Os recursos do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) começam, indiretamente, a alimentar a ocupação de terras em várias cidades do Brasil pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o braço urbano do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A entidade, que ocupa terrenos vagos, já conseguiu cerca de R$ 89 milhões para construir cerca de 1.600 moradias em três estados: São Paulo, Pernambuco e Goiás. Segundo Zezito Alves da Silva, um dos coordenadores do movimento, também estão garantidos recursos para erguer 300 moradias em Roraima e mais 900 no Tocantins.
O Ministério das Cidades não autoriza projetos em terrenos irregulares. Por isso, cresce a pressão do MTST para forçar a desapropriação de terrenos que considera latifúndios urbanos. No dia 03 de outubro de 2014, o MTST reuniu seis mil pessoas numa manifestação na Zona Sul de São Paulo, que parou a Marginal Pinheiros, para protestar contra a decisão da prefeitura de São Paulo de suspender qualquer desapropriação na cidade. Os manifestantes fazem parte do acampamento Nova Palestina, no Jardim Ângela, periferia da cidade.
A possibilidade de conseguir moradia por meio do MTST tem feito aumentar a adesão de sem-tetos ao movimento. Segundo a própria entidade, são cerca de 40 mil famílias no país — quase 20 mil apenas na Grande São Paulo. Ao contrário dos acampamentos rurais, onde os sem terra permaneciam no local meses a fio, nos acampamentos urbanos as famílias montam barracas, mas a maioria fica vazia. A obrigação é apenas fazer revezamento no local, para manter visível a presença do MTST. Só fica no acampamento quem está realmente na rua. Boa parte dos acampados segue diariamente para suas moradias atuais — casas alugadas ou de parentes, por exemplo.
A verba pleiteada pelo MTST é do MCMV-Entidades. O Ministério das Cidades habilita entidades sem fins lucrativos para pleitear recursos, e elas podem escolher os beneficiários. Por ser um movimento social, sem Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), o MTST não pode obter diretamente os recursos e utiliza associações habilitadas. Em Pernambuco, por exemplo, as verbas foram direcionadas para a Associação de Apoio aos Sem Teto e para a Associação Habitat para Humanidade.
Em São Paulo, a entidade habilitada a gerenciar a construção de 348 apartamentos em Taboão da Serra — um projeto de R$ 29 milhões — é a Associação dos Moradores do Acampamento Esperança de um Novo Milênio. A associação foi criada por Zezito Silva em 2002 para negociar um terreno ocupado por apenas 42 famílias em Itapevi, na Grande São Paulo. Funciona numa das casas precárias da ocupação, apontada por vizinhos como residência de Silva. No local, acessado por viela, algumas pessoas dizem que só alugam a moradia e estão ali há pouco tempo. Outros dizem que apenas Silva pode falar sobre a situação da ocupação.
A associação não tem nada a ver com o MTST. É uma associação legal e pode pleitear verbas do Minha Casa Minha Vida — diz Silva, um dos coordenadores do MTST.
Segundo Silva, a Associação comprou o terreno de Itapevi por R$ 40 mil, mas não há escrituras individuais porque cada família ficaria com 50 metros quadrados de área, abaixo do limite mínimo estabelecido pela lei municipal, de 125 metros quadrados.
De 2009 para cá, quando foi lançado o MCMV, a entidade cresceu. Abriu filial em Brasília e firmou convênios com prefeituras, como Embu e Santo André. A virada ocorreu em 2011, quando o estatuto foi adaptado para pleitear recursos federais: incluiu entre as finalidades exercer atividades de provisão habitacional, prestar serviços de assistência técnica/trabalho social ou agente promotor de habitação de interesse social. Pode comprar, vender, tomar empréstimos e usar linhas de crédito federais, estaduais e municipais. Embora a ata da assembleia que incorporou as mudanças seja de 2011, ela só foi protocolada no Cartório de Títulos e Documentos e Registro Civil de Pessoas Jurídicas de Itapevi em abril de 2012.
Guilherme Boulos, da coordenação nacional do MTST, afirmou que o movimento usa mais de uma associação, mas que as regras são rígidas, o que faz com que a associação de Itapevi sirva de “guarda-chuva”. O Ministério das Cidades informou em nota que associações locais podem ser usadas por movimentos nacionais, como o MTST, e pleitear recursos do MCMV Entidades, que já investiu R$ 626,4 milhões para atender famílias com renda de até R$ 1.600 por mês. A maioria dos projetos, informou, é ainda vinculada a prefeituras, que cadastram beneficiários.
Com informação do O GLOBO e Revolta Brasil