Gastos governamentais sempre são ruins para a economia

23/11/2013 11:20 Atualizado: 23/11/2013 11:55

A atual e contínua crise econômica ressuscitou com novo vigor o infindável debate sobre se os gastos governamentais são uma ferramenta útil para fazer políticas contracíclicas. Em muitos países, a discussão foi totalmente politizada e está centrada exclusivamente no tamanho da dívida do governo, enfocando toda a carga de impostos que o pagamento dos juros dessa dívida representará para as gerações futuras, bem como a questão de se mais endividamento vai ajudar ou não a estimular a economia. Academicamente, o debate se divide entre escolas de pensamento keynesianas e livre-mercadistas, cada lado defendendo políticas bem diferentes daquelas que foram implantadas até agora.

A maioria dos economistas — exceto os austríacos, por motivos que serão discutidos abaixo — crê que uma redução nos gastos (tanto em investimento quanto em consumo) é o problema. Normalmente, eles sugerem estímulos fiscais ou monetários como solução. Ambas as soluções têm o objetivo de corrigir a chamada desigualdade de renda (frequentemente representada por uma queda no produto interno bruto real), seja por meio da criação de mais dinheiro para ser gasto, seja estimulando o gasto — por meio de uma redistribuição de renda — do dinheiro que já existe. O objetivo final de ambas as formas de estímulo não é o gasto em si, mas o emprego de recursos atualmente ociosos que tais gastos promoveriam.

O argumento em prol dos estímulos fiscais baseia-se em duas suposições: que o investimento privado entrou em declínio e que os efeitos dos estímulos monetários (redução de juros, criação de dinheiro) estão obstruídos por algum tipo de barreira. Para John Maynard Keynes, uma depressão resulta de uma queda nos investimentos, a qual é, por sua vez, causada por uma queda nos gastos em consumo (sendo esta queda causada por um aumento na poupança). Ele considerava esse fenômeno um dos principais defeitos naturais do sistema capitalista, o que o levou a defender a “socialização” dos investimentos.

Se os atuais economistas pró-intervencionismo aceitam esse argumento de Keynes em sua totalidade é algo irrelevante. Eles concordam com Keynes na medida em que enxergam os gastos governamentais como o mais eficaz método de recuperar a economia, a melhor maneira de levá-la novamente para o nível de criação de riqueza que vigorava antes da recessão.

Se uma economia saudável pudesse ser modelada por um simples diagrama de fluxo de gastos, em que o crescimento econômico fosse apenas uma função do nível de investimentos, então o debate realmente estaria acabado. Levando tal conceito ao extremo, essa premissa poderia servir de argumento para uma economia completamente socializada: afinal, o crescimento econômico seria apenas uma função de se investir em processos de produção.

Sabemos, entretanto, que a economia de mercado nem de longe é tão simples e ordeira quanto esse modelo sugere. O mercado é uma emaranhada rede de relações econômicas, é um processo caracterizado por várias forças coordenadoras e descoordenadoras. Vivemos em uma sociedade acossada pela escassez, e é esse processo de coordenação feito pelo mercado que irá auxiliar o indivíduo a decidir como alocar corretamente os recursos necessários para se obter os fins desejados. É por isso que o crescimento econômico, ou a criação de riqueza, não é apenas uma função do investimento. O vago termo “investimento” deve ser incorporado a este mundo de escassez, preferências e coordenação.

Quando os gastos governamentais são integrados a essa realidade mais ampla do processo de mercado, torna-se claro que a questão toda envolve variáveis muito além da simplista noção de gastos e produção. Tudo deixa de ser apenas uma questão que envolve uma relação direta entre investimento e criação de riqueza, e passa a ser sobre se o governo pode ou não participar de maneira eficaz no processo de coordenação do mercado.

Ao se analisar detalhadamente, surgem razões convincentes para se acreditar que os gastos governamentais são, na realidade, uma força descoordenadora, e que, consequentemente, tais gastos não podem representar uma política contracíclica eficaz. Com efeito, não se trata de uma questão de eficácia; trata-se, isto sim, de um comentário sobre as consequências nocivas de se “socializar o investimento”.

Escassez, preferência e coordenação

Tipicamente, os críticos dos gastos governamentais argumentam que, na melhor das hipóteses, esse tipo de gasto simplesmente substitui os gastos que teriam ocorrido no setor privado na ausência destes gastos governamentais — é como tirar dinheiro do seu bolso direito e colocá-lo no esquerdo. Na pior das hipóteses, dizem eles, os gastos governamentais geram o efeito colateral negativo de desestimular a produção por causa da maior tributação (no caso, a ameaça de uma maior tributação futura para financiar esse aumento de gastos do presente).

Estas críticas aos gastos governamentais são corretas e poderosas, porém, em última instância, elas são insuficientes para explicar o problema fundamental. Os gastos governamentais são, por natureza, inferiores aos gastos privados e não operam dentro da esfera das forças coordenadoras do mercado.

Uma das principais e exclusivas contribuições da Escola Austríaca para a ciência econômica foi o fornecimento de um arcabouço que aborda as questões econômicas precisamente do ângulo da escassez e da coordenação. Foi com essa visão que Ludwig von Mises originalmente contestou a viabilidade de uma economia socialista. Foi com essa mesma visão que ele e Friedrich Hayek, e mais tarde Murray Rothbard, construíram uma detalhada caracterização da arquitetura destas forças coordenadoras: isto é, como se dá o processo de precificação.

O termo “forças”, quando utilizado para descrever as tendências de coordenação ou descoordenação, é um tanto capcioso, pois pode dar a ideia de alguma forma de misticismo. Porém, os processos de mercado que coordenam a interação entre poupadores e investidores, consumidores e produtores, são extremamente reais.

Todas as forças macroeconômicas remetem a um “fundamento microeconômico” essencial: a economia de recursos escassos. Sabemos que o denominador comum de toda a atividade microeconômica é o fato de que o indivíduo age — que os indivíduos que participam da economia empregam determinados meios para se alcançar os fins desejados. Cada indivíduo possui a sua escala subjetiva de utilidades, de desejos, os quais estão listados em ordem de sua preferência; cada indivíduo irá empregas meios de produção escassos visando a atingir os fins escolhidos, tudo com base em suas preferências. Indivíduos agem assim para tentar remover uma “insatisfação”, um “desconforto”, ou seja, para tentar atingir uma situação mais preferível.

Logo, o contínuo processo de alocação de recursos que ocorre ao longo de toda a sociedade é simplesmente o agregado desse mesmo processo de cálculo que ocorre continuamente em termos individuais. Essas ações individuais se harmonizam em escala macroeconômica por meio do processo de precificação e da divisão do trabalho. Produtores são premiados ou punidos por meio de lucros e prejuízos, criando uma tendência para que o capital flua para aqueles que sabem como utilizá-lo da maneira mais eficaz (aqueles que melhor satisfazem os consumidores). Esta é a maneira como o mercado recompensa a “eficiência”.

As consequências dos gastos governamentais somente podem ser analisadas dentro de um contexto de coordenações de mercado. Se a socialização dos investimentos realmente for justificável, então os resultados desses investimentos têm de ser melhores do que os resultados que teriam ocorrido caso esses mesmos recursos tivessem sido economizados pelos indivíduos no mercado.

Em outras palavras, o método governamental de decidir sobre os investimentos a serem feitos teria ou de usufruir as mesmas características dos métodos utilizados pelo mercado, o que faria com que o governo fosse um melhor empreendedor, ou o método do governo teria de ser ele próprio superior ao método do mercado. Esta última hipótese pode ser imediatamente descartada tomando-se por base o fato de que sabemos que o único método de cálculo econômico é aquele feito por indivíduos, no mercado, por meio do processo de precificação de bens e serviços. Portanto, os investimentos do governo são necessariamente e inerentemente inferiores aos investimentos realizados no livre mercado.

Indivíduos economizam e alocam recursos baseando-se em suas próprias preferências, em seus próprios objetivos e nas preferências esperadas de terceiros, as quais são parcialmente refletidas pelo mecanismo de preços e também são frequentemente prognosticadas através de outros meios de informação. Mesmo os produtores daqueles bens de capital mais distantes do consumidor final derivam seus lucros da satisfação dos consumidores, uma vez que demanda por seus produtos é decidida pelos empreendedores que estão diretamente atendendo a estes consumidores.

A capacidade que um indivíduo tem de adquirir os meios necessários para a consecução de um determinado fim é influenciada pelas capacidades de outros indivíduos que estão competindo para obter estes mesmos meios. E desta forma, também, o mercado reforça a tendência de economizar os meios e alocá-los eficientemente para os mais importantes fins.

O governo não tem de lidar com estas mesmas restrições ou motivações quando gasta. Com efeito, se o governo fosse submetido às mesmas restrições e motivações do mercado, ele não poderia fornecer para a sociedade aquilo que o mercado não produz (para o bem ou para o mal).

Dado que o Estado, em teoria, não tem restrições de receita, ele pode efetivamente superar todos os seus concorrentes em potencial na aquisição por quaisquer recursos necessários para levar a cabo seu programa de gastos. Não há necessidade de economizar dinheiro, pois o Estado pode tomar emprestado, tributar e simplesmente criar mais dinheiro para financiar suas compras. No final, isso distorce toda a noção de escassez, pois o governo pode adquirir qualquer bem econômico a qualquer custo. O papel dos preços em auxiliar os indivíduos a tomarem suas decisões no que diz respeito a que meios utilizar para atingir determinados fins acaba sendo efetivamente anulado, pois, para o governo, os preços são variáveis econômicas praticamente irrelevantes.

Similarmente, a restrição imposta pelo sistema de lucros e prejuízos não é aplicável às operações do governo. Governos operam com o dinheiro de outros — a fonte de receitas do governo não é o lucro, mas a tributação —, o que significa que não há a necessidade de se operar lucrativamente. Ademais, os tipos de investimentos que o governo faz tendem a requerer grandes quantias iniciais, pois os custos tendem a ser elevados. Se os indivíduos no mercado investem com o intuito de alcançar os fins que consideram ser os mais altos em sua escala de valores, conclui-se que o governo tende a investir com o intuito de alcançar aqueles fins que são negligenciados pelos indivíduos (por serem menos econômicos).

As consequências dos gastos governamentais são mais bem entendidas quando se toma como pano de fundo as atividades de mercado. Vivemos sob o espectro da escassez — um corolário da ação humana e da fundamental escassez da mão-de-obra —, o que faz com que todos os bens econômicos, os quais são por definição escassos, sejam alocados no mercado por meio dos processos mencionados acima. Os gastos governamentais, sejam eles feitos diretamente ou por meio de subsídios, acabam por fazer uma redistribuição de recursos, retirando-os daqueles indivíduos que os teriam economizado e alocando-os para fins menos desejados. Assim, mesmo que um programa governamental acabe gerando algum lucro, o custo de oportunidade representado pela produção privada que poderia ter ocorrido, mas que não houve, representa uma perda líquida para a sociedade.

Recursos ociosos

Sabemos que, se os recursos estiverem sendo economizados e alocados de acordo com as preferências dos indivíduos no mercado, os gastos governamentais irão perturbar e desorganizar esse processo, fazendo com que os recursos sejam redistribuídos para a consecução de fins considerados menos importantes. Entretanto, pode parecer que esse argumento não ataca adequadamente a questão das políticas fiscais contracíclicas que normalmente são implantadas durante períodos de recessão, uma vez que é durante este período que, dizem, há um excesso de “recursos ociosos”.

Recursos ociosos são aqueles meios de produção que aparentemente não estão sendo utilizados — um exemplo óbvio é o da mão-de-obra desempregada. Já que estes meios de produção estão “ociosos”, que mal há em o governo empregá-los?

Há várias respostas plausíveis para essa questão. Vale mencionar que o governo sempre tende a exacerbar o grau em que tais recursos realmente estão “ociosos”; assim, é possível argumentar que o problema da ociosidade é em grande medida artificial. Entretanto, isso implicaria que ainda assim poderia haver algum grau de ociosidade no mercado, e que isso representaria algum tipo de problema. A resposta correta a essa questão é aquela que explica por que o suposto problema dos “recursos ociosos” na realidade não representa problema nenhum, pois os recursos não são deixados ociosos em vão.

Bens econômicos são constantemente economizados e alocados dentro da estrutura de meios-fins do indivíduo no mercado. Que determinados bens possam não ser aplicados para a consecução de um fim específico não significa que esses recursos agora estejam ociosos e sem valor; simplesmente sugere que esses recursos estão mais bem poupados para a consecução de outro fim. Se a atividade econômica é definida como a consecução de fins e a alocação de meios para estes fins, e dado que certos meios de produção são considerados em melhor situação quando não utilizados, que sentido faz utilizar forçosamente estes “recursos ociosos” por meio de gastos governamentais? A redistribuição de supostos “recursos ociosos” sofre o mesmo problema da redistribuição de “recursos não ociosos” — o custo de oportunidade da atividade de mercado que poderia ter ocorrido, mas que não houve, é maior do que qualquer benefício supostamente trazido pelo programa governamental realizado.

Pode-se sensatamente esperar um aumento na quantidade de “recursos ociosos” durante os períodos que vêm após fases de prolongada descoordenação intertemporal. Durante toda a fase da descoordenação intertemporal, a estrutura de produção vai crescendo ao redor dos distorcidos sinais de lucro criados pela expansão monetária. Os bens de capital desenvolvidos e produzidos durante esse período tendem a variar em especificidade, com alguns sendo muito indefinidos (como, por exemplo, a mão-de-obra de baixa habilidade), outros sendo altamente específicos (como, por exemplo, uma máquina criada para produzir apenas um único tipo de bem), e a maioria estando em algum ponto intermediário.

O necessário reajustamento da estrutura de produção que ocorre quando essas distorções são reveladas (naquilo que é chamado de recessão) irá necessariamente gerar um aumento no volume de recursos ociosos. Bens de capital de maior especificidade ficarão ociosos, pois nesta fase da economia eles inevitavelmente serão parcial ou totalmente inaproveitáveis em outras linhas de produção. Empreendedores individuais terão de planejar suas ações utilizando as sobras destes investimentos errôneos, e baseando-se nas preferências dos consumidores e nos seus próprios prognósticos em face da incerteza. Estes bens de capital “ociosos” não estão ociosos de maneira alguma; eles estão, isto sim, sendo poupados durante este período de reajustamento estrutural.

Durante este período de reajustamento, a redistribuição de riqueza por meio de gastos governamentais pode empregar estes recursos considerados ociosos. A estrutura de produção pode se ajustar ao redor das várias e novas linhas de produção ressuscitadas ou financiadas pelo governo. Entretanto, o formato dessa estrutura de produção será inferior àquela que teria se desenvolvido sem a interferência do governo. Logo, ainda assim haverá uma perda líquida para a economia.

Governo: a grande força desequilibradora

Os gastos governamentais não são uma maneira de se aprimorar a eficiência do mercado; tampouco são um método para se empregar recursos supostamente ociosos. O resultado dos gastos governamentais são as oportunidades perdidas, aquelas que poderiam ter ocorrido, mas que não puderam ser concretizadas. O custo é o ganho de riqueza que teria ocorrido caso estes recursos pudessem ter sido alocados pelo mercado menos o produto do gasto governamental. Pode-se facilmente concluir que a noção de que estímulos fiscais contracíclicos são positivos para a economia é altamente duvidosa, e que uma melhor alternativa seria permitir que os indivíduos atuando no livre mercado economizassem e alocassem os bens de acordo com sua escala de valores.

Esse argumento não pressupõe que os indivíduos atuando no livre mercado atinjam o “grau ótimo” de alocação, ou que o mercado seja absolutamente eficiente. Pode haver casos em que um indivíduo irá fazer um investimento errôneo, fazendo com que o capital investido seja consumido sem nenhuma produção de riqueza. Esses casos, entretanto, não chancelam os gastos governamentais. Em uma escala macroeconômica, existem tendências e forças, criadas pelos indivíduos que agem na sociedade, que recompensam aqueles que investem bem e punem aqueles que investem mal. Este tipo de tendência distribucional não afeta os gastos governamentais, pois o governo necessariamente opera fora do escopo das forças coordenativas do mercado — o Estado não está restringido a uma dada quantia de receitas; tampouco ele reage a lucros e prejuízos. Portanto, não há medidas corretivas que possam fazer com que os gastos do governo estejam de acordo com as preferências dos consumidores.

O governo, de fato, é uma enorme força desequilibradora que atua sobre o mercado. Ele forçosamente redistribui bens econômicos, retirando-os de um processo de economização e alocação racional para investi-los na consecução de fins menos importantes ou menos preferidos. Em outras palavras, ele distorce o contínuo processo de coordenação feito pelo livre mercado.

No geral, podemos concluir com segurança que os gastos governamentais causam mais danos do que benefícios; eles redistribuem os meios de produção, alocando-os para a consecução de fins considerados inferiores pelos próprios indivíduos que formam a mesma sociedade que o governo está supostamente tentando melhorar.

Jonathan Finegold Catalán mora em San Diego e estuda economia e ciência política

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil