Gastos públicos da Grécia levaram o país à falência, afirma economista

26/01/2015 14:15 Atualizado: 26/01/2015 14:15

A Grécia foi à bancarrota não porque, como dizem os entusiastas do novo governo eleito, pagou taxas de juros “usurárias” sobre sua dívida, mas sim porque se endividou despreocupadamente para que seus políticos pudessem gastar como se não houvesse amanhã.

Vamos aos números.

Se levarmos em conta o valor total de juros pago pelo governo grego em relação ao estoque total de sua dívida, temos que, desde 2006, não houve nenhum ano em que a Grécia tenha pagado mais do que 4,5% de juros sobre sua dívida total.

Isso dificilmente pode ser classificado como “usura”, principalmente quando se leva em conta que a inflação de preços média na Grécia desde 2006 foi de 2%, o que significa que o estado grego jamais pagou juros reais superiores a 2,5% ao ano. [Nota do IMB: a título de comparação, o governo brasileiro pagar taxas superiores a 10% sobre sua dívida total, e as taxas reais sempre estiveram acima de 4,5%].

Com efeito, no ano de 2013, a Grécia pagou sobre sua dívida pública total taxas de juros nominais inferiores até mesmo às da Alemanha: em concreto, os gregos pagaram 2,28%, sendo que os alemães pagaram 2,62%.

Gráfico 1: taxa de juros média sobre a dívida pública, 2006-2013   (Fonte: Eurostat)
Gráfico 1: taxa de juros média sobre a dívida pública, 2006-2013 (Fonte: Eurostat)

E não é só: em 2013, a Grécia foi o quarto país da zona do euro a pagar as menores taxas de juros sobre sua dívida pública:

Gráfico 2: taxa de juros média sobre a dívida pública em 2013 (Fonte: Eurostat)
Gráfico 2: taxa de juros média sobre a dívida pública em 2013 (Fonte: Eurostat)

Em que pese todo o bombardeio propagandístico sobre juros usurários contra a Grécia, ninguém deveria se surpreender com os resultados acima, pois foi em 2012 que a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI) aprovou um segundo plano de resgate para a Grécia, pelo qual o governo grego obteve condições de financiamento extremamente benéficas.

O principal culpado: o descontrole do gasto público

Antes da crise, o volume total da dívida pública grega era de 250% das receitas do governo (2,5 vezes maior). Na Alemanha, a título de comparação, esse valor era de 150%. (1,5 vez maior).

No entanto, após a crise, o valor grego pula para 350%, chegando a superar 400% (4 vezes maior) no ano de 2011. Vale notar que tanto o resgate quanto as medidas de “austeridade” começaram a ser implantados na Grécia apenas no ano de 2010, só que em 2009 o governo já tinha um volume de dívida pública totalmente descontrolado.

Gráfico 3: relação entre dívida pública e receitas do governo, 2006-2013 (Fonte: Eurostat)
Gráfico 3: relação entre dívida pública e receitas do governo, 2006-2013 (Fonte: Eurostat)

E o que fez aumentar essa dívida pública?

Enquanto a Alemanha conseguiu manter constante, em termos reais, seu gasto público por habitante entre 1996 e 2008, a Grécia o aumentou em nada menos que 80%.

Gráfico 4: gasto público real por habitante, 1996-2013 (Fonte: Eurostat)
Gráfico 4: gasto público real por habitante, 1996-2013 (Fonte: Eurostat)

A hipertrofia do estado grego simplesmente não possui similares na Europa, especialmente se levarmos em conta como ele se financiou: a Grécia não apenas foi um dos países que mais aumentou seu gasto público, como também foi o que recorreu com mais obsessão ao endividamento para financiá-lo.

Gráfico 5: aumento da dívida pública entre 1996 e 2008 (Fonte: Eurostat)
Gráfico 5: aumento da dívida pública entre 1996 e 2008 (Fonte: Eurostat)

Como consequência desse enorme crescimento do endividamento (e não como consequência de altas taxas de juros), o gasto anual com os juros sobre todo esse estoque de dívida superou, até o segundo pacote de resgate, o valor de 12% das receitas do governo (em 2011, antes do resgate, o total de juros pago por ano era 17% maior do que as receitas). Compare isso à Alemanha, cujos gastos com juros se mantiveram estáveis em 6% de todas as receitas.

Gráfico 6: total de juros pagos em relação às receitas do governo, 2006-2013 (Fonte: Eurostat)
Gráfico 6: total de juros pagos em relação às receitas do governo, 2006-2013 (Fonte: Eurostat)

Vale enfatizar: o problema não foi a taxa de juros que a Grécia pagou sobre sua dívida pública, mas sim o enorme volume de sua dívida pública, o que elevou sobremaneira o valor absoluto dos juros pagos.

Matemática básica: 50% de 10 euros são 5 euros, 1% de 1 bilhão de euros são 10 milhões de euros. Uma taxa de juros baixa não fará com que seus gastos totais com juros sejam baixos se você deve muito dinheiro.

Sendo assim, a responsabilidade pela situação financeira grega deve ser atribuída a quem gerou esse elevado volume de endividamento: os políticos gregos e todos aqueles que aplaudiam e que foram beneficiados pelas políticas de endividamento do governo (antes e depois da crise).

O fato é que o grosso da dívida pública grega foi emitido antes que a Grécia fosse socorrida pela Troika: 90% da dívida pública grega do ano de 2010 já havia sido emitida antes de 2010.

Nem sequer é possível culpar as políticas de suposta austeridade (“suposta” porque um governo sob austeridade genuína não pode aumentar impostos; é como dizer que um trabalhador que está praticando austeridade pode aumentar seu salário): mesmo que o governo grego tivesse sido capaz de manter o mesmo volume de receitas de 2007 (algo muito difícil em meio a uma forte recessão), o tamanho de sua dívida pública em 2011 em relação às suas receitas seria de 391% (comparado aos 403% que realmente foram, e aos 180% da Alemanha), e o peso dos juros em relação às receitas totais teria sido de 15,8% (em relação aos 17,1% que realmente foram, e aos 5,8% da Alemanha).

Portanto, é necessário honestidade: o governo da Grécia não quebrou por causa da Troika e o governo da Grécia não está financeiramente na lona por causa da Troika. O governo grego está quebrado como consequência das políticas ilustradas nos gráficos 4 e 5.

Enquanto a Alemanha estabilizou seu gasto real por habitante (isto é, descontando a inflação de preços) entre 1996 e 2007, a Grécia o aumentou em mais de 80%, e recorreu ao mero endividamento para financiar a maior parte dessa brutal expansão do seu gasto público. O governo chegou a um ponto em que simplesmente não mais consegue pagar nem mesmo as prestações dessa dívida.

A composição do gasto público grego

À luz dessa hipertrofia estatal, era óbvio que ao governo grego não restava outra solução senão cortar muito intensamente seus gastos caso quisesse sobreviver financeiramente. Mas será que mesmo isso foi feito?

O gráfico abaixo mostra a composição do gasto público grego. O gasto com educação, políticas sociais e saúde disparou de 24,6% do PIB em 2004 para 31,1% do PIB em 2012. Ou seja, não só os gastos do governo grego se concentram nos “gastos sociais”, como também esta foi a rubrica que mais aumentou em termos relativos desde 1996.

Gráfico 7: composição do gasto público da Grécia, 1996-2012 (Fonte: Eurostat)
Gráfico 7: composição do gasto público da Grécia, 1996-2012 (Fonte: Eurostat)

Sim, é verdade que, desde 2009, com as seguidas quedas do PIB, o fato de os gastos sociais terem subido em relação ao PIB não significa que eles aumentaram em termos absolutos, uma vez que o PIB vem se contraindo desde 2009. No entanto, o que isso realmente significa é que os gastos que menos foram reduzidos proporcionalmente foram justamente aqueles que mais cresceram até 2009: os gastos sociais.

Conclusão

A conclusão é fragorosa e deve servir de lição: sim, um país pode quebrar por gastar excessivamente com “políticas sociais”.

Não é questão de ideologia, mas sim de contabilidade.

Mais ainda: para evitar essa quebra, é imprescindível que ele tenha de cortar de maneira intensa todos os gastos voltados às políticas sociais.

No entanto, longe de ter aprendido a lição e de assumir a culpa pelo próprio desastre, o novo governo grego não apenas aponta o dedo para terceiros, como ainda promete voltar a aumentar maciçamente o gasto público (estão prometendo mais benefícios sociais, energia gratuita para 300 mil gregos, e mais moradias populares).

É óbvio, portanto, que não entenderam nada.

A questão é simples: quem não pode pagar indefinidamente, não pode gastar indefinidamente.

País nenhum.