Funcionário chinês eliminado trabalhou para criar alianças pró-comunistas

04/01/2015 17:06 Atualizado: 04/01/2015 17:06

Há uma piada política na China que diz assim: Após a prisão de Zhou Yongkang (o ex-chefe da segurança pública), o departamento anticorrupção pergunta a Xi Jinping (o líder chinês): “Quem devemos derrubar em seguida?” Xi responde: “Hmm, vocês devem traçar um plano.” E assim eles prenderam Ling Jihua (‘jihua’ significa plano ou planejamento, em chinês).

A piada explica, pelo menos, que não há consenso sobre o porquê de Xi Jinping ter prendido recentemente Ling Jihua, um dos principais assessores do líder chinês antecedente Hu Jintao. Há pouca dúvida de que sua família tinha enormes interesses – o que, no contexto chinês, significa corrupção maciça – na província de Shanxi rica em carvão, e, finalmente, que ele era um aliado de Hu Jintao e não de Xi Jinping. Mas nem todas as famílias corruptas sofrem a ira do Partido Comunista, de modo que o movimento foi uma surpresa para muitos observadores da política chinesa.

Porém, pelo menos uma coisa é certa: Isso não poderia ter ocorrido com um cara tão legal. Pouquíssimos derramarão uma única lágrima pelo expurgo de Ling Jihua depois de conhecer a organização que ele administrava até recentemente, o Departamento de Trabalho da Frente Unida.

‘Três Tesouros’

Esta agência de nome estranho tem sido uma parte essencial do modus operandi do Partido Comunista Chinês (PCC) desde os dias da guerra civil com o Partido Nacionalista, que o PCC ganhou em 1949 e assim tomou o poder na China. A Frente Unida era chamada na época de um dos “Três Tesouros” do PCC (os outros dois eram o líder do PCC e a “linha das massas”, o que significa ostensivamente conhecer as necessidades das “massas”.)

Não há equivalente ocidental para a Frente Unida, tanto conceitual quanto institucionalmente. Como uma burocracia, ela não é parte do governo, mas um órgão político do PCC que reporta diretamente ao Comitê Central do PCC. E é sempre chefiado por um oficial sênior do PCC.

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Suas técnicas incluem propaganda, agitação, guerra psicológica, política de alianças, isolamento de inimigos e luta política em geral para promover os interesses do regime. Seu âmbito de atuação é tanto nacional como internacional.

Fora da China, as atividades da Frente Unida são amplas e impressionantes em seu escopo. Em Taiwan, ela tenta influenciar o resultado das eleições por meio da cooptação de políticos e da criação de alianças com o Partido Nacionalista, que atualmente governa o país.

Em Hong Kong, agentes-membros da Frente Unida se vestem como praticantes do Falun Gong – uma prática espiritual que é perseguida na China – e distribuem propaganda anti-Falun Gong; um movimento destinado a prejudicar a reputação do “grupo inimigo”.

Uma das explicações mais básicas do pensamento da Frente Unida está contido no título de um dos livros mais completos sobre o assunto, “Inimigos e amigos” (“Enemies and Friends”), por Lyman Van Slyke. A Frente Unida procura construir coalizões que estão alinhadas com os interesses do Partido Comunista, e isolar e atacar os que são considerados inimigos.

A ‘Organização Mundial para Investigar a Perseguição ao Falun Gong’ (WOIPFG) tem feito pesquisas prodigiosas para documentar essas atividades. A Frente Unida realiza eventos de treinamento e acampamentos de verão para os líderes de comunidades chinesas no exterior; estabelece ou se infiltra em “associações de amizade”; ganha o controle ou influência sobre as celebrações chinesas no exterior; insere e censura artigos na mídia chinesa no exterior; influencia escolas de língua chinesa no exterior; e muito mais.

Infiltração e subversão

Uma tática típica da Frente Unida ocorreu em 2001 contra o Falun Gong, quando embaixadas e consulados chineses instruíram secretamente 50 organizações chinesas no Canadá para escreverem uma carta ao primeiro-ministro apelando ao governo que restringisse as atividades da comunidade local de praticantes do Falun Gong. As autoridades ocidentais, não familiarizadas com a natureza subversiva e manipuladora da tática, podem ter tido a impressão de que a comunidade chinesa no exterior realmente se opunha ao grupo espiritual pacífico do Falun Gong.

Wang Zhiyuan, um porta-voz da WOIPFG, disse à New Tang Dynasty Television (NTDTV): “Depois que Ling Jihua assumiu o cargo, a perseguição aos praticantes do Falun Gong no exterior de fato aumentou; e tem havido muito mais casos.”

O livro “Ninho de Espiões” (“Nest of Spies”), escrito por Michel Juneau-Katsuya e Fabrice de Pierrebourg, dois pesquisadores da inteligência canadense, afirma que o Departamento de Trabalho da Frente Unida “gerencia importantes dossiês relacionados a países estrangeiros. Estes incluem propaganda, o controle de estudantes chineses no exterior, o recrutamento de agentes entre a diáspora chinesa (e entre estrangeiros simpatizantes), e operações clandestinas de longo prazo.”

O Departamento também desempenha um papel de apoio para organizações como a ‘China Association for International Friendly Contact’, uma parte do aparato da inteligência militar do regime chinês que busca ampliar sua rede para acessar oficiais militares aposentados dos EUA.

Na China, a Frente Unida também tem um trabalho importante a fazer: ela é responsável pela interface com os chamados oito partidos democráticos que fazem parte da Conferência Consultiva Política Popular, um órgão simbólico do Partido Comunista que serviria para demonstrar a legitimidade popular do regime. A Frente Unida também teria um papel na gestão das minorias étnicas.

Esta combinação resulta numa cena circense a cada ano em Pequim durante os conclaves políticos do Partido Comunista, quando os representantes de grupos minoritários da China, nomeados a dedo pelo regime, chegam vestidos com esmero em regalia étnica, uma demonstração ostensiva da suposta inclusividade do Partido – enquanto tibetanos e uigures em suas províncias nativas reclamam da severa repressão contra seus costumes étnicos e religiosos.