Ilha da Trindade: paraíso ecológico e laboratório ao ar livre

14/01/2016 21:28 Atualizado: 14/01/2016 21:51

Quando o astrônomo britânico Edmond Halley desembarcou em 1700 com uma grande quantidade de cabras e ovelhas na Ilha da Trindade, condenou esta pequena ilha brasileira, no meio do Atlântico Sul, à devastação.

Levou mais de 300 anos para que as autoridades decidissem acabar com a presença desses animais, que se reproduziram de forma descontrolada nesta pequena ilha situada entre o Brasil e a África, e que devastaram as florestas que antes a cobriam, afetando os córregos e a reprodução de espécies como as tartarugas verdes.

Trindade, localizada a 1.167 km da costa do estado do Espírito Santo (sudeste), é hoje um relevo acidentado e rochoso coberto por vegetação rasteira, mas que gradualmente, com a ajuda de centenas de cientistas, voluntários e as forças armadas brasileiras, recupera sua fama de paraíso da biodiversidade.

A ilha, ponto estratégico de defesa para o Brasil e testemunha de uma batalha entre britânicos e alemães em 1914, na Primeira Guerra Mundial, está sob o controle da Marinha do país e hospeda dezenas de pesquisas científicas.

Não existem viagens de turismo para Trindade, aonde só se chega pelo mar em um navio da Marinha. Não há pistas de aterrissagem para aviões e um helicóptero não teria autonomia suficiente para fazer o voo a partir do continente.

O capitão de fragata Mauro Medeiros Santos, que no final de dezembro passado assumiu o Posto Oceanográfico da ilha, instalado pela primeira vez em 1957, explicou que a ilha pode converter-se rapidamente em um posto avançado para ações militares.

Hoje, permanecem no posto cerca de 30 militares que trabalham em escalas de dois e quatro meses, promovendo inúmeras expedições científicas. Ele também possui um posto médico capaz de realizar pequenas cirurgias e uma unidade de terapia intensiva.

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Caça de cabras e ovelhas

Embora a ilha tenha sido descoberta em 1501 por Portugal, Halley teria sido o primeiro a desembarcar cinco anos antes de descobrir o cometa que leva seu nome. Ao chegar, ele declarou o arquipélago como território britânico, o que provocou um conflito diplomático que foi resolvido no final do século XIX, quando o Brasil ganhou a soberania.

A recuperação da ilha de Trindade começou apenas em 1994, após cientistas do Museu Nacional do Rio de Janeiro recomendarem a remoção de cerca de 800 cabras, 600 ovelhas e centenas de porcos.

Depois de tantos anos, estes animais desenvolveram uma capacidade de se mover e se esconder bem na ilha, por isso, a remoção não foi tarefa fácil. Finalmente tomaram a decisão de matá-los a tiros. A última cabra foi abatida em 2005, e 10 anos depois, Trindade dá sinais de recuperação.

Ruy Valka Alves, professor de Botânica do Museu Nacional que já realizou mais de 20 missões a Trindade, disse que em sua primeira missão em 1994, encontrou a ilha devastada. Hoje acredita que a cobertura vegetal está em franca recuperação, o que tem sido comprovado através de visitas em campo e imagens de satélite. A água em alguns canais aumentou, permitindo à natureza seguir seu curso, com resultados notáveis, mesmo sem qualquer outra intervenção.

Caranguejos, tartarugas e “pirajás

A estação científica em Trindade funciona desde 2011 e recebeu ao longo de vários anos um total de 500 pesquisadores. Há também uma estação meteorológica – a única do Brasil localizada em uma ilha – que contribui para a previsão do tempo em todo o mundo.

Anabele Stefania Gomes, uma brasileira de 30 anos com doutorado em botânica pela Universidade de Brasília, que estuda a competição entre duas espécies de trepadeiras, disse que a ilha tem uma riqueza enorme, existem espécies a serem descobertas, há espécies que foram extintas e que agora estão conseguindo ressurgir.

Gomez colhe amostras de plantas no pico mais alto da ilha, a 600 metros de altura. Mas, para chegar lá, ela precisa esperar que a chuva passe e o fim dos temporais repentinos chamados “pirajás”, que tornam o acidentado terreno muito perigoso.

Trindade também é o terreno perfeito para a reprodução de diversas espécies de aves marinhas, que começam a reaparecer com o retorno gradual da vegetação. A ilha é abundante em corais, peixe e crustáceos, dentre eles o caranguejo amarelo, ameaçado de extinção. Ela possui a segunda maior comunidade de tartarugas verdes do Atlântico Sul, recebendo a cada ano cerca de 3.600 ninhos.

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A fauna de Halley, que assustou muitos pássaros que se aninhavam nas árvores devastadas, comiam os ovos de tartaruga, mas isso não afetou significativamente a população. Na última temporada de reprodução, a população de tartarugas aumentou com o nascimento de 134 mil exemplares, de acordo com dados do projeto de preservação Tamar, que trabalha há mais de 30 anos na ilha.

Neste paraíso, no entanto, ninguém pode andar sozinho ou banhar-se no mar aberto. As chuvas produzem em alto mar, a uma profundidade abissal, uma enorme onda conhecida como “camelo” que, ao chegar à costa, varre tudo com a força de um tsunami.

Desde que as Forças Armadas brasileiras se estabeleceram em Trindade, em 1957, mais de 10 pessoas morreram, a maioria afogadas por este tipo de ondas. Portanto, tomar banho de mar é restrito a algumas poucas praias, e andar desacompanhado é proibido.