verdade, o governo espera que com a desativação do abrigo Brasileia o número de imigrantes que vêm através da rota do Peru caia bastante. Durante negociações recentes com o governo peruano, foram estabelecidos acordos para a desativação gradual dessa rota de imigração. Normalmente, os imigrantes haitianos chegam em maior quantidade pela fronteira do Brasil com o Peru, mas também chegam pela fronteira com a Bolívia.
Espera-se agora que os imigrantes passem a ir diretamente para Rio Branco, no abrigo situado no Parque de Exposições Marechal Castelo Branco, e muitos já estão sendo encaminhados de lá para Porto Velho (RO) para seguirem para São Paulo e outros grandes centros urbanos. A perspectiva do governo é que, com essa mudança, a difusão dos imigrantes para os grandes centros urbanos seja mais rápida e continua, evitando uma concentração excessiva de imigrantes no novo abrigo.
Na verdade, apesar das medidas, o governo pode e deve agir de forma mais organizada e estruturada, para dar assistência competente a esses imigrantes, inclusive no que diz respeito às suas próprias funções diplomáticas, já que a primeira e mais importante assistência é a de fornecer vistos humanitários de forma eficiente através da Embaixada do Brasil no Haiti.
De acordo com Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas, o governo demorou “mais de 8 meses para tomar uma providência. E, quando isso foi feito, percebemos que se trata, na verdade de mais uma solução provisória, paliativa e descoordenada. Se o chamado ‘visto humanitário’ estivesse, de fato, sendo concedido como se previa, na Embaixada do Brasil em Porto Príncipe, nenhum desses imigrantes haitianos precisariam passar por essa provação, viajando na mão de coiotes pelo Peru, até chegar ao Brasil, muitos deles apenas com a roupa do corpo.”
O que se espera de nosso governo é que essas pessoas sejam tratadas por nós da mesma forma que nós esperaríamos ser tratados se estivessemos pedindo refúgio para sairmos de uma situação igualmente desesperadora.