Novas revelações de um grupo internacional de jornalistas mostram que membros da elite comunista chinesa usaram paraísos fiscais para esconder bilhões de dólares na última década.
Uma série de artigos publicados pelo ‘Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos’ (ICIJ), sediado em Washington DC, demonstra como funcionários do Partido Comunista Chinês e seus familiares usaram países como as Ilhas Virgens Britânicas e as Ilhas Cook para criar empresas de fachada nas quais guardam secretamente ativos e dinheiro.
O ICIJ disse que as reportagens se baseiam num enorme conjunto de dados que eles receberam – 260 gigabytes, ou 160 vezes a quantidade de vazamentos do WikiLeaks – num disco rígido enviado anonimamente em 2012. Após laboriosamente filtrarem e processarem os dados, o ICIJ publicou sua primeira série de artigos no início de 2013.
Eles retiveram a parcela sobre a China até agora e dizem que cerca de 22 mil clientes chineses de empresas que negociam em estruturas offshore foram identificados nos arquivos agora em discussão. Mais os nomes chineses serão publicados numa base de dados em 23 de janeiro, disse o ICIJ.
Nem todos os usos de tais empresas offshore são ilegais e, em muitos casos, os advogados das empresas aconselham os clientes a utilizarem estruturas offshore para fazer negócios na China e em Hong Kong. A impressão obtida com a preponderância de evidências discutidas pelo ICIJ, no entanto, é que a elite chinesa – a “nobreza vermelha” – tem escondido bilhões de dólares em riqueza ilícita no estrangeiro.
Os infratores identificados pelo ICIJ incluem, mais notavelmente, familiares do líder chinês Xi Jinping, do ex-primeiro-ministro Wen Jiabao e do ex-líder Hu Jintao, bem como uma série de outras famílias com profundo histórico militar ou no Partido Comunista.
Há também ausências marcantes no “Quem é Quem” dos vazamentos compilados pelo ICIJ. Nenhum familiar do antecessor de Hu Jintao, o ex-líder chinês Jiang Zemin, e dos asseclas deste – como Zhou Yongkang, o ex-chefe da segurança interna atualmente enrascado, e Zeng Qinghong, um político aposentado mas influente – está envolvido nas revelações. Esta facção tem estado envolvida numa intensa luta pelo poder nos bastidores do Partido Comunista contra Xi Jinping, Wen Jiabao e Hu Jintao.
As famílias de Jiang Zemin, Zhou Yongkang e Zeng Qinghong têm controlado as indústrias mais rentáveis da China, incluindo as de petróleo e comunicação, por mais de uma década, e teriam feito fortunas gigantes para si roubando dessas indústrias.
Histórias da fuga de riquezas dos filhos de Jiang Zemin e Zeng Qinghong são lendárias na China. Por exemplo, Zeng Wei, filho de Zeng Qinghong, uma vez comprou uma casa de quase US$ 30 milhões numa área exclusiva de Sydney, Austrália, e tentou derrubá-la para construir a sua própria com uma cachoeira.
Não há como verificar a riqueza detida por essas famílias, mas os testemunhos e histórias que têm circulado por anos acerca de suas atividades indicariam que eles são muito mais ricos do que o exposto nestes vazamentos recentes.
O ICIJ disse que os dados que usaram costumavam se referir quase exclusivamente à Portcullis TrustNet, situada da Cingapura, e ao Commonwealth Trust Ltd., situado nas Ilhas Virgens Britânicas, e não envolveriam todas as transações estrangeiras da elite chinesa.
Wen Zhao, um especialista sobre o Partido Comunista Chinês (PCC) e comentarista regular num segmento do programa Decoding Mainland News da emissora NTDTV, disse em entrevista por Skype que era possível que os arquivos obtidos pelo ICIJ fizessem parte do pacote que teria vazado para a mídia ocidental durante a guerra política que caracterizou a China em 2012, antes do atual líder Xi Jinping assumir a liderança do PCC em novembro.
“Já é um segredo aberto”, disse Wen. “Todos sabem que as autoridades comunistas de alto escalão estão movendo seus ativos para o estrangeiro.”
Naquele ano, tanto a Bloomberg News como o New York Times publicaram denúncias que resultaram em manchetes de destaque sobre a riqueza que teria sido acumulada pelas famílias de Xi Jinping e Wen Jiabao, respectivamente. Os jornalistas e as organizações alegaram que suas informações eram todas provenientes de fontes públicas (embora eles se recusem a mostrar qualquer dos registros públicos usados) e negam as alegações de que os documentos foram vazados para eles.
O chefe do ICIJ, Gerard Ryle, parece uma escolha incomum para promover a batalha entre facções políticas chinesas. Antes de ingressar no ICIJ em Washington DC, ele construiu uma carreira fazendo reportagens investigativas na Austrália, onde foi vice-editor do The Canberra Times.
Em seu website, o ICIJ não parece especular sobre quem teria lhes enviado os arquivos. Embora eles indiquem que um grande número de documentos inclui clientes da Grande China, pessoas famosas e ricas de outros países também foram enredadas em mais de uma dúzia de artigos sobre riquezas offshore.
De acordo com um consultor de negócios de Hong Kong, que tem relação com autoridades chinesas por algumas décadas, é comum que grupos específicos de funcionários chineses negociem com seu próprio grupo de intermediários financeiros. Assim, a ausência de registros relativos à rede e à família de Jiang Zemin poderia ser explicada pela possibilidade de que eles usaram outros intermediários offshore e não os abordados nos dados do ICIJ.
Mas isso ainda deixa a fonte última dos arquivos vazados no mistério.