No final do mês de dezembro, o Ministério Público Federal pediu que o Tribunal de Contas da União amplie a investigação sobre a operação que levou a Petrobras a pagar milhões de dólares a mais à petrolífera boliviana YPFB, pela importação de gás da Bolívia para o Brasil.
A iniciativa foi tomada depois que a revista Época publicou uma reportagem revelando os termos de um aditivo contratual, assinado em dezembro de 2009, que fabricou a dívida milionária em troca de um produto jamais utilizado pela estatal brasileira: a “parte rica” do mesmo gás.
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YPFB e Petrobras mudaram o contrato de fornecimento de gás para que a empresa brasileira passasse a pagar mais pelo mesmo produto, sem contrapartidas dos bolivianos.
O polêmico aditivo vinha sendo discutido entre as empresas até a Petrobras, sob o comando de Graça Foster, pagar a maior das parcelas dessa cobrança, em agosto de 2014: US$ 434 milhões.
Na verdade, a história do pagamento da indenização da Petrobras à Bolívia possui outros emaranhados e uma série de estranhas coincidências.
Em março de 2009, o governo brasileiro aprovou o pedido de garantia de um empréstimo de US$ 332 milhões do BNDES para a construção de uma estrada na Bolívia pela empreiteira OAS.
O projeto, cujo financiamento era uma promessa do presidente Lula ao colega Evo Morales, passou a ser investigado por suspeitas de superfaturamento e de favorecimento à construtora brasileira.
Na Bolívia, passaram a ser investigados indícios de que a estrada San Ignácio-Villa Tunari estaria superfaturada em até US$ 215 milhões e de que mudanças de última hora na licitação, realizada em 2008, favoreceram a OAS, a única empresa que participou do processo.
A obra acabou não se consolidando por conta de protestos de grupos indígenas locais, e o governo da Bolívia decidiu não permitir mais a construção da estrada e aceitou indenizar a construtora brasileira OAS pelo cancelamento de um contrato que já estava na casa dos US$ 415 milhões.
Em 2011, o ex-presidente Lula chegou a ir à Bolívia tentar interceder junto ao presidente Evo Morales para tentar retomar as negociações em torno da estrada, cuja conclusão estava prevista para 2014.
Apesar das tentativas de Lula e do governo brasileiro, que também interveio nos bastidores para destravar as obras, em abril de 2012 a Bolívia cancelou o projeto da OAS, alegando não cumprimento de contrato.
A disputa expôs a tensão frente à expansão das construtoras brasileiras na América Latina que, financiadas por crédito do BNDES, venceram licitações para construir estradas, pontes, linhas de metrô e gasodutos da América Central à Patagônia.
A OAS pediu ressarcimento de US$ 197 milhões, valor que não foi aceito pelo presidente boliviano Evo Morales.
Em 2013, após um ano e meio de controvérsias, a Bolívia aceitou pagar a indenização, por valor menor (especula-se que pagou cerca de US$ 140 milhões). Ainda não se sabe se a indenização foi paga pelos bolivianos.
Em meio à polêmica sobre o pagamento do cancelamento do contrato para a obra da estrada, a Petrobras acertou com o governo boliviano o pagamento de US$ 434 milhões por componentes que chegam junto com o gás fornecido pela Bolívia ao Brasil. Os recursos foram pagos a título de indenização e incluíram acerto de débitos atrasados.
Segundo o Tribunal de Contas da União, o pagamento não estava previsto em contrato e os componentes bolivianos não são aproveitados pela Petrobras.
A Petrobras teria pago o valor de uma só vez, incluindo os atrasados, embora não faça uso desses componentes.
O TCU abriu processo para entender o que levou a Petrobras a tomar a decisão de pagar por esses componentes. “Queremos saber por que pagou, baseado em que, quem autorizou, para poder tomar uma providência”, afirmou o ministro José Jorge, no ano passado.
Resumo da ópera: a OAS pegou uma obra de estrada na Bolívia com financiamento de 80% do BNDES, e chegou a tocar quase a metade das obras.
As obras foram canceladas pelo governo boliviano por problemas com comunidades indígenas que habitavam a região por onde passaria a estrada. O governo Evo Morales se negou a indenizar a OAS.
O ex-presidente Lula vai a Bolívia no jato da OAS para falar com Evo Morales, o governo brasileiro também entra no circuito fazendo pressão.
Evo Morales aceita, depois de algum tempo, ressarcir a OAS, mas por um valor menor. Algum tempo depois, a Petrobrás decide fazer um pagamento retroativo à Bolívia, de mais de US$ 400 milhões, fora do contrato inicial e com argumentos frágeis e contestados pelo TCU.
Terá a Petrobras sido usada para ressarcir Evo Morales pelo fato do governo boliviano ter indenizado a OAS por uma estrada que recebeu dinheiro do BNDES e não foi concluída?
Com a palavra, o TCU e o governo brasileiro.