RIO DE JANEIRO – Nesta segunda-feira (27), professores, alunos e servidores públicos de instituições federais em greve realizaram um ato em frente ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro, para recepcionar a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Educação Aloisio Mercadante, que participaram da cerimônia de premiação da 7ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas.
Os manifestantes expressaram sua insatisfação com a atitude do Governo, que diz ter encerrado as negociações com os funcionários públicos federais em greve. Cerca de 150 soldados do Exército, 100 policiais e o batalhão de choque cercaram o teatro, e a presidente, que confirmou a vinda em cima da hora, teve que entrar e sair pelos fundos. A concentração começou às 13h no Largo da Carioca.
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Tocando tambores, empunhando faixas e cartazes contra a precarização do funcionalismo público e entoando frases como “da Copa eu abro mão, queremos saúde, cultura e educação”, os manifestantes fecharam a avenida Rio Branco por 40 minutos, antes da intervenção do batalhão de choque que deu cobertura ao carro da presidente e liberou metade da pista.
“Estamos aqui para recepcionar a presidente Dilma e o ministro da Educação, para rejeitar o ataque do Governo às instituições federais de ensino e ao plano de carreira dos professores”, disse ao megafone Alberto Teixeira, professor do Colégio Pedro II.
“Estamos aqui para dizer que não adianta expandir sem garantir condições dignas de trabalho, bibliotecas, instalações adequadas e concurso público”, disse Teixeira, denunciando o estado das novas unidades do Colégio Pedro II, que ainda não possuem locais fixos e funcionam provisoriamente, como a de Caxias, numa sobreloja de um prédio comercial na Praça Pacificador, e de Niterói, num CIEP com divisórias de madeira e sem ar-condicionado.
O diretor do Sindicato dos Trabalhadores Públicos Federais em Saúde e Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro (Sindsprev-Rio), Júlio Tavares, informou que a linha é de endurecer e rejeitar o reajuste de 15,08% parcelado em três anos proposto pelo Governo para os servidores da Saúde.
“Sou servidor do Ministério da Saúde e a nossa categoria também está em greve em conjunto com os servidores públicos federais. O Governo apresenta uma proposta dessa e diz que não vai mais negociar. É insuficiente, porque nossa categoria recebe hoje o menor salário do serviço federal e esse reajuste de 100 reais anuais a partir de 2013 não representa nada.”
Tavares denuncia também a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS). “Nossa presença aqui hoje é para denunciar uma política, gestada pela própria presidente, de entrega do setor público para uma iniciativa privada. Na área da Saúde nós estamos sofrendo um ataque frontal com a criação da Ebserh, Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares SA, que é um novo modelo de privatização dentro da Saúde federal que já está funcionando nas universidades federais do Rio de Janeiro”, afirma o dirigente, lembrando que 75% do SUS se concentra hoje no Rio de Janeiro, com 480 mil servidores.
A Ebserh foi criada em 2011 através da lei 12.550, sancionada pela presidente Dilma, para administrar os Hospitais Universitários (HUs). A lei permite à empresa, definida como “estatal unipessoal”, disponibilizar servidores dos HUs, pagos com dinheiro público, para entidades de saúde privadas através de um mecanismo da cedência, e admitir contratações por meio de convênios com entidades privadas em vez de concurso público.
“Os nossos hospitais atualmente são geridos pela comunidade, têm verba 100% SUS, têm concurso público tanto pra técnico como pra professor, e a nossa preocupação maior agora é em relação à Ebserh”, afirma Romildo Bomfim, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ. Segundo ele, o projeto da empresa tem o intuito de dar uma lógica “mercantilista” aos hospitais universitários.
“Vão priorizar pacientes de plano de saúde dentro da rede pública, porque a gente sabe que os demais funcionários serão terceirizados, acabando com o concurso público e entrando o que eles chamam de processo seletivo simplificado, o que nada mais é que indicação. Isso destrói o conceito de Estado, de regime jurídico único”, observa Bomfim, para quem o projeto prejudica servidores e os próprios pacientes.
“Os pacientes também ficam numa situação muito ruim, já que a relação médico-paciente pode ser drasticamente alterada. Porque, se a lógica é o lucro, como ficam os nossos pacientes, cuja enorme maioria são pessoas humildes, pessoas do povo, cujo único recurso são os hospitais universitários?”
Reajuste, não aumento. Oito anos sem reposição
João Carlos Fabião, servidor do Ministério Público da União (MPU) no Rio de Janeiro, afirma que o veto de Dilma à proposta de orçamento da instituição fere o princípio da autonomia orçamentária dos Três Poderes, previsto na Constituição.
“Estamos defendendo as nossas instituições e a sociedade brasileira contra um ato arbitrário e ilegal cometido pela presidente da República. Ela vem, já há alguns anos, não observando normas constitucionais, que atribuem a prerrogativa de autonomia orçamentária à instituição do MPU e ao Poder Judiciário da União”, explica Fabião.
“No caso concreto, o chefe das instituições do MPU e Poder Judiciário vem tentando nos últimos anos corrigir eventuais distorções na remuneração decorrentes da inflação, só que a Dilma, de maneira ilegal, vem vetando na lei orçamentária anual.”
Gustavo de Souza D`Almeida, 36, também servidor do Ministério Público no Rio de Janeiro, concorda. “Nossa proposta orçamentária não deveria de forma alguma ser rasurada pelo Poder Executivo através do Ministério do Planejamento, isso é inconstitucional e está até sujeito a crime de responsabilidade da presidente”, diz.
“Somente o Congresso pode dizer que sim ou que não, durante o processo legislativo orçamentário, afinal é um projeto de lei (orçamentária anual). O trabalho do MPU não pode ser afetado, seja sucateando a entidade por meio da desvalorização de seus servidores seja não nomeando mais servidores”, afirma D`Almeida.
“No ano passado, além de terem removido as dotações orçamentárias da reposição salarial inflacionária dos servidores, também reduziram pela metade o orçamento para contratar novos servidores, aprovados por concurso público em 2010, e acabou que só puderam chamar metade dos concursados. No mesmo ano, 2010, eles aumentaram entre 100% e 130% os subsídios da presidente da República, dos deputados e dos ministros”, analisa.
“O que nós recebemos hoje de remuneração foi calculado em 2004 e aprovado em 2006, ou seja, já se passaram oito anos sem reposição. Desde então já houve perdas inflacionárias da ordem de 40% a 60%. Na verdade, nós recebemos até menos do que carreiras similares à nossa, como no TCU, na Siusepe, na Anatel, entre outras, por exemplo. Então essa conversa que parte da mídia está copiando do Poder Executivo não procede.”
“É muito importante a imprensa mostrar a verdade, porque o Governo está tendo a ajuda de um segmento da imprensa, que está distorcendo tudo o que estamos falando. Eles estão falando que nós queremos aumento salarial, o que não é verdade. Nós queremos reposição, somente”, conclui Gustavo, para quem as reposições salariais inflacionárias do serviço público foram desviadas para obras da Copa do Mundo de 2014, das Olimpíadas de 2016, do PAC e para programas “assistencialistas” do Governo, que estão sendo cada vez mais ampliados. “Se estivessem sendo mantidos, tudo bem, mas estão sendo aumentados. Esse é o nosso dinheiro.”
Júlio Tavares também afirma que o servidor da Saúde reivindica apenas o reajuste, e não aumento. “A nossa pauta unificada é por um reajuste de 22,08%, porque essas são as perdas salariais acumuladas pelos governos Lula e Dilma; e por uma proposta de carreira, principalmente para o setor público, que iguale ao seguro social. A nossa categoria tem hoje um piso realmente muito inferior que o seguro social”, afirma o dirigente.
“O Governo sustenta o discurso de ter dado aumento de 132%, o que é mentira, porque o que foi oferecido foram gratificações, com diferenças entre níveis auxiliar, intermediário e superior, entre ativos e aposentados, ou seja, nossa categoria não tem paridade nem isonomia. Então esse cálculo é forjado, porque é resultado da incorporação das gratificações e nós temos diferenças no Poder Executivo. Nossos vencimentos continuam os mesmos, congelados, e o líquido é o que eu retiro para sobreviver”, declara Júlio.
“Nós queremos dizer para a população do estado do Rio de Janeiro que quem teve o maior reajuste foi a própria presidente, o Congresso Nacional, o Judiciário. Esses setores realmente tiveram reajuste, mas os setores ‘barnabé’, da Educação, da Saúde, dos servidores públicos, das 30 categorias, não tiveram reajuste. O Governo mente e utiliza uma tática empregada na Segunda Guerra Mundial por Hitler: ‘uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade’.”
Privatização do serviço público
“A Dilma continua favorecendo aos banqueiros e megaempresários, como o Eike Batista. Nós queremos que pare a privatização, porque no Rio de Janeiro não pode acontecer o que aconteceu em São Paulo, onde 25% da atenção básica está privatizada e a população já está começando a pagar para ser assistida. E esse modelo vai começar a funcionar depois do processo eleitoral aqui no estado do Rio de Janeiro”, analisa Tavares.
“Nós somos contra esse processo de privatização da Saúde, da Educação e da Segurança Pública. Concurso público pelo regime jurídico único já e fora qualquer política de arrocho salarial”, reivindica.
IFEs
Na última quarta-feira (22), o Comando Nacional de Greve – ANDES apresentou uma contraproposta ao Governo junto à Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos deputados. Segundo o sindicato, o Governo permanece intransigente por ter interrompido as negociações unilateralmente no dia 1º de agosto.
O Ministério da Educação (MEC) afirmou em nota que a proposta apresentada em conjunto com o Ministério do Planejamento já foi aceita pela Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes) e por isso reafirmou que não haverá mais negociações com os servidores públicos federais.
Para o Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES-SN) a assinatura do ‘acordo’ com o Proifes, no dia 3 de agosto, representou uma encenação de conclusão da discussão com os docentes. “Tal ‘acordo’ impôs o projeto do governo Dilma que, unilateralmente, numa atitude antissindical, deu por encerrada a negociação com os professores, desconsiderando sua pauta”, afirmou em nota. A categoria promete intensificar os protestos e ampliar a pressão sobre o Governo para que este se habilite novamente a negociar com os grevistas.
O reajuste proposto pelo Governo é de no mínimo 25% e de no máximo 40%, dependendo do nível e da titulação do profissional, segundo o MEC. Os reajustes devem ser aplicados em março de 2013, 2014 e 2015, nas porções de 50%, 30% e 20%, respectivamente, demandando um investimento de 4,2 bilhões de reais, segundo o ministério.
A proposta apresentada pelo Ministério do Planejamento foi amplamente rejeitada pela categoria por não estruturar adequadamente a carreira docente nem garantir melhores condições de trabalho, segundo o Comando Local de Greve do Rio de Janeiro. De acordo com o ADCEFET/RJ, o governo deu um reajuste salarial precário e parcelado que não repõe a inflação.
A categoria docente pleiteia uma reestruturação do plano de carreira que valorize os professores e técnico-administrativos; contratação de novos profissionais que possibilitem o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da extensão; expansão do ensino de qualidade; e bibliotecas, laboratórios e salas de aula adequadas.
As reivindicações são apresentadas em quatro subtemas interrelacionados: Cargos e Vagas Docentes; Obras e Infraestrutura; Gestão das Universidades; Reuni. O movimento docente aceita o piso salarial oferecido pelo Governo para o professor graduado de início de carreira que trabalha 20 horas semanais no valor de 2.018,77 reais, segundo comunicado do ANDES-SN. No entanto, pede a redução de 5% para 4% dos degraus entre níveis remuneratórios, estabelecendo-se um percentual de ajuste diferente para cada titulação: 7,5% para aperfeiçoamento, 18% para especialização, 37,5% para mestrado e 75% para doutorado.
A greve dos docentes da Instituições Federais de Ensino (IFEs) foi deflagrada no dia 17 de maio e já passou de 3 meses de paralisação, tendo completado 100 dias em 24 de agosto. Num comunicado, o Comando Nacional de Greve da Educação cita programas como o REUNI ou o Expandir, promovidos pelo Governo Federal, como “expansões desordenadas” que demonstram o desrespeito do Governo em relação aos docentes acentuando a precariedade das condições de trabalho e da qualidade acadêmica.
Continuam em greve 59 IFEs: 53 Universidades, 4 Institutos Federais e 2 Centros Federais de Educação Tecnológica.
Fotorreportagem:
Bruno Menezes © The Epoch Times