A função social e moral dos lucros

15/01/2014 16:47 Atualizado: 15/01/2014 16:47

Lucros são cruciais para um sistema capitalista. A existência de lucros informa se uma determinada empresa está utilizando seus fatores de produção de forma efetiva e eficaz.

Frequentemente vemos e ouvimos pessoas afirmarem que a obtenção de lucros é evidência da ganância e da cobiça do ser humano, e que isso é algo moralmente condenável. Deixando as questões puramente econômicas de lado, a realidade é que a obtenção de lucros não pode, por si só, ser classificada de ganância. O fato de uma determinada empresa ser lucrativa, por si só, não nos diz nada de moralmente relevante. Afinal, lucro é simplesmente o nome que a contabilidade atribui a uma situação em que a receita é maior que os custos.

Em outras palavras, uma empresa que aufere lucros está simplesmente vivenciando uma situação em que o dinheiro que entra em seu caixa é maior do que o dinheiro que ela gasta para cobrir todos os seus custos, principalmente com materiais, imóveis, mão-de-obra e impostos.

O contrário de lucro é prejuízo. Uma empresa que esteja perdendo dinheiro — isto é, gastando mais do que recebe — não pode sobreviver por muito tempo. E sua falência significará o desemprego de várias pessoas. Portanto, sob circunstâncias normais, lucros não apenas são uma condição necessária para o sucesso e a continuidade de um empreendimento, como também são moralmente justos, pois garantem a renda e o emprego de várias pessoas.

No entanto, há sim distorções neste arranjo, e tais distorções sempre são criadas pelo governo. Por exemplo, o governo pode conceder privilégios a determinadas empresas, seja por meio de subsídios, seja por meio de protecionismo, seja por meio de agências reguladoras que fecham o mercado e protegem as empresas da concorrência externa. Em todos estes casos, um empreendimento está sendo privilegiado à custa dos consumidores e pagadores de impostos, e seus lucros não são moralmente defensáveis.

Porém, algo deve ser enfatizado: este arranjo protecionista e mercantilista só pode existir e se manter se outras empresas não protegidas pelo governo estiverem apresentando lucros. Em outras palavras, o governo só pode socorrer e ajudar empresas ineficientes — empresas que não apresentariam lucros em situação de concorrência de livre mercado — se outras empresas da economia estiverem auferindo lucros, os quais serão tributados e utilizados para financiar tanto o aparato regulatório quanto os subsídios para as empresas ineficientes.

Portanto, a sustentação de arranjos protecionistas — algo bastante caro àquelas pessoas contrárias ao livre mercado — depende inteiramente da existência de lucros capitalistas em outros setores da economia.

É óbvio que, quanto mais intenso e volumoso for este arranjo protecionista, mais inquietações ele gerará entre os genuínos empreendedores. Quanto mais privilégios o governo conceder a pessoas e empresas não-lucrativas, mais as pessoas e empresas lucrativas e eficientes começarão a questionar por que afinal estão trabalhando tanto. Simplesmente não é justo trabalhar duro e ver seus proventos serem confiscados para sustentar incapazes.

Uma empresa não ser lucrativa é sinal de que algo está errado com ela: talvez seus métodos de produção sejam ineficientes, ou suas despesas gerais estejam excessivamente altas, ou seus produtos precisam passar por uma renovação, ou quaisquer outras inúmeras deficiências. Um apoio estatal a esta empresa irá simplesmente suprimir todo e qualquer incentivo para se aprimorar, postergando reformas necessárias para colocar a empresa novamente no caminho da sanidade econômica.

A história é repleta de exemplos de empresas ineficientes e problemáticas que foram socorridas pelo governo. Atualmente, várias grandes empresas são protegidas e privilegiadas pelo governo. Isso representa um triplo golpe contra o público consumidor: ele se torna privado dos benefícios que uma empresa mais eficiente, operando sob livre concorrência, traria para o mercado; ele é obrigado a abrir mão de parte de seu dinheiro, via impostos, para ajudar compulsoriamente as finanças destas empresas ineficientes; e, ainda pior, ele é obrigado a pagar mais caro por produtos de pior qualidade. Afinal, não fosse o protecionismo, os subsídios e a cartelização do mercado implementados pelo governo, haveria mais opções de produtos, tanto importados quanto produzidos no mercado interno pela livre concorrência.

Já num livre mercado, não obstruído por privilégios e protecionismos estatais, empresas lucrativas são aquelas que descobriram uma maneira de criar e de fornecer produtos e serviços a preços altos o suficiente para cobrir seus custos, mas baixos o suficiente para fazer com que os consumidores os considerem atraentes. Uma empresa lucrativa, em outras palavras, é aquela que prospera criando e entregando bens de valor.

Neste arranjo, lucros e prejuízos são ferramentas que possibilitam entender a saúde de uma empresa. Lucros indicam que os recursos estão sendo utilizados sabiamente por uma empresa; prejuízos sugerem que eles estão sendo alocados de forma ineficaz. Embora lucros e prejuízos não sejam o elemento essencial de uma empresa, eles são indicadores cruciais de quão efetivamente as necessidades e desejos dos consumidores estão sendo atendidos.

Dado que vivemos num mundo de escassez — o que significa que nada existe em abundância —, os desejos humanos sempre serão maiores do que a oferta de recursos necessários para se atender a todos estes desejos. Isso significa que é extremamente necessário haver na sociedade algo que direcione racionalmente a alocação destes recursos escassos. Algo ou alguém tem de informar se a água será utilizada majoritariamente para ser bebida ou para irrigar lavouras, e se o minério de ferro será utilizado para se fabricar automóveis ou para se produzir tratores. O mesmo raciocínio se aplica a todos os recursos sociais. Mesmo o tempo, que também é um recurso escasso, requer alguma ferramenta que estimule sua alocação sensata.

Uma solução já tentada para esse problema da alocação de recursos escassos foi a de controlar centralizadamente todas as decisões tomadas no mercado, bem como todos os recursos existentes no mercado. Esta é exatamente a estratégia defendida pelo socialismo em suas variadas formas. Como a humanidade aprendeu amargamente, um dos problemas com essa estratégia de alocação de recursos é que ela concentra enormes poderes em poucas mãos. Poder excessivo tende a estimular coisas sórdidas na natureza humana.

Mas há outro problema com essa estratégia: o problema do conhecimento. Mesmo que a elite política que eventualmente estivesse no controle da economia fosse moralmente perfeita, ela ainda assim seria incapaz de coletar todas as informações necessárias para alocar de maneira eficaz e racional todos os recursos humanos e materiais. Adicionalmente, há também o problema da impossibilidade do cálculo econômico numa economia em que os bens de capital não são propriedade privada. Se os meios de produção pertencem exclusivamente ao Estado, não há um genuíno mercado entre eles. Se não há um mercado entre eles, é impossível haver a formação de preços legítimos. Se não há preços, é impossível fazer qualquer cálculo de preços. E sem esse cálculo de preços, é impossível haver qualquer racionalidade econômica — o que significa que uma economia planejada é, paradoxalmente, impossível de ser planejada.

Estes três problemas obstruíram e reverteram todas as economias centralmente planejadas da história.

Felizmente, há uma estratégia alternativa para a alocação de recursos escassos: a rede de preços que emerge naturalmente quando compradores e vendedores efetuam trocas voluntárias no mercado. Neste arranjo, as leis da economia entram em cena. Uma redução de preço para um determinado bem sinaliza uma relativa abundância; pessoas podem comprar mais daquele bem. Já um aumento de preço sinaliza uma relativa escassez, obrigando as pessoas a pouparem mais caso queiram adquirir aquele bem.

Por meio deste sistema, em que os preços dos bens e serviços estão constantemente em fluxo, os consumidores podem equilibrar suas necessidades em relação à disponibilidade dos vários bens e podem saber a qualquer momento qual a quantidade de cada bem que eles podem comprar e utilizar. Já os produtores, por sua vez, podem saber em qual quantidade um bem deve ser produzido e vendido. Os preços nos ajudam a determinar se um bem ou serviço está sendo desperdiçado — e, por isso, não deveria estar sendo produzido —, ou se ele é amplamente desejado — e, por isso, deveria ter sua produção aumentada.

Por exemplo, quando empreendedores descobriram como prospectar, armazenar, refinar e utilizar petróleo, o produto se tornou mais barato do que o óleo de baleia. Consequentemente, a participação do óleo de baleia no mercado desabou e, com isso, houve menos pressão para se matar baleias em busca de sua gordura.

O lucro também pode ser entendido como um tipo de preço que emite sinais. Auferir lucro indica que uma empresa está realizando suas tarefas de uma maneira que um determinado segmento do público consumidor aprova — não apenas conceitualmente, como em opiniões coletadas por uma pesquisa, mas principalmente por meio da decisão voluntária de abrir mão de seu suado dinheiro em troca dos bens e serviços fornecidos por esta empresa. Já os prejuízos informam aos empreendedores, proprietários e administradores que eles têm de realizar ajustes em seu processo produtivo. Caso contrário, será melhor se dedicar a outros objetivos, desta forma fazendo com que recursos sociais não sejam desperdiçados.

Desta forma, os sinais emitidos pelos lucros e prejuízos atendem a uma insubstituível função econômica. A lucratividade serve como uma força motivadora, mas também — e ainda mais importante — sinalizam um trabalho bem-feito.

Por último, um adendo moral: as obrigações sociais das empresas não se resumem a fornecer bens e serviços de maneira lucrativa. As empresas têm também de atuar honestamente, honrando seus contratos, servindo aos consumidores com ética e estando sempre atentas às dimensões morais do processo empreendedor. O sistema de preços não assegura magicamente um comportamento moral. Para dar um exemplo doloroso mas bastante realista, o sistema de preços numa sociedade depravada pode sinalizar que o mais valioso uso de mulheres jovens oriundas de famílias pobres é transformá-las em prostitutas. A confusão surge quando as pessoas veem tais perversidades e erroneamente concluem que abolir o livre mercado irá magicamente resolver esse problema de alguma forma.

Uma pequena reflexão já basta para revelar o erro desta lógica. Adotar uma economia controlada e planejada não revoga a lascívia e o egoísmo do coração humano. Esses vícios, ao contrário, irão prosperar e se tornar ainda mais intensos. A diferença é que agora eles serão alimentados e protegidos por algum braço armado do Estado — com o problema adicional de que as famílias mais pobres terão agora ainda menos alternativas econômicas, pois a economia controlada retirou de seu alcance vários empreendimentos moralmente preferíveis.

Embora o sistema de preços numa economia livre não forneça uma fundação moral para a sociedade, e embora ele também não remova automaticamente as oportunidades para ganhos imorais, ele facilmente supera todas as formas de socialismo no que diz respeito a fornecer opções morais e socialmente beneficentes para se escapar da pobreza.

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Robert Sirico é fundador e presidente do Acton Institute. Padre e mestre em teologia, ele também é membro da Mont Pèlerin Society, da Academia Americana de Religião e da Philadelphia Society, além de ser conselheiro do Instituto Cívico de Praga

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil