O interesse do governo em encontrar uma forma de capitalizar as distribuidoras é justamente o impacto dos reajustes na inflação, que está acima do teto da meta de 6,5% ao ano.
Uma decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), tomada nesta terça-feira (24), é mais uma “tratorada” do governo para mudar as regras do setor elétrico. A agência reguladora aprovou nesta terça-feira um corte drástico de 53% no preço teto da energia no mercado de curto prazo para o ano de 2015. O teto do PLD (Preço de Liquidação das Diferenças) passará dos atuais 822,83 reais por megawatt-hora (MWh) para 388,48 reais. Já o preço mínimo foi elevado de 15,62 reais MWh para 30,26 reais MWh.
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A intenção do governo com a medida é reduzir o rombo das distribuidoras de energia que, para cumprir seus contratos, estão tendo de comprar energia no mercado spot, ou de curto prazo, onde ela é mais cara. Mas isso pode acarretar em mais encargos para os consumidores. A última revisão nas regras do PLD ocorreu em 2003 e os valores vinham sendo atualizados anualmente desde então.
Com a baixa produção nas hidrelétricas e a persistente exposição de parte das distribuidoras a esse mercado, o preço flutuante de curto prazo tem se mantido no teto durante a maior parte de 2014. O alto custo do PLD está no centro do rombo do setor elétrico que já exigiu aportes bilionários do Tesouro Nacional nos últimos dois anos, além de empréstimos ao setor no valor de 17,8 bilhões de reais que serão pagos pelos consumidores a partir de 2015. A redução do preço força uma nova mudança regulatória no setor, que tem sido um dos mais instáveis do País desde que a presidente Dilma baixou a MP 579, mudando as regras para geradoras e distribuidoras.
“Não há dúvida de que é um valor bastante inferior ao teto atual, mas, considerando que o preço médio de aquisição de energia pelas distribuidoras em 2014 foi de 150 reais MWh, o teto no mercado de curto prazo continuará em um patamar elevado”, avaliou José Jurhosa, diretor da Aneel, que também respondeu às críticas de que o valor menor prejudicaria os planos de investimentos das empresas de geração. “Estudos da Aneel mostram que o novo PLD não atrapalhará a expansão da oferta de energia”, completou. A mudança regulatória entrou em audiência pública na segunda metade do ano.
Diferentemente do período de racionamentos de 2001, o Brasil hoje dispõe de usinas térmicas, que usam combustíveis fósseis para gerar energia e poupam os reservatórios das hidrelétricas, que estão em níveis baixos — os menores desde 2000. O problema é que essas térmicas são muito mais custosas do que as hidrelétricas e, por isso, elevam o preço da energia no mercado à vista. Diante de chuvas escassas e previsões nada animadoras, desde o início do ano o Operador Nacional do Sistema (ONS) mantém quase todas essas usinas térmicas ligadas.
Para quem já tinha contratos de energia firmados com geradoras, nada mudou. Mas, para grande parte das distribuidoras de energia que não conseguiram suprir, nos leilões de 2013, toda a demanda de energia prevista para as residências, o preço disparou. O chamado Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) é o preço que os consumidores (distribuidoras, empresas) precisam pagar caso usem mais energia do que tinham contratado. O mesmo vale para o caso de uma geradora produzir menos energia do que tinha vendido. A remuneração em ambos os casos é feita via PLD, que é determinado pelo ONS semanalmente.
O fato é que o PLD passou boa parte de 2014 em seu máximo, de 822,83 reais o megawatt, trazendo custos altíssimos para as distribuidoras descontratadas. O governo precisou intervir e um grupo de bancos financiou 11,2 bilhões de reais para que essas empresas não repassassem em 2014 todo o aumento de gastos para o consumidor, via reajuste tarifário. No segundo semestre, outro empréstimo, de 6,6 bilhões de reais, foi acertado.
O interesse do governo em encontrar uma forma de capitalizar as distribuidoras é justamente o impacto dos reajustes na inflação, que está acima do teto da meta de 6,5% ao ano. É difícil, porém, dissociar de intenções políticas a decisão da Aneel de colocar em discussão a diminuição do teto do PLD de 822,83 para 388,04 por MWh. A medida anunciada nesta terça-feira pode até diminuir o rombo das distribuidoras, mas especialistas do setor já prevêem mais custos para a conta de luz dos brasileiros.
Raphael Gomes, do Demarest Advogados, explica que, hoje, parte do PLD é repassado para cobrir os gastos com geração, como a das térmicas. Se o PLD máximo diminuir, isso terá de ser pago por todos os agentes do sistema via aumento de encargos. Nos cálculos da Safira Energia, por exemplo, os encargos podem subir até dez vezes com um PLD máximo de 388,04/MWh.
Se de janeiro a julho deste ano, com o PLD máximo atual, o montante de encargos pagos pelos consumidores foi de mais de 582 milhões de reais, ele subiria para 5,4 bilhões de reais. “Para resolver um problema pontual, quer-se mudar artificialmente o preço da energia no mercado de curto prazo, reduzir os incentivos de outros agentes e ainda deixar para o consumidor pagar essa conta”, aponta Gomes.
Desse modo, quem seguiu a regra de contratações e não ficou exposto ao mercado à vista precisaria “dividir o bolo” com quem, descontratado, foi beneficiado com preços de energia menores. Em última instância, todo e qualquer aumento de custo acaba de algum modo indo para a conta de quem a presidente Dilma Rousseff tentou “proteger” em 2012: os contribuintes.