Guerra do Partido Comunista Chinês contra a opinião pública: 140 caracteres podem resultar em prisão na China

11/09/2013 14:39 Atualizado: 11/09/2013 14:40
Charles Xue, num uniforme de prisão, confessa que visitou prostitutas, o que foi televisionado em cadeia nacional pela mídia estatal CCTV. A humilhação seria parte da repressão da internet conduzida pelo PCC (CCTV)
Charles Xue, num uniforme de prisão, confessa que visitou prostitutas, o que foi televisionado em cadeia nacional pela mídia estatal CCTV. A humilhação seria parte da repressão da internet conduzida pelo PCC (CCTV)

Na segunda-feira à noite na China, o Supremo Tribunal Popular (STP) e a Suprema Procuradoria Popular inundaram a internet com a notícia de um novo regulamento: quem escrever uma postagem em blogue que contenha “calúnia” e que se torne viral, ou se difunda amplamente, poderá ser preso por três anos. A ameaça de pena de prisão é a mais recente medida numa campanha que alguns têm comparado à Revolução Cultural.

A diretoria do STP e da Procuradoria na China são controladas pelo Partido Comunista Chinês (PCC), de modo que o PCC certamente autorizou a nova norma, que foi descrita como uma “interpretação judicial”.

A norma afirma que autores de postagens “caluniosas” que recebem audiência de mais de 5 mil pessoas ou são encaminhadas mais de 500 vezes são passíveis de punição. Quanto pior é a calúnia, pior o castigo, disseram as autoridades e deixaram claro que eles são os únicos a definirem o que é calúnia. Nos casos mais graves, penas de prisão serão decretadas.

Este regulamento é o ataque mais recente e frontal na campanha de “repressão” que o PCC tem travado nos últimos meses contra a opinião pública online.

“O Departamento de Propaganda sempre controlou a opinião pública. Agora, com o surgimento dos blogues, isso está ficando fora do seu controle. Eles querem retomar o poder”, disse Zan Aizong, um escritor freelance e blogueiro ativo na China, numa entrevista por telefone.

Os microblogues, chamados ‘Weibo’ em chinês, existem desde 2009. O mais popular é o Sina Weibo, que foi modelado em semelhança ao Twitter, serviço este que é bloqueado na China. Essas plataformas permitem aos usuários enviar mensagens de 140 caracteres ou menos, que podem ser vistas e compartilhadas por milhões de pessoas em questão de minutos, tornando-as potentes ferramentas para intelectuais e ativistas.

Nenhum fenômeno exemplifica melhor a capacidade do Weibo de influenciar a opinião pública do que o aumento dos chamados “Grandes Vs”, contas administradas por pessoas que foram ‘verificadas’ pelo Sina. Seus titulares frequentemente possuem milhões ou dezenas de milhões de seguidores e uma única mensagem que publiquem pode se espalhar pela internet rapidamente.

“A influência do Weibo é tão grande, maior do que as autoridades de propaganda”, disse Zan Aizong. “Para fechá-los, eles estão descendo sua espada sobre os Grandes Vs.”

O alvo mais destacado até agora foi o milionário capitalista e naturalizado norte-americano Charles Xue, de 60 anos, que vive em Pequim. Sua conta do Weibo foi muitas vezes palco de visões pró-constitucionalistas e críticas ocasionais ao regime chinês.

Num episódio de autocrítica pública típico da Revolução Cultural, ele foi exibido pela emissora estatal China Central de Televisão (CCTV) e forçado a “confessar” ter visitado prostitutas e organizado “orgias”. Num uniforme amarelo e azul de prisão, ele disse: “Quando eu trabalhava no exterior, deparei-me com a prostituição em países como Tailândia e Holanda.” Seus olhos estavam fixos à esquerda, como se estivesse lendo a confissão. “Ele se tornou obcecado com o hábito repugnante de visitar prostitutas”, explicou o locutor da CCTV.

Na internet chinesa, muitos comentaristas pensam que o exercício de humilhação foi um sinal de advertência para outros Grandes Vs, enquanto o regime estabelece a lei sobre discursos permitidos na esfera online. O Diário do Povo, uma mídia estatal porta-voz do PCC, publicou uma manchete dizendo: “O rótulo ‘Grande V’ não o protegerá da lei”.

Muitos pensam que o PCC desconsiderou a lei com a humilhação pública de Charles Xue. Wang Ganlin, chefe da unidade de análise informativa do Yangcheng Evening News de Guangzhou, destacou que, apenas um mês antes, cinco juízes de Shanghai foram flagrados visitando prostitutas. O PCC reprimiu os noticiários a respeito e puniu as autoridades silenciosamente. Nenhum juiz foi conduzido para se confessar na televisão. “Acho que eles fizeram isso a Charles Xue por vingança”, disse Wang em entrevista por telefone.

A humilhação pública de intelectuais e as ameaças de prisão contra internautas comuns são duas das medidas mais recentes do PCC em sua campanha mais ampla. Ele quer silenciar as vozes de apelo por mudança política de uma população cada vez mais informada e descontente. “Eu sinto que a forma como eles estão reprimindo os rumores online é um movimento político, similar à Revolução Cultural”, disse Wang Ganlin.

A repressão acompanha uma série de discursos ideologicamente carregados da nova liderança do PCC. Numa conferência do PCC no final de agosto, o líder chinês Xi Jinping disse: “O trabalho ideológico e a propaganda devem estar no centro” e ser “funções básicas” dos membros do PCC. O trabalho ideológico e a propaganda, disse ele, eram para “consolidar a posição de liderança do marxismo na esfera ideológica” e “unir o PCC e o povo na luta”. Os membros do PCC deveriam acreditar firmemente no marxismo e no comunismo, disse ele.

Da mesma forma, o jornal estatal Beijing Daily publicou recentemente um editorial intitulado “Não deixe espaço para valores universais”. O texto dizia: “A internet se tornou o principal campo de batalha da luta ideológica. As forças ocidentais anti-China buscam aperfeiçoar esta ‘maior variável’ para ‘derrubar a China’”, segundo uma tradução da Chinascope, um grupo de reflexão que analisa a mídia chinesa.

“Se podemos perseverar e vencer no campo de batalha está diretamente relacionado com a segurança de nossa ideologia e do poder do regime do PCC. É uma questão de vida ou morte. Atrever-se a lutar e a mostrar a espada. Essa é a escolha que devemos fazer agora!”

Pouco antes, o líder chinês realizou reuniões com a liderança do PCC advertindo-os contra os “sete tópicos proibidos”, segundo vários testemunhos. As sete proibições incluem: direitos civis, liberdade de expressão, sociedade civil e valores universais – as mesmas questões ideológicas que estão sendo alvo de repressão na internet.

Se isso terá o efeito desejado não está claro. Xu Xiang, um escritor e membro do Centro Independente Chinês PEN, disse que a internet tem sido uma válvula de escape para o descontentamento social. Muitos na China estão cada vez mais frustrados com a corrupção, os privilégios usufruídos por oficiais do PCC, os abusos de poder e a injustiça social e impunidade. Fechar esta via de expressão não ajudará em nada, disse ele: “A televisão é controlada. Os jornais são controlados. A única via, o Weibo, agora está sendo desligada. Isso transformará toda a sociedade num barril de pólvora.”