Gratidão, um costume na antiga China

07/12/2014 16:58 Atualizado: 07/12/2014 16:58

“Retribuir uma gota de bondade com um lago de recompensas”, é um antigo ditado chinês. Os chineses de antigamente pensavam assim.

De acordo com os ensinamentos de Confúcio, não só devemos retribuir a bondade como também devemos fazê-lo de forma generosa. Nas “Regras de Conduta para Estudantes”, um texto rimado e que as crianças costumavam decorar, está dito: “Retribuir com bondade e esquecer os ressentimentos. Elimine rapidamente os ressentimentos e retribua desinteressadamente com bondade.”

Histórias que falavam do valor da gratidão eram valorizadas e transmitidas na antiga China. Abaixo, contamos três delas, que envolvem as vidas de três antigos estadistas chineses.

Han Xin: homem de grande tolerância e integridade superior

Há mais de 2.000 anos, cerca de 200 anos antes de Cristo, existiu um grande general chamado Han Xin. Ele desempenhou um papel fundamental para a ascensão da Dinastia Han. Em sua juventude, Han Xin passou fome e por várias dificuldades e situações que o ajudaram a forjar seu caráter heroico e íntegro.

Certo dia, Han Xin, com muita fome, estava à beira de um rio tentando pegar um peixe para matar a sua fome. Várias mulheres foram lá para lavar roupas, mas ignoraram o pobre jovem. Entretanto, uma delas, ao ver a triste situação de Han Xin, teve pena dele e ofereceu-lhe comida.

Depois de comer, Han Xin disse: ” Um dia devolverei generosamente o favor que me faz.”

A mulher manteve-se cética: “Jovem, você não tem nem mesmo o que comer. Eu lhe dei comida por piedade; não espero receber nada em troca.”

Han Xin praticava artes marciais e levava consigo uma espada. Numa ocasião, enquanto andava pelas ruas, ele encontrou um arruaceiro que impediu sua passagem.

À procura de encrenca, o arruaceiro exigiu que Han Xin rastejasse por entre suas pernas se ele quisesse passar, caso contrário, teria que usar sua espada para passar por ele. Naquela época, rastejar por entre as pernas de outra pessoa era um ato extremamente humilhante, especialmente para alguém que sabia artes marciais.

Teria sido fácil para Han Xin cortar a cabeça do arruaceiro valentão e seguir adiante, mas ele decidiu não fazer isso. Com todos zombando dele, Han Xin ajoelhou-se e submeteu-se a essa humilhação e, depois de passar por entre as pernas do arruaceiro, prosseguiu como se nada tivesse acontecido.

Os anos se passaram e Han Xin tornou-se um guerreiro conhecido e excepcional estrategista militar. Ele ganhou prestígio e notoriedade derrotando os inimigos do Reino do Meio e tornou possível o estabelecimento da grandiosa Dinastia Han, que deu à China moderna o nome de sua maior etnia.

Han Xin reconheceu que o ato do arruaceiro que o havia humilhado, bem como ato de bondade da mulher que lhe deu comida, contribuíram enormemente para seu crescimento pessoal, caráter e postura diante da vida.

Depois de famoso, fiel a sua promessa, Han Xin procurou a senhora lavadeira que o ajudou na beira no rio, agora uma senhora de idade. Ele deu-lhe uma soma considerável em moedas de ouro, que ela aceitou apenas depois de muita insistência de Han Xin.

Han Xin também procurou o arruaceiro. Este, ao ver que o menino que ele um dia intimidou e humilhou havia se tornado uma personalidade tão ilustre, prostrou-se diante de Han Xin e pediu perdão. Han Xin agradeceu-lhe e deu uma considerável recompensa a ele, que, vendo a magnanimidade do general, aprendeu a lição, agradeceu-lhe muito e mudou seu comportamento.

Uma tribo nômade salva o duque em retribuição a um favor do passado

O ato de gratidão deve ocorrer não importa a classe social. Centenas de anos antes da época de Han Xin, a terra que atualmente é chamada China era um lugar com reinos que combatiam entre si. Esse período de cerca de 500 anos de desunião foi conhecido como Período da Primavera e Outono e Período dos Reinos Combatentes (770-221 a.C.). Apesar das guerras e conspirações que caracterizam esse período da história, ele também nos deixou lições de cooperação e honra.

No século 7 a.C., o Reino Qin Ocidental estava em conflito com o poderoso Reino Jin. Certo ano, houve fome no Reino Jin. O governante de Qin, o Rei Mu, comovido pelo sofrimento do povo de Jin, fez uma ação humanitária: enviou grande quantidade de alimento pelo rio Amarelo para salvar o povo de Jin da inanição e morte.

No ano seguinte, no entanto, foi o Reino Qin que passou por grande fome e pediu ajuda ao Reino Jin. O governante de Jin, o Rei Hui, não só se recusou a ajudar como também, aproveitando-se da vulnerabilidade do Reino Qin, enviou tropas para tomar os territórios fronteiriços em disputa.

O Rei Mu de Qin ficou furioso e foi para o campo de batalha com seus homens, porém, as tropas de Jin, mais bem preparadas e alimentadas, rapidamente cercaram as tropas do Rei Mu.

Quando tudo parecia estar perdido para o Rei Mu, um grupo de 300 homens de uma tribo nômade aparece inesperadamente e atacou os soldados de Jin. O ataque inesperado foi tão bem sucedido que as tropas do Rei Mu não só escaparam do cerco como também saíram vitoriosas e capturaram o governante de Jin, o Rei Hui.

O Rei Mu ficou simplesmente perplexo com tudo aquilo. Quem eram aquelas pessoas que o salvaram? Por que o tinham salvado?

Ele descobriu que a tribo veio em sua ajuda para pagar um favor. Anos antes, o Rei Mu tinha perdido um estimado cavalo de raça, que foi capturado, abatido e comido por essa tribo de nômades que passavam fome na região. O Rei Mu saiu à procura de seu cavalo e descobriu o que ocorreu, mas já era tarde demais, pois os homens da tribo se banqueteavam com a carne do cavalo.

Primeiramente, o Rei Mu pensou em executar todos eles, mas ele reconsiderou – o cavalo já não existia mais e matar brutalmente centenas de pessoas não o traria de volta.

Em vez disso, tocado pela fome que assolava a tribo, o rei generosamente ofereceu seu próprio vinho aos nomades para que bebessem com a refeição feita com a carne de seu cavalo. Foi a tolerância e o perdão do Rei Mu que fez que essas pessoas viessem em sua ajuda num momento de perigo e quando ele mais precisava.

Ministro Wu Zixu se lembra do pescador que o salvou com um barco

Dois séculos mais tarde, o poderoso Reino de Wu enviou tropas contra o Reino de Zheng. Seu regente, o Duque Ding, buscava uma maneira de não ser destruído e prometeu grande recompensa a quem pudesse ajudá-lo a salvar seu reino da destruição.

Quatro dias se passaram, mas ninguém conseguiu pensar em como evitar o ataque e prevenir uma catástrofe. Finalmente, um jovem pescador apresentou-se e disse: “Posso fazer que o exército de Wu não nos ataque.”

O duque perguntou: “Quantos homens e cavalos você precisa?”

“Eu não preciso nem de soldados nem de armas. Este remo será suficiente”, respondeu o pescador.

Em seguida, ele foi em direção às tropas de Wu, preparadas para atacar e acampadas próximas do Reino de Zheng. As tropas eram comandados pelo grande general Wu Zixu.

Anos antes, o general Wu Zixu havia servido como um alto oficial do rei de Chu, sua terra natal. O rei de Chu, enganado por um conselheiro corrupto, executou o irmão e o pai de Wu Zixu. Wu Zixu sabia que seria o próximo a morrer. Para escapar da morte e garantir que a justiça fosse feita a quem matou sua família, Wu Zixu fugiu. Os soldados de Chu foram atrás de Wu Zixu para matá-lo.

Durante a fuga, num dado momento, Wu Zixu se viu entre as poderosas e mortais águas do rio Yangtzé e as tropas de Chu que se aproximavam. Quando parecia que seu fim havia chegado, Wu Zixu viu um velho pescador escondido entre os juncos e, de barco, ele ajudou-o prontamente a atravessar o rio.

Tendo feito isso e percebendo que Wu Zixu era um bom homem e que seria morto injustamente, o velho pescador, para não ser interrogado pelas tropas e ser obrigado a dizer onde Wu Zixu estava escondido, virou o barco e se matou.

Wu Zixu ficou profundamente comovido: “Eu estou vivo por causa desse pescador; ele morreu por minha causa. Uma tragédia!”, lamentou ele aos prantos. Finalmente, depois de se refugiar no Reino de Wu, Wu Zixu tornou-se um grande ministro e general. Ele se preparou e reforçou o poder militar do Reino de Wu para destruir Chu e assim fazer justiça contra o assassino de seu pai e de seu irmão.

Voltando a nossa história sobre o ataque ao Reino de Zheng, ele não ocorreu.

O jovem pescador, cantando alto e segurando seu remo, se aproximou do acampamento onde Wu Zixu estava. Ele cantava bem alto:

Você se lembra, você se lembra do pescador escondido entre os juncos?!
Ele levou você em segurança para o outro lado do rio Yangtzé.
Quem é esse homem que lhe fez esse favor?
Você se lembra do pescador que o salvou?

Ao ouvir a canção, o general Wu Zixu saiu de sua tenda e perguntou: “Jovem, quem é você?”

“Você não reconhece este remo? Ele pertenceu a meu pai, que salvou sua vida sacrificando a dele”, disse o pescador.

“Eu me lembro”, disse Wu Zixu. “Você é o filho dele, mas por que está aqui?”

“Vocês vão atacar meu reino [de Zheng]”, disse o jovem. “Se eu impedir o ataque, o Duque Ding me recompensará. Grande general, por favor, lembre-se do meu falecido pai!”

“Apenas porque seu pai me salvou eu pude viver para ver este dia. Como posso esquecer esse favor?”, disse Wu Zixu. Ele imediatamente ordenou que suas tropas se retirassem e voltassem para Wu.

O jovem pescador virou um herói. O duque de Zheng recompensou-o com uma grande quantidade de terras férteis e o jovem se tornou uma personalidade local respeitada e admirada.

Os atos e a personalidade de Wu Zixu têm sido lembrados como um exemplo de integridade. Ele lutou para fazer justiça contra os que mataram seu pai e seu irmão, mas sem nunca esquecer de retribuir a quem o ajudou.