Quer me empobrecer? Dê-me uma Ferrari. Sério. Só não me deixe vendê-la ou trocá-la. As despesas com impostos, seguro, revisão, peças e manutenção generalizada seriam tão altas que limpariam minha conta bancária.
Propriedade é responsabilidade. Temos a ideia de que receber equivale a enriquecer. Mas dar um passivo não é a mesma coisa que dar um ativo. E muitas vezes o passivo se passa por ativo.
Quando Gana se tornou o primeiro país africano a ganhar sua independência do Reino Unido em 1957, “toda a nação parecia compartilhar de um entusiasmo quanto ao desenvolvimento econômico”, conta William Easterly em O Espetáculo do Crescimento. Como economista do Banco Mundial, Easterly morou em Gana no final dos anos 1960, depois que o governo havia criado o maior lago artificial do mundo para alimentar a represa Akosombo, construída com dinheiro dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido. Essa hidrelétrica iria prover energia suficiente para movimentar toda uma indústria de alumínio. Como explica Easterly:
“A nova fundição de alumínio iria processar óxido de alumínio vindo de uma nova refinaria que, por sua vez, iria processar bauxita de novas minas. Ferrovias e uma nova fábrica de soda cáustica iriam completar um dinâmico complexo industrial.”
Sabe quantas vezes você bebeu de latas metálicas produzidas em Gana sem nem se dar conta? A não ser que você ande bebendo de latas de ouro, nunca. Quinze anos mais tarde, em 1982, “não existe mina de bauxita nem refinaria de alumínio, nem fábrica de soda cáustica nem ferrovias”, notava o economista ganense Agyei Frempong,
“As pessoas que moram perto do lago, incluindo as 80 mil que tiveram suas velhas casas inundadas, sofriam de doenças transmitidas pela água, como a cegueira do rio, ancilostomíase, malária e esquistossomose.”
Os economistas chamam de fundamentalismo do capital acreditar que basta um país montar um parque industrial e construir infraestrutura para que a economia cresça e floresça.
Crescimento econômico depende da acumulação de capital, é verdade, mas adicionar aviões sem aumentar o número de pilotos não aumenta o poder de uma força aérea. Pode até enfraquecê-la se, para evitar a depreciação das aeronaves, aumentam-se os gastos com manutenção.
Não-economistas podem ser acusados de uma crença parecida, o fundamentalismo do investimento: se a gente jogar dinheiro num problema, o problema desaparece. Quantas vezes você mesmo não pensou dessa maneira? “As pessoas não têm acesso a atendimento médico, aumente o investimento em saúde.” “Os alunos não estão aprendendo a ler e a escrever, tem que aumentar o investimento em educação.”
Os investimentos não são iguais. Uma das tragédias do século XX foi a quantidade de ajuda externa despejada na África subsaariana enquanto a região ficava mais e mais pobre. Assim como as notas em testes padronizados nos Estados Unidos não melhoraram apesar do aumento contínuo de investimento público em educação.
Um dos problemas é combinar com propriedade os investimentos. Uma escola com apenas uma sala de aula não será capaz de ensinar mais e melhor contratando uma dúzia de professores. Assim como uma escola com apenas um professor não fará muito progresso construindo uma dúzia de salas de aula.
Mas escolas não têm apenas salas e professores, e nem salas e professores são iguais. Melhoras na educação dependem de uma combinação fantástica de fatores existentes e a serem criados, que vão do papel (ou dos pixels) do livro texto à localização geográfica e ideológica da escola. Não é qualquer investimento que gera crescimento. Você não dobra o tamanho de um bolo dobrando a quantidade de apenas um ingrediente.
Diferente de receitas culinárias, o grande bolo da civilização humana não vem com uma lista de ingredientes e medidas prontas a serem copiadas. Cabe ao empreendedor a missão de analisar a demanda para ver quais combinações de investimentos e em que dosagem as pessoas precisam. Vários desses investimentos irão fracassar, alguns irão suceder. É desse processo competitivo de tentativas e erros que aprendemos como transformar capital em educação, saúde, moradia, lazer etc.
Propostas mais próximas do capitalismo para os pobres preferem subsidiar a demanda e deixar a oferta nas mãos dos empreendedores. O dinheiro gasto com contratação e salário de professores, com construção e manutenção de escolas, seria mais bem aplicado se fosse transferido diretamente para alunos pobres. Suas famílias teriam assim o poder de consumo para escolher qual escola oferece a melhor educação. E as escolas passariam a competir para melhor investir nesses alunos.
O fundamentalismo do investimento ainda é capaz de gerar um efeito culatra. Empresas pagam empregados de acordo com seu desempenho a fim de castigar a ineficiência e aumentar a produtividade dos seus funcionários. Governos que financiam agências e escolas de acordo com sua necessidade estão castigando o desenvolvimento das capacidades e recompensando a multiplicação de necessidades. Quanto pior for o desempenho das escolas, maior será sua necessidade e, portanto, mais acesso ela terá a verbas públicas.
Depois que as ambições industriais de Gana deram errado, o país passou a receber mais ajuda externa, não menos. Nos anos 1970, os ganeses estavam passando fome.
Diogo Costa é presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC. Seu blogue é Capitalismo Para Os Pobres
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil