Vários economistas de orientação pró-livre mercado defendem o corte de gastos do governo — majoritariamente na forma de redução de ministérios, de agências reguladoras e de outras formas de burocracia estatal — com a justificativa de que isso permitirá uma redução de impostos. Outros defendem esses mesmos cortes de gastos com a justificativa de que tais cortes irão liberar recursos e mão-de-obra para o setor privado, consequentemente tornando a economia mais produtiva.
Em comum, todos estes economistas dizem que estes tipos de emprego público não são produtivos. E então, empregos públicos são ou não são “empregos produtivos”?
Produtividade
Primeiramente, é preciso ressaltar que estes economistas não estão sugerindo que tais empregos são de baixa ‘produtividade’ no sentido econômico do termo, isto é, no sentido de produção por hora. Eles não estão dizendo que funcionários públicos são necessariamente preguiçosos. O que eles querem dizer é que empregos governamentais não fornecem bens de consumo ou serviços para a sociedade.
Imagine que um determinado país A envie um embaixador para o país B. Se fossemos mensurar a produtividade do embaixador em termos de sua produção por hora, o denominador dessa equação seria simplesmente o número total de horas que o burocrata trabalhou. Porém, pense na produção do embaixador. A rotina diária de um embaixador consiste basicamente em encontrar-se com diplomatas estrangeiros, fazer negociações, escrever relatórios e memorandos, e se envolver na supervisão de alguns projetos diplomáticos. A soma de todos esses encontros, relatórios e supervisão de projetos daria a medida da “produção” do embaixador. Um embaixador que completasse um maior número destas tarefas seria mais produtivo do que outro embaixador.
Isso nos dá uma ideia da “produtividade” do embaixador no sentido puramente economicista do jargão.
Empregos produtivos
A esta altura já deve estar óbvio que os economistas liberais, ao sugerirem que empregos governamentais não são produtivos, não estão exatamente preocupados com a produtividade econômica destes empregos. Afinal, num sentido puramente técnico, eles são tão “produtivos” quanto qualquer outro emprego.
Em vez disso, o que esses economistas estão dizendo — e nisso eles são acompanhados pela maioria dos economistas seguidores da Escola Austríaca de Economia — é que as tarefas realizadas por um embaixador (ou por qualquer outro funcionário público) não apresentam uma função de mercado. Tais serviços não seriam demandados por ninguém em uma economia de mercado.
Em sua essência, o governo cria do nada uma demanda para estes serviços: a existência de embaixadores é o que gera o trabalho realizado por embaixadores. Eles não levam seus serviços ao mercado para vendê-los a qualquer indivíduo que porventura queira voluntariamente comprá-los. Os governos nomeiam embaixadores para realizar serviços que nenhum consumidor quer comprar.
Compare estes serviços aos serviços realizados por um indivíduo para cujo trabalho há uma genuína demanda — por exemplo, um engenheiro mecânico. Engenheiros mecânicos são contratados por clientes que não sabem como atender de maneira mais eficiente as necessidades de seus consumidores porque não possuem a solução para um determinado problema mecânico — como, por exemplo, transportar grandes cargas do ponto A até o ponto B, aumentar a velocidade na qual o bem X é produzido etc.
O engenheiro mecânico desenvolve uma solução para estes problemas em troca da uma remuneração que irá corresponder à quantia de dinheiro que o cliente espera poupar ao adotar essa nova e mais eficiente solução.
O centro da questão
Dado que embaixadores são pagos com dinheiro coletado de impostos, ao passo que engenheiros mecânicos são pagos com o capital que foi acumulado por indivíduos e empresas, os empregos públicos criam a seguinte situação:
1. Governos contratam e começam a pagar embaixadores;
2. Governos tributam o público para pagar embaixadores;
3. O público, por conseguinte, tem sua poupança total reduzida, pois gastou parte dela pagando mais impostos;
4. Com a poupança reduzida, o público possui menos capital para investir em projetos de engenharia.
Assim, pagar funcionários públicos significa retirar recursos econômicos da produção de bens e serviços demandados pelo mercado e desviá-los para o financiamento de serviços para os quais não há nenhuma demanda de mercado.
É a isso que economistas se referem quando dizem que empregos públicos “não são produtivos”.
A alegação keynesiana e o teste decisivo
Economistas keynesianos argumentam que os salários pagos a funcionários públicos irão inevitavelmente terminar nas mãos do público em geral, pois os funcionários públicos utilizarão seus salários no mercado para adquirir bens de consumo e serviços. Embora haja um custo inicial no pagamento de impostos, a economia como um todo não irá sofrer nenhum impacto, pois o dinheiro irá retornar para a economia na forma de consumo incorrido por funcionários públicos.
Se não nos aprofundássemos mais neste exemplo, de fato não poderíamos dizer que a alegação keynesiana está errada. Mas a questão a ser analisada não é simplesmente se os funcionários públicos irão eventualmente gastar seu dinheiro em bens de consumo. Eles irão.
O teste decisivo é ver até que ponto um indivíduo acredita que o consumo dos funcionários públicos irá devolver o dinheiro à economia de forma tão uniforme e eficientemente distribuída quanto era antes dos impostos. Será que o dinheiro pago aos funcionários públicos simplesmente passa através da máquina estatal e retorna aos indivíduos de uma economia exatamente da maneira como estava distribuído antes? Ou será que a distribuição total do dinheiro é alterada quando o dinheiro é confiscado dos indivíduos produtores — que o utilizariam como investimento — e redistribuído a funcionários públicos que o utilizarão para consumo?
Gastos governamentais sob a perspectiva austríaca
No exemplo acima, os seguidores da Escola Austríaca diriam o seguinte:
• Como o governo contratou funcionários públicos, indivíduos que de outra forma estariam realizando outras atividades irão agora efetuar uma função extramercado, para a qual não há demanda.
• Como o governo paga os funcionários públicos com dinheiro que foi retirado de indivíduos do setor privado, recursos que estavam sendo utilizado na produção de um determinado tipo de bem ou serviço será agora redirecionado para a produção de serviços extramercados para os quais não há demanda.
Consequentemente, há uma alteração na distribuição de recursos na economia.
E o que ocorre quando os funcionários públicos gastam seu dinheiro consumindo bens e serviços? Novamente, voltando ao exemplo acima, os seguidores da Escola Austríaca diriam o seguinte:
• O dinheiro que alguns indivíduos tinham a intenção de gastar em projetos de engenharia mecânica foi transferido para funcionários públicos.
• Estes funcionários públicos, antes de incorrer em qualquer outra forma de consumo, irão adquirir alimentos, roupas, moradias, serviços de saúde e outras necessidades.
O consumo dos funcionários públicos não devolve o dinheiro para aqueles engenheiros mecânicos que seriam os recebedores originais do dinheiro que foi tributado. Ao contrário, esse dinheiro será desviado para produtores de alimentos, de roupas, imóveis, de serviços de saúde etc. Se o dinheiro, de alguma forma, acabar voltando para os engenheiros mecânicos, será apenas uma minúscula fatia dos gastos em consumo dos funcionários públicos. Ou seja, será apenas uma pequena fração da quantidade original que iria para suas mãos.
Os economistas seguidores da Escola Austríaca se referem a esse fenômeno como a não-neutralidade da moeda.
Gastos do governo destroem riqueza
Em um sentido macroeconômico, todos os gastos do governo — mesmo para aqueles projetos de investimento que o governo decide empreender — podem ser classificados como desperdício de riqueza. Em primeiro lugar, o simples fato de o setor privado não ter se interessado por esses projetos indica que eles são de baixa prioridade para os indivíduos.
Em segundo lugar, e ainda mais importante: as atividades do governo são financiadas por meio ou da tributação ou do endividamento (o qual, devido ao funcionamento peculiar do setor bancário, gera inflação monetária e consequente aumento de preços).
Sendo assim, o setor produtivo da economia é obrigado a ceder parte de sua riqueza — seja por meio de impostos, seja pelo aumento de preços, o que gera aumento de custos — para financiar serviços governamentais pouco desejáveis. Isso diminui seu bem-estar.
A implementação desses gastos e projetos pelo governo irá debilitar o bem-estar do setor produtivo porque eles serão financiados à custa de outros projetos de maior prioridade que teriam sido empreendidos pelo setor produtivo caso não houvesse ocorrido esse desvio de recursos para as obras governamentais.
Suponhamos que o governo decida construir uma pirâmide, e que a maioria das pessoas considere isso como sendo algo de baixa prioridade. Como o governo não é um produtor de riqueza, ele terá de financiar este projeto ou por meio de mais impostos ou por meio de mais endividamento (o qual, vale enfatizar, será pago no futuro por impostos). Isso representa um fardo para o setor produtivo da sociedade — aqueles indivíduos que produzem bens e serviços de acordo com as prioridades dos consumidores, e que são os reais geradores de riqueza da sociedade.
Quanto mais pirâmides o governo resolver construir, mais riqueza real será confiscada destes geradores de riqueza. Disso, podemos concluir que o nível de impostos — isto é, a riqueza real roubada do setor que gera riquezas, o setor privado — será diretamente determinado pelo tamanho das atividades do governo.
Se as atividades do governo pudessem gerar riqueza, elas seriam autofinanciadas e não iriam requerer confisco algum de recursos dos outros geradores de riqueza. E a questão dos impostos jamais surgiria. Mas dada a sua natureza, o governo não é capaz de fazer qualquer contribuição para o aumento da riqueza de um país. As atividades do governo consomem riqueza.
O dinheiro arrecadado e gasto pelo governo será transferido para os vários indivíduos que são direta e indiretamente empregados pelo governo. Esses empregados do governo poderão agora trocar esse dinheiro por vários bens e serviços. Isso significa que eles estarão consumindo riqueza real sem que tenham feito qualquer contribuição para a real formação de riqueza da economia.
Conclusão
O grau com que você concorda com a afirmação de que empregos públicos “não são produtivos” ou que “gastos do governo são ruins para a economia” irá fornecer um valioso discernimento sobre até que ponto você acredita na visão keynesiana a respeito do dinheiro na macroeconomia.
A perspectiva austríaca argumenta que todos os gastos e empregos públicos retiram recursos do setor produtivo e os desviam para a produção de bens e serviços que jamais existiriam sob condições de livre mercado ou que existiriam em quantidade e volume muito menores.
Neste sentido, gastos e empregos públicos não são produtivos.
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Leia também:
Como as obras públicas subtraem riqueza da população
Setor público mais produtivo do que o setor privado?
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Roy Cordato é vice-presidente para pesquisas e acadêmico residente da John Locke Foundation. É também pesquisador adjunto do Mises Institute
Tradução de Leandro Roque
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil