Hong Kong resiste aceitar democracia fajuta do regime chinês

18/08/2014 13:20 Atualizado: 18/08/2014 13:20

Hong Kong agora está em seu momento mais ativamente polarizado desde seu retorno à China em 1997. Esta discórdia se manifestou plenamente no mês passado, quando centenas de milhares foram às ruas num protesto em sua maior parte pacífico, a marcha anual de 1º de julho que marca a entrega da cidade pelo Reino Unido à China.

As faixas, cartazes e estandes onipresentes ao longo da rota de cinco quilômetros mostraram as queixas perenes dos cidadãos de Hong Kong, incluindo: um fosso de renda crescente, o custo da habitação cada vez mais inacessível e a corrosiva influência da China continental. No entanto, um tema específico, como se incorporando todos os males da cidade, parecia unificar os manifestantes: a demanda de longa data pelo genuíno sufrágio universal na próxima eleição do chefe-executivo de Hong Kong em 2017.

Atualmente, a principal autoridade de Hong Kong é escolhida por uma “comissão eleitoral” pró-Pequim. Mas muitos moradores estão cansados deste sistema não democrático e agora estão intensificando as exigências para serem capazes de eleger seu líder diretamente. Se negado, Hong Kong poderia enfrentar mais uma década de paralisia política, governo deficiente e tensões aguçadas com o continente.

Quem detém as rédeas?

A maioria dos cidadãos de Hong Kong tem expressado por longo tempo o desejo genuíno pelo sufrágio universal – o direito de votar e de se candidatar –, como preconizado no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. A China reconheceu estas aspirações, mas tem procurado diluí-las ao longo dos anos.

A Declaração Conjunta Sino-Britânica de 1984, sobre o retorno de Hong Kong à soberania chinesa, estabeleceu que “o chefe-executivo seria nomeado pelo Governo Popular Central, com base nos resultados de eleições ou consultas realizadas localmente”. A Lei Básica de Hong Kong, sua “miniconstituição”, afirma: “O objetivo final é a eleição do chefe-executivo pelo sufrágio universal”, mas especifica que seja “por nomeação de uma comissão de nomeação amplamente representativa de acordo com procedimentos democráticos”. Em 2007, o Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional reafirmou a Lei Básica e forneceu o calendário de 2017 para a primeira eleição desse tipo.

Esta contradição entre exigir uma “comissão de nomeação” e permitir “procedimentos democráticos” está no coração do atual debate sobre a reforma política em Hong Kong.

Enquanto Pequim e ativistas pró-democracia geralmente aceitam que cidadãos de Hong Kong tenham o direito de votar numa eleição geral, Pequim continua a insistir que, sob a Lei Fundamental, o direito de indicar candidatos continua a estar sob uma comissão de nomeação. Ocupado principalmente por membros pró-Pequim, sua maior burocratização sob um novo sistema eleitoral garantiria que nenhum candidato indesejável ou “não patriótico” possa concorrer nas urnas. Dos atuais 1.200 membros, apenas 689 escolheram o atual chefe-executivo numa cidade de 7 milhões, o que lhe valeu o apelido de escárnio de “689”.

Como parte dos preparativos de Hong Kong para a eleição de 2017, o governo concluiu recentemente uma consulta pública de cinco meses que contou com cerca de 124 mil comentários. Seu documento de síntese, divulgado em 15 de julho, foi criticado por cidadãos pró-democracia e acadêmicos de Hong Kong por ser “não-científico e sem credibilidade” quando afirma que a “maioria” da sociedade de Hong Kong apoia o atual sistema de comissão de nomeação. O relatório do governo também não mencionou quantos apoiaram a nomeação popular, a marcha de 1º de julho ou o movimento ‘Ocupar Central’.

Se, como esperado, a proposta de reforma oficial do governo não permitir a nomeação pública de candidatos, ativistas pró-democracia do ‘Ocupar Central’ pretendem ir às ruas e bloquear o principal distrito comercial da cidade com 10 mil manifestantes. O movimento, liderado pelo professor Benny Tai da Universidade de Hong Kong, disse que esperará a proposta do governo, que deve sair antes do final do ano. Mas os planos já estão em andamento para alguma forma de desobediência civil em agosto.

Os organizadores do ‘Ocupar Central’ fizeram seus preparativos no final de junho, com um referendo em toda a cidade sobre uma série de propostas para alterar o sistema eleitoral de Hong Kong. Esperando cerca de 200 mil votos, o movimento teve a participação de quase 800 mil – cerca de 25% do eleitorado – com a grande maioria apoiando a nomeação popular. Aos olhos dos organizadores, isso envia outra forte mensagem a Pequim, que os cidadãos de Hong Kong estão farto de seu atual sistema não democrático.

O fato de Pequim ter emitido diretrizes políticas (um livro branco) poucos dias antes, afirmando sua “jurisdição abrangente” sobre Hong Kong e classificando os cidadãos da cidade como “desequilibrados e confusos”, apenas ajudou a estimular o ativismo local. Pequim também lembrou aos locais que o próximo chefe-executivo precisaria ser “patriótico” e “amar a China”. Esse foi mais um caso de Pequim atirar no próprio pé, em se tratando da gestão dos assuntos de Hong Kong.

Reação de Pequim

Se os proponentes pró-democracia pensavam que a dinâmica estava ganhando momentum para seu lado, Pequim e seus poderosos apoiadores em Hong Kong não perderam tempo em retrucar em várias frentes com ataques que continuam intensos e agressivos.

Num artigo de opinião, a mídia estatal chinesa Global Times chamou o referendo de “uma farsa ilegal”, e em outro acusou os Estados Unidos de apoiar o “separatismo” em Hong Kong. Um ex-funcionário da agência de notícias estatal Xinhua referiu-se ao exercício de cidadania como sem sentido e questionou se os que votaram sabiam do que se tratava. Seus comentários foram feitos um dia após um ex-diretor do Escritório dos Assuntos de Hong Kong e Macau, do Conselho de Estado da China, dizer que o referendo era não representativo, não vinculativo juridicamente e ilegal.

Na própria cidade de Hong Kong, onde o tom foi ligeiramente silenciado, as autoridades governamentais se comprometeram a ouvir as opiniões das pessoas, mas destacaram que qualquer reforma política teria de ser coerente com a Lei Básica, isto é, sem nomeação pública. E um novo grupo, a Aliança pela Paz e Democracia, cujos membros não necessariamente se opõem ao sufrágio universal, está realizando seu próprio referendo contra o Ocupar Central, esperando mostrar que “a maioria silenciosa” de Hong Kong é contra o movimento.

Mas os adversários do Ocupar Central e do sufrágio universal não se contentaram apenas em fazer declarações. Durante o referendo de 10 dias, os computadores do movimento foram alvo de um dos maiores e mais sofisticados ciberataques de todos os tempos. O que irritou muitos cidadãos de Hong Kong não foi tanto os ataques em si, pois isso era esperado, mas que o governo tenha expressado pouca preocupação e nem sequer se mobilizou para investigar o assunto.

Revolvendo nessa mistura há um punhado de vozes menos ideológicas – algumas apoiam o sufrágio universal, mas se opõem ao Ocupar Central, enquanto outras pedem que os cidadãos de Hong Kong ponham de lado temporariamente os pedidos de nomeação pública pelo “bem maior”. Várias propostas para tornar o comitê de nomeação mais democrático com uma adesão maior e mais diversificada também foram apresentadas, e isso poderia fazer parte do pacote final de propostas de reforma do governo.

Momento explosivo

Hong Kong agora está entrando num ambiente explosivo e as próximas semanas e meses serão críticos.

Legisladores pró-democracia na Assembleia Legislativa provavelmente tem votos suficientes para derrotar qualquer projeto de reforma política antidemocrática que surja diante deles. O caminho democrático de Hong Kong, no entanto, enfrenta um futuro incerto e, como um líder político disse recentemente, a cidade se tornaria ingovernável.

Mas há mais em jogo do que apenas o sufrágio universal. Muitos aqui temem que Hong Kong já esteja perdendo seu modo de vida e muitas das liberdades que goza – incluindo a liberdade de expressão e de manifestação e o estado de direito.

Os otimistas dizem que Hong Kong e Pequim chegaram às margens do precipício antes mas sem cair. Que ainda há uma chance de que um lado possa ceder novamente. Mas desta vez parece diferente. Isso porque os líderes de Pequim estão perdendo a paciência com Hong Kong e muitos cidadãos de Hong Kong simplesmente se cansaram da falsa democracia.

Washington observa

Nos últimos anos, a abordagem discreta dos Estados Unidos em relação ao desenvolvimento democrático de Hong Kong resultou em pouco mais do que declarações ocasionais de apoio ao sufrágio universal. Estas são geralmente replicadas por Pequim com acusações de que os Estados Unidos estão interferindo nos assuntos internos da China.

Desde 1992, a política dos Estados Unidos em relação à democratização de Hong Kong tem sido impulsionada pela Lei Política EUA-Hong Kong. Esta lei permitiu aos Estados Unidos tratar Hong Kong, mesmo após seu retorno à China em 1997, como “totalmente autônoma da República Popular da China no que diz respeito a questões econômicas e comerciais”, incluindo a contínua exportação para Hong Kong de tecnologias sensíveis.

Mas a lei também contemplou um futuro em que Hong Kong já não pudesse ser “suficientemente autônoma” para justificar a manutenção do tratamento preferencial sob a legislação americana. Em tal eventualidade, o presidente americano poderia encerrar o status especial de Hong Kong “até que a cidade recuperasse autonomia suficiente”, o que significa que Hong Kong seria tratada como qualquer outra cidade chinesa, segundo a lei americana.

Enquanto a maioria dos cidadãos de Hong Kong e seus apoiadores nos Estados Unidos ainda têm esperança pelo sucesso da política de “um país, dois sistemas” e pela preservação da autonomia de Hong Kong, os acontecimentos na região agora exigem um olhar mais atento.

Como escrito inicialmente, a lei requer que o Departamento de Estado dos EUA envie um relatório anual ao Congresso americano sobre o status da autonomia de Hong Kong e seu desenvolvimento democrático. Essa exigência caducou em 2007. Agora seria um excelente momento para reavivar essa prática.

Nascido em Hong Kong, Martin Murphy é um ex-diplomata americano e foi chefe da Seção Político-Econômica no consulado dos EUA em Hong Kong entre 2009-2012. Ele pode ser encontrado no website HongKongReporting.com. Esta matéria foi originalmente publicada pelo Foreign Policy in Focus