Em entrevista à revista Veja na semana passada, o diretor da Human Rights Watch para a América Latina, José Miguel Vivanco, afirmou que o Brasil vem perdendo liderança na região devido à omissão diante das violações aos direitos humanos na Venezuela. Ele também expôs a pálida atuação de organismos como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União das Nações Sul-americanas (Unasul).
Advogado com longa carreira na defesa dos direitos humanos, Vivanco admite um pequeno avanço após recentes intermediações da Unasul, com os primeiros ensaios de diálogo entre oposição e governo. Entetanto, de acordo com o advogado, o “sucesso ou o fracasso da iniciativa dessa organização está, em grande medida, nas mãos do governo brasileiro”.
“A reunião da OEA em fevereiro terminou com uma declaração patética que parece descrever a situação na Venezuela simplesmente como uma catástrofe natural, ao invés de responsabilizar o governo pelas graves violações. A Unasul, por sua vez, conseguiu ao menos enviar delegações de chanceleres que obrigaram o governo a dialogar com a oposição, algo que não se via na Venezuela há muitos anos. Entretanto, ainda não vimos resultados concretos.”
“O silêncio do Brasil diante de fatos tão graves como os apontados em nosso trabalho, justificado pelo Itamaraty com argumentos históricos de não intervenção, defesa da soberania e preponderância da atuação de organismos internacionais, é de fato preocupante, pois permite desqualificar qualquer crítica sobre direitos humanos como um esforço intervencionista e imperialista.”
“A crise na Venezuela coloca em xeque o papel do Brasil como líder regional e global. É importante notar que estamos falando de graves violações de direitos humanos que estão sendo cometidas sistematicamente e com impunidade num país vizinho. É evidente e lamentável que os Estados da região, salvo contadas exceções, apliquem dois pesos e duas medidas ao analisar a situação na Venezuela.”
“Existe um grupo importante de governos, que seja por razões econômicas ou afinidades ideológicas, entusiasticamente apoia o projeto político e o discurso do governo venezuelano. Estes países decidiram fazer vista grossa e consequentemente também têm evitado fazer pronunciamentos sobre a grave situação do país.”
“Se o Brasil aspira assumir o papel de líder global, deveria adotar uma posição pública clara de reprovação aos abusos na Venezuela. Para começar, deveria liderar a Unasul para que insista que o presidente Maduro cesse as declarações que desqualificam seus opositores como fascistas ou golpistas. Prova disso é que membros das forças de segurança venezuelanas têm empregado as mesmas ofensas de cunho político ao castigar brutalmente os manifestantes.”
“Para que isso seja alcançado, os membros da Unasul devem abandonar as declarações genéricas e efetivamente enfrentar o debate sobre como trazer mudanças à realidade. Especificamente, deveriam insistir para que o governo de Maduro acabe com as violações, liberte as pessoas detidas ilegalmente, leve à Justiça os agentes de segurança do Estado e os grupos armados responsáveis por ataques a manifestantes desarmados, e, por fim, restabeleça a independência do judiciário.”
“É indispensável que se rompa essa dinâmica e que os governos entendam que o que se está em jogo é o livre exercício de direitos básicos da população venezuelana que se encontra protegida por obrigações jurídicas coletivas e valores universais que assumiram todos os governos democráticos”, disse Vivanco à revista.
A Human Rights Watch divulgou no dia 5 de maio um relatório sobre a situação dos direitos humanos no país, documentando e denunciando os graves abusos cometidos pelas forças de segurança do governo. O documento conclui que as violações não têm sido casos isolados, mas padrão e sistemáticas em todo o país contra a própria população venezuelana.
Na madrugada da última quinta-feira (8), a Guarda Nacional Bolivariana (GNB) atacou quatro acampamentos estudantis em diversos pontos de Caracas e prendeu 243 jovens. Os focos de resistência pacífica, que já duravam algumas semanas, começaram a ser destruídos por volta das 3 horas da manhã (4h30 de Brasília) por centenas de policiais fortemente armados.
Segundo fontes extraoficiais citados pelo canal NTN24, mais de 226 civis foram mortos até o momento pela guarda nacional e por milícias paramilitares, incluindo agentes do regime cubano, em ofensivas visando sufocar a maior onda de protestos no país em décadas. No dia das mães deste domingo, muitas mães não puderam comemorar com seus filhos e muitas crianças já não tinham mais mãe.