Hospitais chineses investigados por corrupção estão envolvidos em comércio ilegal de órgãos

23/05/2015 19:34 Atualizado: 23/05/2015 19:34

O vice reitor de uma das mais importantes universidades de medicina da China foi recentemente colocado sob investigação por sérias violações à disciplina e à lei, um sinônimo para corrupção. Essa foi uma de várias ações feitas pelas autoridades anticorrupção que visam instituições médicas que têm estado envolvidas no obscuro comércio ilegal de órgãos humanos.

Xiao Yuping era vice-reitor da Universidade Médica da China, uma grande instituição de pesquisa médica na cidade de Shenyang, Província de Liaoning. O anúncio da sua queda foi feito no dia 12 de maio pela Comissão Central de Inspeção da Disciplina, o órgão de controle interno do Partido.

Os detalhes das suas alegadas infrações não foram publicados, e por isso não é claro se os hospitais que estão envolvidos no tráfico de órgãos humanos estão sendo especificamente visados para investigação. Xiao vem se unindo a um número crescente de administradores seniores que estão sendo removidos de instituições que tiveram participação no negócio sangrento, cuja atual liderança de Xi Jinping já se isentou publicamente por algumas vias.

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Cooperação dúbia

De acordo com a Organização Mundial para Investigar a Perseguição ao Falun Gong (OMIPFG), que consiste em um grupo de pesquisa sediado nos EUA, a Universidade Médica da China esteve envolvida com a colheita de órgãos de prisioneiros de consciência do Falun Gong, inclusive durante o período em que Xiao era chefe. Falun Gong é uma prática espiritual que tem sido perseguida em seu país de origem desde 1999.

O uso de prisioneiros praticantes de Falun Gong como fonte de órgãos é feito com o envolvimento dos tribunais.
– Chen Rongshan, diretor de Urologia do Hospital Militar 205 de Jinzhou

Um relatório da OMIPFG publicado no dia 7 de agosto de 2012, mostra que a Universidade Médica da China cooperou com um projeto de investigação sobre transplante de órgãos após injeção de drogas, liderado por Wang Lijun, o então diretor da Agência de Segurança Pública da Cidade de Jinzhou, província de Liaoning. Existe uma forte suspeita de que o projeto usou órgãos de prisioneiros, de acordo com a análise de OMIPFG, devido ao grande número de testes conduzidos e à pouca disponibilidade de órgãos de não prisioneiros na China. Em 2012, Wang foi removido durante o expurgo do antigo membro do Politburo Bo Xilai. Ele foi acusado de abuso de poder, suborno e deserção, e depois foi sentenciado a 15 anos na prisão.

Uma segunda indicação do envolvimento da Universidade Médica da China em práticas ilegais e contra a ética vem de uma chamada telefônica investigativa gravada secretamente pela OMIPFG, e publicada no dia 25 de maio de 2012.

No telefonema, ouve-se o diretor de urologia do Hospital Militar 205 de Jinzhou dizendo que a utilização dos praticantes de Falun Gong detidos como fonte de órgãos é feita com o envolvimento dos tribunais.

Ele também disse que o Hospital Médico da China cooperava com a sua instituição em alguns dos transplantes.

Pesquisa com os órgãos dos prisioneiros

Existem vários casos similares em que os chefes ou membros das universidades de medicina que estiveram envolvidos no comércio de órgãos foram derrubados.

No dia 3 de agosto do ano passad,o os investigadores do Partido anunciaram que Wang Guanjun, presidente do Primeiro Hospital da Universidade de Jilin, e também vice reitor da Universidade de Jilin, estava sob investigação por séria violação da disciplina e da lei.

É sabido que o Primeiro Hospital da Universidade de Jilin é um grande centro de transplante de órgãos. De acordo com o Minghui, um website de praticantes de Falun Gong que publica notícias em primeira mão sobre a perseguição dos praticantes na China, o Primeiro Hospital realizou mais de 20 transplantes de órgãos em dois meses, desde abril até maio de 2006, com apenas duas fontes de órgãos identificadas. O resto das fontes eram de origem desconhecida, segundo o relatório.

Desde julho até setembro de 2006, o hospital também realizou sete ou oito transplantes de rins por dia, uma frequência muito maior do que fontes voluntárias de órgãos permitiriam. As autoridades chinesas admitem elas próprias que 90% dos transplantes de órgãos no país são realizados com órgãos de prisioneiros executados, e dizem que estão trabalhando para reformar o sistema.

“Baseado na informação que a OMIPFG recebeu, nós temos muitas evidências que demonstram que a Universidade de Jilin e o seu Hospital participaram fortemente na perseguição ao Falun Gong”, disse Wang Zhiyuan, o porta-voz da OMIPFG, em uma entrevista telefônica com a estação de televisão NTD, sediada em Nova York.

“Especialmente depois de Wang Guanjun ter servido como Presidente, o Primeiro Hospital da Universidade de Jilin tornou-se suspeito de ter estado severamente envolvido na colheita de órgãos de praticantes de Falun Gong. Nós acreditamos que Wang Guanjun é responsável pela prática ilegal”, acrescentou Wang Zhiyuan.

Outra queda de um administrador médico de um hospital suspeito por realizar condutas ilícitos foi a de Hu Tiehui, antigo vice presidente da Central South University, na cidade Changsha, província de Hunan, que estava sendo investigado por corrupção em agosto do ano passado.

O Xiangya Second Hospital e a Hunan Medical Science University, ambos nos quais Hu trabalhou, tornaram-se parte importante na indústria de transplantes de órgãos na região de Changsha e arredores.

Chefes de hospitais são investigados

Além das universidades de medicina, oficiais de alto escalão dos hospitais que estiveram envolvidos na colheita de órgãos foram também derrubados.

A Procuradoria Suprema do Povo, por exemplo, no dia 27 de abril anunciou o caso contra o antigo presidente do Primeiro Hospital Popular da província de Yunnan, Wang Tianchao.

O anúncio disse que Wang abusou do seu poder e recebeu até 80 milhões de yuan (cerca de U$ 13 milhões) em subornos, e que possuía mais de 100 propriedades, 100 locais de estacionamento, entre outros bens.

Ainda não está claro se a investigação feita a Wang tem algo a ver com o envolvimento hospitalar no negócio dos órgãos. O Primeiro Hospital Popular da província de Yunnan está listado como um dos principais centros de transplante de fígado e pulmão na China, de acordo com o website da National Health and Family Planning Comission.

Está também listado como um dos 26 hospitais em Yunnan que a OMIPFG suspeita de estarem envolvidos na colheita de órgãos de prisioneiros praticantes de Falun Gong.

Acredita-se que muitos hospitais e universidades de medicina da China que foram analisados pelos investigadores do Partido recentemente tenham participado no comércio de órgãos extraídos de prisioneiros de consciência.

Outro hospital em Yunnan, o Terceiro Hospital Popular da Província de Yunnan, está também listado pelo relatório da OMIPFG. O seu antigo presidente, Yang Zhan, foi sentenciado a cinco anos de prisão em 2012 por receber subornos, de acordo com agências de notícias estatais.

Culpando a velha guarda

As investigações recentes a hospitais e colaboradores das universidades médicas acontecem num clima de aparente rejeição oficial da política de colheita de órgãos dos prisioneiros.

Esta mudança na política não foi codificada na lei, mas Huang Jiefu, o chefe do aparato chinês de transplantes, disse que durante o seu mandato não serão mais usados órgãos de prisioneiros, e atribuiu a culpa pela política e consequentes abusos a Zhou Yongkang, o antigo chefe de segurança. Em uma entrevista com a Phoenix Television, Huang apelidou estas práticas como nojentas.

Separadamente, um cirurgião militar aposentado acusou Xu Caihou, um antigo líder militar deposto, pela participação dos hospitais militares na colheita de órgãos, e disse que algumas zonas começaram a realizar a colheita com o doador vivo, o que significa que os órgãos foram removidos das vítimas antes delas estarem mortas.

Nenhum oficial chinês reconheceu até agora que praticantes de Falun Gong e outros prisioneiros de consciência, incluindo uigures muçulmanos, estão entre aqueles que foram mortos pelos seus órgãos.