Hong Kong arrisca tudo pela esperança de democracia

03/10/2014 16:23 Atualizado: 03/10/2014 16:23

O caminho do líder chinês para reformar o Partido Comunista Chinês encontrou um grande obstáculo em Hong Kong.

Desde que o líder chinês Xi Jinping assumiu o poder na China, sua luta para subjugar a facção do ex-líder chinês Jiang Zemin e, por outro lado, a luta desta facção para subverter Xi Jinping têm dominado o regime chinês.

A unidade anticorrupção de Xi Jinping tem investigado amplamente os funcionários do regime e uma série de movimentos recentes derrubou sucessivamente grandes “tigres” – ou funcionários corruptos do alto escalão – relacionados a Jiang Zemin. Enquanto isso, os aliados de Jiang têm tomado ações cada vez mais fúteis na retaguarda.

Com equipes de investigação se estabelecendo em Shanghai e pessoas íntimas de Jiang Zemin sendo investigadas, tudo indica que o maior tigre de todos – ou seja, Jiang Zemin – é o grande alvo do expurgo político em andamento.

Os eventos em Hong Kong, com dezenas de milhares protestando pelo sufrágio universal, parecem ter forçado um armistício na guerra entre os dois campos.

Num show na noite de 29 de setembro e, em seguida, na grande recepção do Dia Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC) na noite de 30 de setembro, Jiang Zemin apareceu junto com Xi Jinping. Para muitos observadores da China, isto foi um pouco chocante.

Há rumores de que Jiang Zemin estaria sob prisão domiciliar. Por meses, ele foi excluído de eventos oficiais e excluído da cobertura na mídia estatal – sinais da tentativa do PCC de marginalizar o ex-líder supremo.

Claro, seria admissível nas aparências que Jiang aparecesse nessas ocasiões. Este foi o 65º Dia Nacional, e o PCC faz um grande show para comemorar datas marcantes a cada cinco anos, trazendo a tona muitos funcionários aposentados.

Mas o que quer aconteça nessas ocasiões sociais não muda nada. O sangue frio do PCC não se altera. Xi Jinping pode jantar com Jiang Zemin na terça-feira e assinar sua ordem de prisão no dia seguinte sem um momento de hesitação.

No entanto, a aparição de Jiang foi totalmente inesperada. Os protestos em Hong Kong representam uma ameaça tão grande ao PCC que eles mudaram sua base de cálculo político. Xi Jinping só pode ignorar os eventos em Hong Kong na medida em que isso não ponha em risco sua posição.

Tumulto

Na verdade, a facção de Jiang Zemin tem tramado por longo tempo usar Hong Kong para afetar Xi Jinping. Mesmo que Xi Jinping tenha extirpado sistemática e sucessivamente os aliados de Jiang Zemin de seus redutos no PCC e no sistema econômico, os homens de Jiang Zemin permanecem no poder em Hong Kong.

Hong Kong esteve anteriormente sob a competência de Zeng Qinghong, uma figura política poderosa e aliado de Jiang Zemin. Atualmente, o vice-premiê Zhang Dejiang, outro aliado de Jiang Zemin, é a autoridade no PCC que supervisiona Hong Kong e Macau. Leung Chun-ying, o chefe-executivo de Hong Kong, foi promovido e instalado no poder por Zeng Qinghong e também é subserviente a Jiang Zemin.

De acordo com fontes no PCC, Zeng Qinghong tem atuado por meio de Leung Chun-ying para mobilizar uma série de esquemas destinados a perturbar e antagonizar a sociedade de Hong Kong.

Imediatamente após assumir o poder, Leung Chun-ying tentou introduzir arbitrariamente o currículo escolar da China continental nas escolas de Hong Kong, o que provocou grandes protestos quando cidadãos locais amplamente reconheceram o conteúdo curricular como doutrinação comunista e lavagem cerebral.

Em junho de 2012, um grupo misterioso, chamado ‘Associação de Cuidados da Juventude de Hong Kong’ (HKYCA) apareceu em Hong Kong, cujo único propósito era assediar os praticantes locais da disciplina espiritual do Falun Gong. A polícia de Hong Kong fez vista grossa às atividades frequentemente ilegais da HKYCA, e fontes no PCC revelaram ao Epoch Times que Leung Chun-ying estava por trás das atividades da HKYCA.

Outro grupo misterioso que surgiu parece devotado a perseguir ativistas democráticos. E ainda outro grupo emergiu aparentemente pretendendo separar a cidade-estado do continente. Este grupo compartilha alguns dos mesmos membros do grupo que persegue o Falun Gong.

Sob o mandato de Leung tem havido uma série de ataques violentos sem justificativa contra jornalistas e editores da mídia tradicionalmente crítica de Hong Kong.

Impostos altos que repelem os ricos investidores imobiliários de Hong Kong e planos de desenvolvimento que irritam a classe média têm aprofundado o senso geral de desgoverno. A emigração de Hong Kong recentemente disparou.

Sufrágio universal

Embora esta série de eventos tenha inflamado o desejo dos cidadãos de Hong Kong de controlar seus próprios assuntos e vidas, a questão fundamental da crise local em curso tem sido a esperança pelo sufrágio universal.

Um Livro Branco – uma séria de diretrizes políticas – promulgado em 10 de junho pelo Escritório de Informação do Conselho de Estado (também conhecido como o Escritório de Propaganda Estrangeira) alarmou os democratas locais e despertou um espírito de resistência.

Liu Yunshan, um membro do Comitê Permanente do Politburo e aliado de Jiang Zemin, comanda o Escritório de Informação do Conselho de Estado. O Livro Branco que Liu emitiu reinterpretou sem justificativa o modelo de “um país, dois sistemas”, o princípio fundamental que regula as relações de Pequim e Hong Kong.

A partir de agora, este modelo, que daria a Hong Kong uma autonomia significativa, valeria o que quer que Pequim deseje. Além disso, o Livro Branco deu a Pequim o poder de mudar a Lei Básica, ou a Constituição de Hong Kong, ao seu capricho.

Em suma, o Livro Branco minou os fundamentos da demanda de Hong Kong por democracia, o entendimento que a cidade operaria sob um sistema diferente do continente.

As esperanças restantes pelo sufrágio universal foram aniquiladas por uma decisão proferida em 31 de agosto pelo Comitê Permanente do Congresso Popular Nacional, o legislativo-carimbo do PCC.

Esse corpo é presidido por Zhang Dejiang e afirmou que um comitê de nomeação, que é efetivamente controlado por Pequim, escolheria quem poderia se candidatar ao cargo de chefe-executivo, o mais alto posto administrativo em Hong Kong. Haveria uma eleição, mas o povo de Hong Kong só poderia votar em candidatos escolhidos pelo Partido Comunista.

Após este golpe nas aspirações pelo sufrágio universal, o movimento de desobediência civil chamado “Ocupar Central com Amor e Paz” começou a organizar planos de protesto. Que os cidadãos de Hong Kong tenham ido às ruas em massa era inevitável.

À espera de violência

Por meio de anos de desgoverno sob Leung Chun-ying, o Livro Branco e a decisão sobre o sufrágio universal; a facção de Jiang Zemin tem contado com a manipulação do povo de Hong Kong para que estes realizem atos de resistência, o que forçaria Pequim a interferir com outra repressão violenta.

Jiang Zemin chegou ao poder em 1989 por causa de sua disposição em apoiar o massacre da Praça da Paz Celestial. Agora, no final de sua vida, ele e sua facção parecem estar preparando o terreno para outro massacre.

Se tanques rolarem em Hong Kong e milhares morrerem, então a facção de Jiang Zemin poderia desafiar a posição de Xi Jinping dentro do Partido Comunista Chinês. E assim o poder de Xi Jinping e sua capacidade de expurgar a facção de Jiang Zemin seriam arruinados. Ou Xi Jinping poderia até ser destituído.

De acordo com fontes no PCC, isso é o que a facção de Jiang Zemin tem mancomunado nos últimos anos em Hong Kong.

Até agora, Xi Jinping não se mostrou disposto a morder a isca. Uma fonte no PCC disse que Xi Jinping ordenou que não houvesse matança em Hong Kong. Depois de uma noite de disparos intensos de gás lacrimogêneo, as autoridades parecem ter recuado em confrontar os manifestantes.

Permitir que Jiang Zemin participasse nas festividades do Dia Nacional parece ter sido uma manobra para ganhar tempo. O ato de Xi Jinping trazer Jiang para mais perto poderia ajudar a prevenir que a facção de Jiang faça qualquer coisa para provocar caos em Hong Kong.

Situação explosiva

Além disso, o que Xi Jinping poderia fazer com mais tempo não está claro. Sua margem de manobra é muito apertada. A economia chinesa atingiu um muro. Protestos em grande escala são endêmicos na China continental e a economia vacilante apenas piorará.

Enquanto Xi Jinping conseguiu impor sua vontade sobre o PCC com sua campanha anticorrupção, ele não tem uma rede de aliados como ​​Jiang Zemin. Um membro típico do Partido Comunista, vendo Xi Jinping reprimir a corrupção e ameaçar seus ganhos e interesses, pode preferir o afastamento de Xi Jinping.

Nesta situação explosiva, o exemplo dos manifestantes em Hong Kong é visto como um contágio perigoso. Autoridades do PCC se questionam em que cidade da China continental dezenas de milhares de manifestantes se materializarão de repente, inspirados pelas multidões em Hong Kong.

Enquanto isso, os manifestantes até agora têm atuado da forma que lhes dá maior alavanca. Sob gás lacrimogêneo, eles não apelaram para a violência. Os manifestantes têm sido exemplar: calmos, racionais, tolerantes. O apoio em todo o mundo têm crescido.

Em sua conduta atual, os cidadãos de Hong Kong podem ter aprendido alguma coisa com os praticantes do Falun Gong entre eles.

Quando a perseguição ao Falun Gong começou em 1999, os cidadãos de Hong Kong podiam ver diariamente como os praticantes responderam calmamente aos abusos dirigidos a eles por chineses do continente que foram iludidos pela propaganda do Partido Comunista. Eventualmente, esses abusos locais terminaram quando os praticantes esclareceram as pessoas sobre as mentiras do Partido Comunista.

Quando o grupo de Leung Chun-ying começou assediar os praticantes do Falun Gong em 2012, a tolerância dos praticantes conquistou os cidadãos de Hong Kong, que passaram então a aplaudi-los e defendê-los.

Uma saída?

Os manifestantes deixaram um espaço aberto para um acordo. Apesar de insistirem no princípio do sufrágio universal, eles dizem que não se opõem ao PCC. Esta é uma declaração política que deve ser interpretada com alguma reserva. Ela foi feita por pessoas que regularmente exibiram faixas que denunciam o PCC.

Xi Jinping, em algumas ocasiões recentes, expressou seu apoio ao princípio de “um país, dois sistemas”, implicitamente censurando o Livro Branco.

Quando Xi Jinping estiver pronto para seguir em frente, todos esperam que a cabeça de Leung Chun-ying vai rolar. Demiti-lo, ou mesmo prende-lo e purgá-lo, certamente satisfaria os cidadãos de Hong Kong, que normalmente o desprezam. Mas descartar Leung Chun-ying pode apenas selar um acordo temporário com o povo de Hong Kong, isso não é uma solução.

Cada dia que Xi Jinping tenta retardar os manifestantes, o poder de seu exemplo de desobediência civil crescerá entre os inquietos chineses do continente, ameaçando o regime autoritário do PCC. Se Xi Jinping ceder e oferecer o sufrágio universal, então o exemplo de Hong Kong se tornaria um precedente para chineses do continente apelarem também e exigirem o direito de voto.

Se Xi Jinping for seduzido pela alternativa da violência, então ele pode esperar desafios no PCC, a condenação mundial e a possibilidade de que os cidadãos desesperados de Hong Kong e do continente optem pela violência como a única opção restante.

Mesmo se o próprio Xi Jinping continuar a repudiar a violência, um acidente na populosa cidade de Hong Kong poderia pôr em movimento uma carnificina terrível que ele não seria capaz de controlar.

Os manifestantes gostam de cantar “Você ouve o povo cantar?” do musical Les Misérables. Outros têm apontado que no musical esta canção é realizada pouco antes das pessoas serem abatidas nas barricadas.

O povo de Hong Kong sabe disso. Eles sabem que estão colocando suas vidas em risco e acreditam que o risco vale a pena pela liberdade. Boa sorte povo chinês.