Desconfiança sobre o governo atinge novas alturas 15 anos após retorno
Em 1º de julho, centenas de milhares de pessoas lotaram as ruas de Hong Kong para protestarem contra a inauguração naquele dia de seu novo chefe-executivo e expressarem sua insatisfação com o regime do Partido Comunista Chinês (PCC). 1º de julho é tanto a data que o PCC foi fundado em 1921 como a data que Hong Kong retornou à República Popular da China há 15 anos.
De acordo com o organizador do protesto, a Frente Civil dos Direitos Humanos, a multidão que se opõe ao novo chefe-executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying, somava cerca de 400 mil. Sua mensagem para Leung era simples: Você é um mentiroso.
Em março, Leung reivindicou uma vitória estreita numa controversa eleição do “pequeno círculo”, em que apenas 1.200 pessoas de 7 milhões de residentes de Hong Kong foram autorizados a votar.
Um elemento importante dessa campanha foi o relatório sobre Henry Tang Ying-yen, o adversário Leung, que violou os códigos de construção, adicionando estruturas ilegais em sua casa. Leung afirmou na época que não tinha tais irregularidades em sua casa. Os escândalos custaram votos a Tang.
Duas semanas atrás, o jornal Ming Pao de Hong Kong relatou que Leung, de fato, tem construções ilegais em sua casa de luxo. Desde então, a Comissão Independente Anticorrupção colocou Leung sob investigação.
A reação contra Leung deriva parte de sua força dos vínculos de Leung com o PCC. Na semana anterior à eleição, um livro de um ex-agente secreto do PCC em Hong Kong afirmou que Leung também é um membro de longa data do PCC. Depois de Leung foi eleito, o Diário do Povo, uma mídia porta-voz do regime chinês, referiu-se a ele como “camarada”, um título usado somente para membros do PCC.
Crescente descontentamento
O descontentamento em relação ao regime do PCC vem crescendo em Hong Kong.
Uma pesquisa recente realizada pela Universidade Chinesa de Hong Kong mostrou que apenas 30% dos residentes de Hong Kong acreditam que Pequim pratica a política de “um país, dois sistemas” que deve garantir a tradição de Hong Kong de defesa das liberdades civis; dez anos atrás, cerca de 60% responderam sim a esta pergunta.
Uma pesquisa do Programa de Opinião Pública da Universidade de Hong Kong constatou que 37% dos questionados desconfiam do governo central de Pequim, o valor mais elevado desde 1997, ano do retorno a Pequim. Segundo outra pesquisa do Programa de Opinião Pública, 68,3% dos entrevistados se identificaram como cidadãos de Hong Kong, enquanto menos de 30% se identificaram como cidadãos chineses.
Autocensura
A desconfiança crescente sobre Pequim registrada nas pesquisas pode refletir mudanças nas instituições de Hong Kong, com o crescente controle do PCC.
Uma pesquisa divulgada pela Associação de Jornalistas de Hong Kong (AJHK) mostrou que 92,7% dos jornalistas de Hong Kong acreditam que a liberdade de imprensa de Hong Kong se deteriorou e 71% acreditam que existe autocensura na imprensa de Hong Kong, relatou a Voz da América (VOA).
Tam Chi Keung, um professor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau e ex-presidente da AJHK, disse à VOA que, devido à pressão do Escritório Representativo do regime chinês, o equivalente a uma embaixada, o governo de Hong Kong impôs um aumento do número de restrições à mídia de Hong Kong.
Willy Lam, vice-editor-chefe da publicação ‘Diário da Manhã do Sul da China’ de Hong Kong, disse à VOA que o grau de autocensura na mídia Hong Kong, tanto chinesa e inglesa quanto na televisão e jornais, tem crescido significativamente.
Segundo Lam, muitas grandes empresas de mídia em Hong Kong são administradas por proprietários com grandes empresas e investimentos na China continental e, por isso, é do interesse deles manterem boas relações com os altos líderes do regime chinês. “Eles não querem publicar matérias que criticam a China ou embaraçam sua liderança”, disse Lam.
Liderança inclina à esquerda
A liderança em Hong Kong está se inclinando cada vez mais para os interesses do PCC.
O Conselho Legislativo de Hong Kong é composto por 60 membros oficiais que são eleitos e 14 membros não-oficiais que são nomeados pelo chefe-executivo.
Os 14 membros não-oficiais são principalmente políticos pró-Pequim. Seis são aliados próximos de Leung e sete são membros do Congresso Nacional Popular ou da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, segundo o Hong Kong Daily News.
Com Leung assumindo o cargo, Hong Kong entrará no seu “segundo período de transição”, marcando uma era de domínio direto do comunismo chinês, disse Martin Lee, de 74 anos e fundador e presidente do Partido Democrata, num artigo do Apple Daily.
Importantes cargos governamentais serão ocupados por um número maior de membros ocultos do PCC, bem como pelos que seguem cegamente as ordens de Pequim, disse Lee.
Lee também previu que em dois a três anos o governo de Hong Kong promoverá um programa de educação integral que fará lavagem cerebral nos estudantes, semelhantes aos programas já existentes em toda a China, e que o PCC usará os eleitores que não moram em Hong Kong para interferir nas eleições do Conselho Legislativo.
O artigo 23 da Lei Básica antisubversão poderia até ser reintroduzido, disse Lee, eliminando assim os valores centrais de Hong Kong, incluindo seu Estado de Direito, direitos humanos, democracia e liberdade de expressão.
De acordo com um artigo de 1º de julho publicado num website dissidente de língua chinesa no exterior, o aparato de segurança pública e o Departamento de Propaganda do regime chinês criaram há três anos um projeto chamado “transformação pacífica”, com a intenção de reforçar a propaganda e campanhas educativas em Hong Kong, enquanto apertam o controlo sobre os dissidentes e a mídia.
A reportagem citou uma fonte no regime dizendo que embora o projeto não tenha sido aprovado pelo Politburo, o órgão que governa o PCC e a China, o aparato de segurança já implementou parte do projeto em Hong Kong.