Grande Chefe Seattle: exemplo de sabedoria e lucidez ao cara pálida

02/04/2014 05:38 Atualizado: 02/04/2014 05:36

Em 1854, o presidente dos Estados Unidos quis comprar uma grande parte das terras ocupada pelos índios peles-vermelhas; em troca, prometeu criar uma reserva indígena. A resposta do Cacique Seattle ao presidente brotou do coração simples de alguém que sabiamente respeita a Natureza por tudo de bom que ela dá ao homem. Abaixo a resposta:

“O grande chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar nossa terra, o grande chefe nos assegurou também ser amigo e ter boas intenções. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa de nossa amizade.

Vamos considerar sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará as nossas terras. O grande chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minhas palavras são como as estrelas, elas não empalidecem.

Como é possível comprar ou vender o céu, o calor da terra? Esta ideia nos é estranha. Se não somos dono do frescor do ar e do brilho das águas, como então é possível comprá-los de nós? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo, cada ramo reluzente do pinheiro, cada punhado de areia do riacho, cada clareira na penumbra da densa floresta, cada inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência de meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo e a grande águia são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor que emana do corpo de um potro, o homem – todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando o grande chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele pede muito de nós. O grande chefe diz que irá nos reservar um lugar onde possamos viver satisfeitos; que ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, vamos considerar a sua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, porque esta terra é para nós sagrada.

Esta água brilhante que corre nos riachos e rios não é apenas água, e sim o sangue de nossos ancestrais. Se lhes vendermos as terras, você deve se lembrar de que ela é sagrada, deve ensinar a seus filhos que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e recordações da vida de meu povo. O rumorejar d’água é a voz de nossos ancestrais. Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem se lembrar e ensinar seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. Portanto, devem dar aos rios a afabilidade que dariam a um irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele, um lote de terra é igual a outro, pois ele é um forasteiro que chega na calada da noite para tirar da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de conquistá-la, ele vai embora. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se importa. Tira da terra aquilo que seria a herança de seus filhos e não se importa. Esquecem a sepultura de seus pais e os direitos de seus filhos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelhas ou enfeites coloridos. Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.

Não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A paisagem de suas cidades fere os nossos olhos. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda essas coisas.

Não há sequer lugares tranquilos nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque sou um selvagem ignorante; o barulho parece apenas insultar os meus ouvidos. E o que restará da vida se um homem não puder ouvir a voz solitária de uma ave ou, de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e não consigo compreendo essas coisas. O índio prefere o suave sussurro do vento a sobrevoar a superfície de um lago ou o cheiro do próprio vento purificado pela chuva do meio-dia ou perfume dos pinheiros.

O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas compartilham o mesmo sopro – os animais, as árvores, o homem, todos compartilham o mesmo ar. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve se lembrar de que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida também recebeu o seu último suspiro. E se lhes vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta, como um santuário, como um lugar onde o próprio homem branco possa ir saborear o vento adoçado com a fragrância das flores campestres.

Vamos considerar sua oferta de comprar nossas terras. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais destas terras como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não posso aceitar que possa ser de outra maneira. Tenho visto milhares de búfalos [bisões] apodrecendo nas planícies, abandonados pelo homem branco que os abate a tiros disparados de um trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante do que o búfalo que sacrificamos apenas para o sustento de nossa vida.

O que seria do homem sem os animais? Se todos os animais acabarem, o homem morrerá devido a uma grande solidão de espírito. Pois o que acontece aos animais, em pouco tempo, acontece com o homem. Tudo está interligado.

Vocês devem ensinar a seus filhos que o solo debaixo de seus pés são as cinzas de nossos antepassados, ensinar para que respeitem a terra; digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem a seus filhos o que ensinamos aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo o que fere a terra, fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre si mesmos.

De uma coisa sabemos. A terra não pertence ao homem; é o homem que pertence à terra. Temos certeza disso. Todas as coisas estão interligadas assim como o sangue que une uma família. Tudo está interligado. Tudo o que se fizer de mal à terra, recairá sobre os filhos da terra. Não foi o homem que teceu a trama da vida: ele é meramente um de seus fios. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará.

Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbiram sob o peso da vergonha. E depois de derrotados passam o tempo sem fazer nada, envenenando seus corpos com alimentos açucarados e bebidas alcoólicas. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias – não somos muitos. Mais algumas horas, ou invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que têm vagueado em pequenos grupos pelos campos sobrará para chorar sobre os túmulos de um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. Podemos ser irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos e o homem branco perceberá um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem achar que O possuem, do mesmo modo que desejam possuir nossa terra; mas não é possível. Ele é o Deus de todos os homens. Sua compaixão é igual para com o homem vermelho e o homem branco. A terra lhe é preciosa e feri-la é desprezar o seu criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as outras raças. Se continuarem contaminando onde dormem, uma noite morrerão sufocados pelos próprios dejetos.

Porém, ao perecerem, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e que, por alguma razão especial, lhes deu o domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é para nós um mistério, pois não podemos imaginar como será quando todos os búfalos forem exterminados, os cavalos bravios domados, as brenhas das florestas carregadas do odor de muitos homens e a visão das velhas colinas obstruídas por fios eletricos que carregam palavras. Onde ficará o emaranhado da mata? Desaparecerá. Onde estará a águia? Desaparecerá. Restará apenas dar adeus às andorinhas e à caça; será o fim da vida e o começo da luta pela sobrevivência.

Compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos com o que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmitem a seus filhos nas longas noites de inverno, qual a visão de futuro que nutre suas mentes e formam seus desejos para o dia de amanhã. Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são para nós obscuros, e por serem obscuros, temos de escolher nosso próprio caminho. Se consentirmos, será para garantir as reservas que nos prometestes. Lá, talvez, possamos viver o nossos últimos dias conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não for mais que a sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará vivendo nestas florestas e praias, porque nós a amamos como ama um recém-nascido o bater do coração de sua mãe.

Se lhes vendermos as nossas terras, ame-as como nós a amamos. Proteja-as como nós as protegemos. Nunca se esqueçam de como eram estas terras quando delas se apossaram. E com toda a sua força, todo o seu poder e todo o seu coração – conservem-nas para seus filhos e amem-nas como Deus ama a todos. De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus, e esta Terra é por ele amada. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum”.