Esqueça o mimo tecnológico dos Google Glasses. A companhia norte-americana revelou na última quinta-feira, dia 16, uma novidade que vai muito longe de um novo brinquedo para os nerds. A criação que pode mudar a vida de milhões de pessoas é uma lente de contato que monitora os níveis de glicose nas lágrimas – um potencial alívio para diabéticos do mundo todo, que têm de espetar os dedos para testar o seu próprio sangue até 10 vezes por dia.
O protótipo, que o Google diz que vai demorar pelo menos cinco anos para atingir os consumidores, é um dos vários dispositivos médicos sendo projetados por empresas para tornar o monitoramento de glicose para pacientes diabéticos mais conveniente e menos invasivo.
As lentes usam um sensor de glicose minúsculo e um transmissor sem fio para ajudar aqueles entre o total de 382 milhões de diabéticos que necessitam de insulina a manter uma estreita vigilância sobre o açúcar no sangue e ajustar a sua dose.
As lentes de contato foram desenvolvidas durante os últimos 18 meses no laboratório secreto da Google, de codinome Google X, que também desenvolveu um carro sem motorista, óculos de navegação na web e o Projeto Loon, uma rede de grandes balões projetados para transferir a internet para lugares não conectados. Em setembro, a companhia também lançou um braço especialmente dedicado a encontrar soluções para problemas que vêm com o envelhecimento.
Porém, a pesquisa sobre as lentes de contato começou há vários anos na Universidade de Washington (EUA), onde os cientistas trabalharam sob financiamento da National Science Foundation dos EUA. Até quinta-feira, quando o Google falou sobre o projeto com a Associated Press, o trabalho tinha sido mantido em segredo.
“O Google nos deu a liberdade para investir neste projeto”, contou um dos pesquisadores principais, Brian Otis. “A coisa mais bonita é que estamos aproveitando toda a inovação na indústria de semicondutores, que teve como objetivo criar celulares menores e mais poderosos”.
O aparelho parece uma lente de contato típica quando visto com desatenção. Numa análise mais aprofundada, é possível ver que coladas na lente estão duas manchas cintilantes carregadas com dezenas de milhares de transistores miniaturizados. Tudo isso está circundado por uma antena da espessura de um fio de cabelo.
“Não parece muita coisa, mas foi necessária uma quantidade louca de trabalho para fazer com que tudo ficasse tão pequeno”, confessou Otis na sede do Google no Vale do Silício. Foram anos de soldagem de transmissores finos como fios de cabelo para miniaturizar os eletrônicos, essencialmente construindo minúsculos chips a partir do zero, para fazer o que Otis disse ser o menor sensor de glicose sem fio já criado.
Outros sistemas de monitoramento de glicose que não envolvem agulhas também estão em progresso, incluindo uma lente de contato semelhante da NovioSense, empresa com sede na Holanda. O dispositivo consiste em uma mola minúscula, flexível, que é depositada sob uma pálpebra. Já a OrSense, baseada em Israel, testou uma espécie de anel. Também já existem os primeiros desenhos para tatuagens e sensores de saliva.
Um monitor de relógio de pulso foi aprovado pela Administração de Drogas e Alimentos americana em 2001, mas os pacientes disseram que as correntes elétricas de baixo nível usadas para puxar o fluido de sua pele eram dolorosas, e davam problema. “Há um monte de produtos com grandes promessas”, disse o Dr. Christopher Wilson, CEO da NovioSense. “É apenas uma questão de quem fica no mercado com algo que realmente funciona”.
Em todo o mundo, é esperado que o mercado de dispositivos de monitoramento de glicose fature mais de US$ 16 bilhões (cerca de R$ 32 milhões) até o final deste ano, de acordo com analistas do Renub Research.
A equipe do Google construiu, além dos chips, um sistema de energia para coletar e transmitir uma leitura de glicose por segundo à lente. Os componentes eletrônicos embutidos nas lentes não obscurecem a visão, porque estão fora da pupila e da íris do olho.
O Google está agora à procura de parceiros com experiência em trazer produtos similares ao mercado. Representantes da companhia se recusaram a dizer quantas pessoas trabalharam no projeto, ou quanto a empresa investiu nele.
Um estudo clínico terceirizado com pacientes reais foi promissor, porém há muitas questões em potencial que ainda estão por vir, ponderou o pesquisador de diabetes da Universidade da Carolina do Norte, Dr. John Buse. Entre elas, está descobrir como correlacionar os níveis de glicose em lágrimas, em comparação com o sangue. E o que acontece em dias de vento, ao cortar cebolas ou durante filmes muito tristes? Tal como acontece com qualquer dispositivo médico, as lentes teriam que ser testadas e provadas precisas, seguras e pelo menos tão boas quanto outros tipos de sensores de glicose disponíveis atualmente para que ganharem a aprovação da FDA, órgão governamental norte-americano responsável pela regulamentação de qualquer tipo de alimento ou medicação desenvolvida no país.
Em uma postagem em seu blog anunciando a nova tecnologia, a equipe do Google explicou a motivação por trás do projeto. “Você pode não estar familiarizado com a luta diária que muitas pessoas com diabetes enfrentam enquanto tentam manter os seus níveis de açúcar no sangue sob controle. Caso o açúcar no sangue esteja descontrolado, as pessoas sofrem com o risco de uma série de complicações perigosas, algumas de curto e outras a longo prazo, incluindo danos aos olhos, rins e coração”, diz o texto. “Um amigo nosso nos disse que se preocupa com a mãe dele, que já desmaiou por causa da baixa de açúcar no sangue e dirigiu seu carro para fora da estrada”.
Karen Rose Tank, que deixou sua carreira como economista para ser uma técnica de saúde e bem-estar depois de seu diagnóstico de diabetes tipo 1, há 18 anos, se sente encorajada ao saber que novos métodos de monitoramento de glicose podem estar no horizonte. “É realmente emocionante que algumas das grandes empresas de tecnologia estão entrando neste mercado”, revelou ela. “Eles trazem tanto talento, são capazes de pensar ‘fora da caixa’”.
Esse conteúdo foi originalmente publicado no site Hype Science