Grandes empresas em encruzilhada ética

06/08/2012 03:00 Atualizado: 06/08/2012 03:00

Um segurança na sede da seguradora ‘American International Group Inc.’ (AIG), em Nova York, em 2008. (Stan Honda/AFP/Getty Images)Dilema moral para funcionários

Parece tão simples e direto: o conceito de que os bons costumes permitem que um indivíduo, um grupo, uma nação e o mundo sejam corretos e honestos através da compreensão do certo e do errado. No entanto, na sociedade complexa de hoje, algo nem sempre é preto e branco, certo ou errado. Às vezes, há tons de cinza.

“‘A coisa certa’ não é tão simples como veiculada em grande parte da literatura de ética nos negócios. […] Muitos moralistas afirmam que há sempre uma coisa certa a se fazer com base no princípio moral e outros acreditam que a coisa certa a fazer depende da situação”, segundo o website ‘Free Management Library’.

Os resultados de uma pesquisa nacional nos EUA sobre ética nos negócios, realizada pelo Centro de Recursos Éticos (ERC) e publicada em 24 de julho, mostram mais tons de cinza do que branco.

Numa declaração emitida pelo ERC, o ex-congressista norte-americano Michael G. Oxley, patrocinador da Lei Sarbanes-Oxley de 2002 e presidente do conselho administrativo do ERC, disse que as empresas da Fortune 500 (uma lista publicada pela revista Fortune sobre as 500 maiores empresas dos EUA com faturamento anual de 5 bilhões de dólares ou mais) não devem ser apenas modelos de negócio, mas também modelos de ética.

Azia para a gestão de negócios

“Empresas que têm maior receita trabalham duro para construir programas e culturas éticas fortes, mas também enfrentam pressões únicas que tendem a elevar o nível de conduta imprópria em seus locais de trabalho”, segundo a pesquisa de ética empresarial do ERC.

Ferramentas para um programa ético abrangente estão disponíveis. Segundo a pesquisa, 60% das empresas da Fortune 500 instituíram programas abrangentes de ética, que incluiu todos os seis componentes básicos estabelecidos pelo ERC. A porcentagem de empresas da Fortune 500 que integram os elementos mais importantes em seus programas éticos é de 20% maior do que todas as outras empresas localizadas nos Estados Unidos.

O relatório sugere que durante crescimento acelerado, o estresse no local de trabalho aumenta e afeta os padrões morais e éticos no local de trabalho. Quanto mais estressante o ambiente de negócios dentro e fora da empresa, mais atitudes de riscos e má conduta podem ser encontradas.

Os pesquisadores descobriram que “90% dos trabalhadores da Fortune 500® que se sentiram pressionados [a quebrar as regras] disseram que observaram má conduta no trabalho, o dobro da taxa de má conduta observada entre aqueles que não se sentiram pressionados a comprometer os padrões.”

Os resultados da pesquisa também mostram que empregados reagem negativamente numa empresa orientada para grande crescimento, respondendo com atitudes simplistas e desempenho imperfeito no trabalho, em essência, trapaceando e fornecendo ao cliente produtos de qualidade inferior.

“A conduta no local de trabalho tende a se mover com a economia de tal forma que a aceleração do crescimento econômico é geralmente acompanhada por um aumento na má conduta. Períodos de abundância parecem encorajar mais comportamento de risco”, segundo a pesquisa do ERC.

Segundo a pesquisa, 74% dos empregados nas empresas da Fortune 500 tornaram-se delatores depois de descobrir irregularidades, em comparação com 65% no restante das empresas norte-americanas.

A gerência influencia bastante o mau comportamento dos funcionários. Gerentes que salientavam o comportamento ético tinham menos de 50% dos seus empregados envolvidos em delitos contra quase o dobro deste número numa empresa em que a gerência não enfatizava o comportamento ético.

Por outro lado, os funcionários não relatarão todo tipo de má conduta. Certas ações, tais como roubo, fraude e comportamento ofensivo, que poderiam resultar numa empresa ser investigada ou perder sua marca, serão relatadas. Já ações como uso pessoal da internet, redes sociais ou intervalos de almoço ou café excessivos, geralmente não são considerados suficientemente fortes para serem relatados.

“A [improbidade] mais relatada é o suborno a clientes (79%). A menos relatada é a realização de negócios pessoais em horário de trabalho (38%)”, disse o relatório do ERC.

Abordando a mente dos delatores

Em maio, o ERC divulgou um relatório sobre delatores que os define como “funcionários que reportam má conduta observada, seja interna ou externamente”.

Tornar-se um delator depende do entendimento pessoal do observador do que constitui um delito no local de trabalho. O indivíduo faz uma distinção quanto a quem cometeu a infração, como um amigo, um conhecido ou inimigo. O ambiente interno desempenha um papel importante, criando ou afetando o desejo de permanecer anônimo, a preocupação com uma possível retaliação e o medo de sair perdendo em longo prazo.

A consciência nem sempre equivale à ação. “Mais de um em cada três pessoas que disseram ter observado má conduta também decidiram não denunciá-la a alguém que pudesse tomar medidas adequadas para enfrentá-la”, segundo o relatório sobre delatores do ERC.

O percentual dos que delatam má conduta a seus chefes imediatos aumentou de 43% em 2007 para 46% em 2009 e 56% em 2011; empregados passaram a confiar em seus supervisores imediatos mais do que no passado.

Sair do estabelecimento é realmente o último recurso para empresas com um sistema de ética bem estabelecido, enquanto que delatores num ambiente sem um sistema de ética têm mais probabilidade de escolher locais externos de delação, sejam eles anônimos ou não.

“Funcionários de fato consideraram delatar má conduta fora da empresa, mas raramente é a primeira escolha. Em 2011, menos de um em cada cinco jornalistas (18%) escolheram contar a alguém fora de sua empresa, fosse inicialmente ou num segundo relato. Apenas 3% dos relatos foram feitos externamente na primeira vez”, segundo o relatório sobre delatores do ERC.

A ‘Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais’ (AFL-CIO) afirma em seu website, “Os funcionários da União, que frequentemente têm certas proteções contratuais, tiveram índices muito maiores de relatar má conduta específica do que empregados não sindicalizados (65% contra 47%).”

Retaliação em ascensão

A retaliação contra delatores aumentou de 36,3% em 2010 para 37,4% em 2011, quando considerando todos os tipos de acusações, segundo um gráfico no website da Comissão para a Igualdade de Oportunidades no Trabalho (EEOC) dos EUA.

Em 24 de julho, a EEOC relatou que a companhia ‘Kids R Us LLC’ foi multada em 75 mil dólares num caso de discriminação de gravidez e retaliação.

Também em 24 de julho, a EEOC ganhou 350 mil dólares num processo de discriminação federal e retaliação contra a Associação de Microcirurgia Endoscópica de Baltimore.

Em 17 de julho, o escritório de advocacia Phillips & Phillips publicou em seu website que a Administração de Alimentos e Drogas dos EUA demitiu cientistas em represália por relatarem “abusos administrativos e de segurança”.

Especialistas em direito do trabalho sugerem que talvez a turbulência econômica seja responsável por um aumento dos processos de retaliação, enquanto delatores são demitidos junto com outros empregados, fazendo parecer uma ação normal.

Uma decisão de 2006 da Suprema Corte torna mais fácil para delatores arquivarem um caso de retaliação. Empregados não têm de provar a discriminação, apenas que foram demitidos ou perderam uma promoção depois de informarem o delito.

“A economia não é a única coisa que contribui para o aumento das alegações de retaliação. Uma decisão inovadora de 2006 da Suprema Corte mudou o ambiente das alegações de retaliação decorrentes de reclamações do Título VII, que são queixas relacionadas à discriminação baseadas numa série de fatores protegidos, como raça, religião e gênero”, segundo um artigo no website Lawyers.com.