Fórum de Direitos Humanos debate reparação a desaparecidos na ditadura

12/12/2013 15:02 Atualizado: 18/06/2014 21:01

BRASÍLIA – O Fórum Mundial de Direitos Humanos, que acontece em Brasília, promoveu na manhã desta quarta-feira (11) um debate sobre o papel do Estado na reparação a mortos e desaparecidos por regimes autoritários, bem como a sobreviventes e familiares. A primeira edição do evento é sediada no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB) entre 10 e 13 de dezembro.

Realizada num auditório com capacidade para aproximadamente mil pessoas, a conferência teve como debatedores o juiz espanhol Baltazar Garzón, a integrante da Comissão Nacional da Verdade Rosa Maria Cardoso Cunha e os argentinos Julián Froidevaux e Estela Barnes de Carlotto, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, e contou com a coordenação do deputado federal Nilmário Miranda, ex-ministro de direitos humanos no governo Lula, e com a condução da atual ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário Nunes.

A ministra apresentou o laudo da exumação de Arnaldo Cardoso Rocha, ex-militante da ALN, grupo armado que combateu a ditadura militar, recém-publicado pelo perito Marco Aurélio Guimarães. O documento aponta traumatismo crânio-encefálico como causa da morte de Arnaldo e registra traumatismos diversos pelo corpo e perfurações por projéteis de arma de fogo, revelando também a condição indefesa da vítima. O laudo anterior, emitido durante o regime militar, atestava “morte em confronto” com as forças policiais.

“Como uma pessoa que já estava presa e sem condições de mobilidade entrou em um confronto?” disse Rosário em coletiva de imprensa após o debate. “Isso realmente demonstra que o laudo daquele período não era verdadeiro. É quase que uma emancipação para a família, que lutou todos esses anos para provar a verdade.”

“Foi muito doloroso quando soube”, disse Iara Xavier, ex-esposa de Arnaldo convidada a falar, ainda impactada com o novo laudo, mas se dizendo ao mesmo tempo aliviada. “Viva Arnaldo agora e sempre”, desabafou.

Maria do Rosário disse não acreditar na existência de “dois lados” na questão dos assassinatos durante a ditadura e que está cumprindo o seu papel de responder pelo que aconteceu. Ela afirmou, porém, que o reconhecimento ainda não é o suficiente e “assim como todas as vítimas do Estado”, a reparação é algo “muito difícil” de ser feito. “Não se pode matar e pedir desculpas”, desabafou comovida a ministra, dizendo acreditar que no futuro o Brasil esteja em “em condições de fazer o pedido de perdão a essas pessoas”.

O juiz espanhol Baltasar Garzón, um dos ícones do movimento de Memória, Verdade e Justiça, destacou como fundamental a participação da sociedade civil no processo de reparação às vítimas. “A defesa dos direitos humanos por impulsos da sociedade civil se transmitiu a instâncias internacionais através de seus comitês que cada vez mais estão se fazendo presentes e contribuindo para a mudança de atitude em alguns sistemas judiciais”, afirmou Garzón.

O magistrado também criticou a lei brasileira de anistia e defendeu a doutrina do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, segundo a qual crimes contra a humanidade devem ser punidos. Garzón disse não querer interferir em assuntos do país mas abordou iniciativas como a Comissão Nacional da Verdade como um passo importante em direção à justiça.

O juiz, do Partido Socialista Operário Espanhol, ficou famoso por ter conseguido a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet. Numa visita anterior ao Senado brasileiro, ele também havia informado sobre duas ações que tramitam na Justiça espanhola, contra o genocídio chinês ao Tibete, esta acatada no mês passado pelo Tribunal Nacional da Espanha, e o genocídio aos praticantes do Falun Gong, uma prática de meditação tradicional chinesa.

Em seu discurso na solenidade de abertura do Fórum, na terça-feira(10) para mais de mil pessoas, Maria do Rosário defendeu a construção de uma sociedade global de direitos humanos. Perguntada sobre se o Brasil leva isso em consideração em suas relações econômicas internacionais, a ministra disse ao Epoch Times acreditar que sim.

“O Brasil é um país voltado à não ocupação territorial, protege a autodeterminação dos povos e não tem condições internacionais com nenhum país, nenhum povo, nenhuma nação”, afirmou a ministra, sem abordar as estreitas relações do país com regimes autoritários.

Promovida pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e organizada por 700 organizações da sociedade civil, a primeira edição do Fórum Mundial de Direitos Humanos (FMDH) é dedicada ao líder sul-africano Nelson Mandela, falecido há uma semana, e conta com a participação de mais de 8 mil participantes provenientes de 80 países.

A solenidade de abertura, no dia 10, data de aniversário da 65 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, contou com a presença do presidente em exercício Michel Temer, Maria do Rosário, o representante na América do Sul do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Ameringo Incalcaterra, o embaixador da África do Sul no Brasil, Mphakama Mbete, e show da cantora Daniela Mercury.

A presidente Dilma Rousseff entrega na tarde de hoje (12) a 19ª edição do Prêmio Direitos Humanos, do governo federal. Ela chegou ontem da África do Sul, onde participou de uma homenagem a Mandela. O ex-presidente Lula também deve marcar presença no Fórum nesta quinta-feira. Ele participa da atividade “A Defesa dos Direitos Humanos e o Combate à Fome”.