“Funcionários nus” na China, não tão nus assim

17/06/2014 14:07 Atualizado: 17/06/2014 14:07

Mais de mil funcionários comunistas chineses na próspera província de Guangdong, no Sul do país, tiveram de fazer uma escolha difícil recentemente: ser rebaixado ou trazer suas famílias de volta do exterior para a China. Quase 90% escolheu ser rebaixado.

A história foi reportada na mídia estatal chinesa recentemente, enquanto a liderança do regime continua sua campanha anticorrupção no Partido Comunista Chinês.

Os “funcionários nus” – como são chamados os funcionários que enviam suas famílias e milhões em ganhos ilícitos para o estrangeiro, enquanto permanecem sozinhos na China esperando uma ocasião oportuna para se mandar – têm sido por alguns anos um poderoso símbolo de um governo desprovido de legitimidade, cujos próprios funcionários optam por enviar suas famílias e bens para o exterior.

As reportagens de Guangdong seriam a primeira vez que a mídia estatal forneceu dados locais concretos sobre o fenômeno. Mas a nova revelação não significa que o problema será revolvido.

Com três opções oferecidas pelo governo de Guangdong – trazer de volta os familiares do exterior, ser transferido para outra posição (muitas vezes um rebaixamento) ou se aposentar mais cedo – 866 dos cerca de mil ‘funcionários nus’ escolheram ser transferidos. Os demais escolheram trazer suas famílias de volta para a China, segundo o jornal estatal Beijing News. O Beijing News não especificou o número exato de funcionários, mas disse que totalizavam cerca de mil.

Ter familiares no exterior cria para as autoridades chinesas uma maneira conveniente de transferir dinheiro para fora da China e significa que eles podem escapar rapidamente do país se detectarem eventuais dificuldades políticas, como uma investigação anticorrupção ou expurgo político. Uma vez que estejam nos Estados Unidos ou Canadá (dois destinos comuns desses funcionários), eles podem começar os procedimentos para imigração de investimento ou familiar.

“‘Funcionários nus’ se tornaram o ‘corpo de reserva’ para funcionários corruptos que querem fugir”, disse Li Chengyan, diretor do ‘Centro de Pesquisa para um Governo Limpo’ da Universidade de Pequim, em entrevista ao Beijing News.

Até 2011, a China teve pelo menos 4 mil funcionários corruptos que fugiram da China, segundo um relatório da Academia Chinesa de Ciências Sociais, um dos principais institutos oficiais de pesquisa da China. Eles levaram consigo mais de US$ 50 bilhões, cerca de US$ 16 milhões cada em média, segundo o Comitê Central de Inspeção Disciplinar, o órgão anticorrupção do Partido Comunista Chinês (PCC).

O crescimento desenfreado do fenômeno provavelmente está por trás da repressão da liderança atual. O “Manual do Estado de Direito” de 2014, publicado recentemente pela Academia Chinesa de Ciências Sociais, diz que o fortalecimento do controle sobre os ‘funcionários nus’ é um eixo central dos esforços anticorrupção.

A própria existência dessa classe de funcionários mostra uma perda de confiança no Partido Comunista Chinês e em suas perspectivas, dizem especialistas. “Esses membros da elite não têm fé no futuro do Partido Comunista em longo prazo”, disse Willy Lam, um analista sênior do cenário político chinês e professor da Universidade Chinesa de Hong Kong, em entrevista à Associated Press.

“Então, junto com o dinheiro”, disse Lam, “eles também levam consigo segredos de Estado ou direitos de propriedade intelectual sobre alta tecnologia e assim por diante.”

O professor Frank Xie Tian, da escola de negócios da Universidade da Carolina do Sul, observou que: “O próprio comportamento dos ‘funcionários nus’ já é um voto de falta de confiança no sistema do Partido Comunista. Eles preparam uma rota de fuga como garantia.”

Embora a repressão atual de funcionários corruptos tenha algum impacto no curto prazo, analistas dizem que a natureza de como o poder é exercido na China significa que os problemas que dão origem a funcionários corruptos não desaparecerão tão cedo.

“A corrupção na China é muito grave”, disse Xu Lin, um escritor de Guangzhou, que observa atentamente os desdobramentos no sistema político chinês. “Como um Estado autoritário, a China não tem maneira melhor de parar a corrupção oficial do que tentar restringir os ‘funcionários nus’.”

“Países democráticos não fazem isso porque eles têm um sistema eleitoral, vários partidos políticos, uma mídia independente, separação dos poderes e assim por diante, uma série de mecanismos para evitar a corrupção no governo.”

Além da inspeção de seus funcionários, o Partido Comunista também começou programas-piloto em algumas áreas para tornar público os ativos possuídos por funcionários.

A província de Guangdong iniciou um programa piloto desse tipo em maio, que envolve selecionar aleatoriamente funcionários recém-promovidos e verificar seus rendimentos, propriedades, status de imigração dos familiares e planos de carreira.

Fala-se também de criar uma lista de posições sensíveis que ‘funcionários nus’ não teriam acesso.