História chinesa segundo o Instituto Confúcio

24/06/2012 03:00 Atualizado: 24/06/2012 03:00

Uma imagem do vídeo do Instituto Confúcio Online sobre a Guerra da Coreia. Veteranos e estudiosos descrevem as narrativas apresentadas nos vídeos como propagandista e historicamente inexatas. (Instituto Confúcio Online)Materiais online para crianças incluem propaganda anti-EUA

“Opa, melhor apagar esse”, deve ter sido o que pensaram no Instituto Confúcio Online quando purgaram a página sobre “A guerra para resistir à agressão dos EUA e ajudar a Coreia”.

Aquele retrato da Guerra da Coreia, que faz parte de uma série de aulas de história chinesa que tangencia a narrativa oficial do Partido Comunista Chinês (PCC), explicou que a China “esmagou as agressivas ambições imperialistas” e “fortaleceu o prestígio internacional da China” na Guerra da Coreia. Isso estava na seção “Infantil” do website.

‘Agressão dos Estados Unidos’

O vídeo diz que “Os EUA manipularam o Conselho de Segurança da ONU para aprovar uma resolução no intuito de organizar um Comando da ONU constituído principalmente de tropas dos EUA que ampliassem a agressão contra a Coreia.” Em seguida, ele diz que os EUA “tentaram apoderar-se de toda a península.” “Eles também bombardearam aldeias chinesas perto da fronteira sino-coreana”.

Só então a China entrou no conflito, como “voluntários”, indica o vídeo. Um presidente Mao determinado é mostrado olhando através de binóculos. “O governo chinês tomou a decisão de resistir aos Estados Unidos, ajudar Coreia e proteger nossa terra materna”, diz o vídeo. Os voluntários da China derrotaram as forças da ONU além do paralelo 38, viraram a guerra com sucesso e “conquistaram um ambiente tranquilo de relativa estabilidade para a construção da Nova China”, continua o vídeo.

Frank Cohee, o secretário da Associação dos Veteranos da Guerra da Coreia, achou a narrativa problemática. “É um disparate”, disse ele. “Isso é estritamente propaganda.” Cohee é um veterano da Guerra da Coreia e serviu lá em 1950-1951. “Eu estava lá quando os chineses entraram”, disse ele.

Ted Barker, um dos fundadores do Projeto Guerra da Coreia, escreveu num e-mail que, “Os conteúdos são descaradamente propaganda e não seguem os fatos estabelecidos conforme registrados por milhares de participantes naquela guerra horrível.”

A página está disponível apenas em cache agora. Ela foi excluída em 11 de junho, na manhã seguinte que Christopher Hughes, professor da Escola de Economia de Londres, enviou o link num e-mail a colegas que discutiam os materiais de ensino do Instituto Confúcio.

O Instituto Confúcio (IC) identifica-se como centros de aprendizagem de língua chinesa estabelecidos em instituições de ensino em todo o mundo. Eles são supervisionados por uma organização chamada Hanban, que é chefiada por Liu Yandong, um membro do Politburo do PCC. Em seu trabalho anterior, ele foi chefe do Departamento de Trabalho da Frente Unida, uma organização da frente comunista da era soviética. A companheira do IC é a ‘Sala de Aula Confúcio’, que normalmente atende alunos dos ensinos fundamental e médio.

Estudiosos da China dizem que as aulas do IC e da Sala de Aula Confúcio fazem parte dos esforços de propaganda do PCC no exterior, que se intensificaram nos últimos anos com o objetivo de promover uma opinião pública positiva sobre a República Popular da China (RPC) no exterior. Ao promover essa missão, a facticidade histórica toma o assento detrás.

Distorções históricas

O vídeo excluído sobre a Guerra da Coreia é parte de uma série que descreve a história chinesa em termos que se assemelham a propaganda oficial regularmente ensinada nas escolas em toda a China, segundo especialistas.

Terence Russell, professor-associado do Centro de Estudos Asiáticos da Universidade de Manitoba no Canadá, caracteriza o material como “muito assustador”. Ele acha que não é apropriado para crianças, as quais não têm as faculdades críticas para analisar a propaganda. “Este material claramente não cumpre os critérios mais básicos de ‘neutralidade’. Ele é fortemente dotado da inclinação atual da RPC/PCC sobre os problemas descritos”, disse ele. “O bater-no-peito nacionalista é ensurdecedor por toda a parte.”

Russell acrescenta, “É como convidar os talibãs para virem ao Canadá ensinar às crianças do ensino fundamental sobre a história da agressão imperialista no Afeganistão. Em primeiro lugar, você se questiona o quanto as crianças estão prontas para qualquer informação sobre a agressão imperialista, em seguida, acrescenta a inclinação antiocidental…”

“A China como uma potência mundial nos esportes” discute a proposta bem sucedida da RPC para os Jogos Olímpicos “que promoveu vigorosamente o desenvolvimento do esporte na China, demonstrou o aumento da força global nacional da China e o status internacional elevado da China.” A seção sobre “A fundação da Nova China” explica que, “A fundação da RPC marcou o fim de uma história de 100 anos de sociedade semicolonial e semifeudal na antiga China e abriu um novo capítulo na história chinesa.” Mas não há menção das campanhas políticas que mataram cerca de 80 milhões de pessoas.

A Profa. June Teufel Dreyer da Universidade de Miami fez uma análise detalhada de vários dos vídeos, em particular aqueles sobre a Guerra da Coreia, a Guerra Sino-Japonesa de 1894-5 e a referência aos piratas japoneses. “Eles são distorções ultrajantes do que realmente aconteceu”, escreveu ela, antes de descrever divergências históricas específicas no material e fornecer livros e referências de páginas para leitura posterior. “Em suma, esses vídeos buscam criar a imagem de uma China heroica e inocente lutando bravamente pelo bem e pela verdade. Eles simplesmente distorcem a história de forma terrível no processo”, concluiu ela.

Na sala de aula

Não está claro quanto do material do website é ensinado nas salas de aula nos Estados Unidos ou em outros lugares. Histórias no website Hanban referem-se a “compartilharem [online] recursos pedagógicos” com professores voluntários do IC. Uma história do Reino Unido intitulada “Sob a bandeira olímpica” se refere ao uso de recursos de ensino online, mostrando um professor do IC num computador com os alunos.

Um artigo no website da IC que introduz o Colégio Online diz que o “Instituto Confúcio Online é uma boa plataforma de ensino e seus ricos recursos didáticos e modelo de ensino interessante são muito úteis para os estudantes que aprendem chinês em seu tempo livre. Portanto, os professores da Universidade de Dublin [sic] não pouparam esforços para introduzir o Instituto Confúcio Online aos alunos nas escolas secundárias e classes universitárias.”

Li Xiaodong, um professor do Instituto Confúcio na Universidade de Dublin na Irlanda, não respondeu a uma chamada de telefone e um e-mail perguntando sobre se o material online está integrado nas salas de aula.

De acordo com o conhecimento de Chris Livaccari, o diretor de ‘Educação e Iniciativas de Língua Chinesa’ na Sociedade da Ásia, a rede de sua organização de cerca de 100 Salas de Aula Confúcio na América não incorpora o material do Instituto Confúcio Online em qualquer forma organizada. As escolas trabalham com o Hanban, mas “o currículo é determinado pelos professores e escolas individualmente”, disse ele em entrevista por telefone. Ele não fez comentários sobre o conteúdo do material didático.

Propaganda pré-moderna

A história problemática apresentada no website não diz respeito apenas à história moderna da China, segundo Terence Russell. A apresentação pré-moderna de relatos históricos chineses também é altamente interesseira, indicou ele num e-mail. Os problemas residem tanto na precisão histórica como na “abordagem ideológica”. Um vídeo que ele indicou como problemático foi “Antepassados da nação chinesa”. A história fala sobre como o Imperador Amarelo e o Imperador Yan derrotaram um povo bárbaro no Vale do Rio Amarelo e estabeleceram as bases para a nação chinesa.

Russell nunca tinha ouvido falar da história e suspeita que “as pessoas do IC inventaram-na com base em outros mitos”. Ele escreve, “É uma história sobre antepassados claramente identificáveis derrotando bárbaros para fundar uma cultura civilizada no Vale do Rio Amarelo. […] Isso apoia o discurso básico nacionalista do PCC sobre uma única fonte para a civilização chinesa no Rio Amarelo e também apresenta a ideia de que os povos não-han são inimigos que podem ser derrotados se os Hua-Xia trabalharem juntos. Você pode concluir a partir daí, como se isso significasse um discurso para o mundo moderno.”

Uma representação mais preocupante foi dada no vídeo sobre Zhu Yuanzhang, o controverso fundador da Dinastia Ming. “Zhu era realmente uma pessoa muito complexa, mas no vídeo ele é creditado por lançar as bases para um governo dinástico forte através da centralização do poder em suas próprias mãos e encomendando uma agência secreta de espionagem”, escreve Russell. Ele acrescentou, “Obviamente, a mensagem é que há boas razões para redes autocráticas e de espionagem.”