O principal guardião da liberdade política, a Freedom House, criticou severamente um relatório recente feito pelo Ministério das Relações Exteriores russo, que criticava os EUA, o Canadá e vários países europeus, como uma “paródia” dos direitos humanos.
O relatório intitulado “Sobre a situação dos direitos humanos em vários Estados do mundo”, “sequer tinha uma introdução, prefácio ou metodologia”, observou Tyler Roylance, o editor da Freedom House.
“O relatório pretende ser um dedo no olho dos inimigos do Kremlin, ao invés de ser uma tentativa genuína de promover os direitos humanos ao redor do mundo”, acrescentou Roylance.
O relatório de 90 páginas, disponível apenas em russo, dedica cerca de 20 páginas aos EUA, enquanto algumas poucas para o Reino Unido, a França e a Alemanha.
Entre os delitos citados pela Rússia em relação aos EUA estava a condenação do traficante de armas Viktor Bout. Bout foi considerado culpado em novembro por conspirar contra norte-americanos por vender mísseis antiaéreos ao grupo terrorista colombiano ‘Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia’ (FARC).
O documento também possui um forte foco na “suposta injustiça contra cidadãos russos ou de etnia russa”, disse o grupo de direitos humanos. Cerca de 17 páginas continham denúncias a vizinhos como a Estônia, Letônia e Lituânia, 12 páginas foram dedicadas à Geórgia e 5 à Finlândia.
“Países autoritários vizinhos como a Bielorrússia, Ucrânia, Azerbaijão e os ‘istãos’ da Ásia central estão curiosamente ausentes”, observou a Freedom House, apesar dos abusos bem documentados nesses países por praticamente todas as principais organizações internacionais de direitos humanos.
O relatório pode ter sido designado para dar a impressão de que o abuso dos direitos humanos está em toda a parte, incluindo na Europa e nos EUA, os quais são considerados locais desejáveis para se viver, opina Roylance. Isso “encorajaria o cinismo e a apatia” entre os cidadãos russos, o que poderia ser usado como argumento pelo primeiro-ministro Vladmir Putin diante dos recentes protestos por todo o país contra seu governo de longa data.
Putin rejeitou os apelos por uma revisão independente do processo eleitoral russo após a recente votação parlamentar. Os oponentes dizem que as eleições foram manipuladas.
Desde 1976, o Departamento de Estado dos EUA tem anualmente publicado um relatório sobre o estado dos direitos humanos no mundo, geralmente dando baixas avaliações à China e à Rússia, o que foi corroborado por outros grupos de direitos.
“As restrições na concorrência política e a interferência nas eleições locais e regionais de maneira a restringir o direito dos cidadãos de mudar o governo continuam”, afirmou o relatório do Departamento de Estado norte-americano em abril passado.
O relatório russo alega que nos EUA, “candidatos independentes são impedidos de concorrer e de se eleger”, embora haja atualmente no Congresso vários membros independentes.
Roylance diz que o relatório russo usa informação desatualizada para apoiar suas alegações, dizendo que os EUA executam delinquentes juvenis. A Suprema Corte baniu a execução de menores em 2005 e a última ocasião que isso ocorreu foi em 2003.
Ironicamente, o relatório do Ministério das Relações Exteriores usa a Anistia Internacional, a Freedom House, o Human Rights Watch e os Repórteres Sem Fronteiras como fontes de informação.
“O governo russo tem repetidamente denunciado tais organizações e questionado seus motivos”, disse a Freedom House. “Se eles agora são vistos como fontes confiáveis pelo Ministério das Relações Exteriores, o que isso diria sobre suas críticas regulares deles as autoridades russas?”
A China no ano passado também divulgou um relatório de direitos humanos sobre os EUA usando diversas fontes, incluindo agências midiáticas e grupos de direitos humanos norte-americanos, os quais foram banidos de operar no interior da própria China.
“Regimes autoritários como a China e a Rússia veem todos os discursos de direitos humanos como outra arma numa competição amoral acirrada, aplicando lições de suas implacáveis políticas internas no campo das relações internacionais”, conclui Roylance.