Fome e direitos humanos na diplomacia chinesa

05/02/2014 12:59 Atualizado: 05/02/2014 12:59

O ministro das Relações Exteriores chinês, famoso por defender o histórico de direitos humanos da China alegando que o povo chinês tem o que comer, publicou um livro de memórias.

Em “Divulgação das Relações Exteriores”, Li Zhaoxing recorda como usou sua teoria de estimação contra o presidente americano Jimmy Carter: “Carter costumava avaliar a situação dos direitos humanos na China com os padrões norte-americanos. Um dia, eu discuti com ele. Eu disse: ‘Num país em desenvolvimento como a China, os direitos de sobrevivência e desenvolvimento são os mais importantes. Os americanos não entenderiam porque vocês nunca passaram fome antes.’”

“Quando eu estava na faculdade em 1960 e 1961, meu maior medo era perder meu vale-refeição, porque, mesmo com meu vale, eu não tinha o suficiente para comer, muito menos sem ele. Falar sobre democracia sem autossuficiência e discutir liberdade sem comida suficiente, não faz sentido! Não admira que alguns chineses critiquem alguns de seus políticos por não se colocarem nos seus lugares.”

Em 2007, Li Zhaoxing foi contratado como professor na Universidade de Pequim depois de ter sido forçado a demitir-se durante uma luta pelo poder. Durante um almoço com estudantes, ele propôs uma teoria chamada “direitos humanos para os famintos”. Ele disse que sua experiência com a fome o ajudou a entender melhor os direitos humanos. Ele disse aos estudantes, enquanto debatia com estrangeiros: “Eu sei o que os direitos humanos são, porque eu já senti fome antes. Vocês já passaram fome?”

Direitos Humanos

A versão de Li da ideia do Partido Comunista Chinês sobre os direitos humanos nem vale a pena refutar. De acordo com Li e o Partido Comunista Chinês (PCC), os direitos humanos envolvem apenas o direito à alimentação, e não as esferas políticas, sociais ou econômicas.

A situação é justamente o oposto do que Li afirma. Uma pessoa não tem de passar fome para entender os direitos humanos. Os indivíduos morrem de fome na ausência de direitos humanos. Li passou fome na faculdade por causa da Grande Fome na China, que durou três anos e foi resultado do povo chinês ter sido privado dos direitos humanos.

O economista Amartya Sem, ganhador do Nobel, observou: “Não é surpreendente que nenhuma fome tenha ocorrido numa democracia em toda a história do mundo. Em vez disso, fomes tendem a ocorrer em governos de partido único, ditaduras militares e colônias governadas de outro lugar. As diversas liberdades políticas que estão disponíveis num Estado democrático, incluindo eleições regulares, jornais gratuitos e liberdade de expressão, devem ser vistas como a verdadeira força por trás da eliminação da fome.”

Ao tentar vender a teoria dos direitos humanos para os famintos, Li Zhaoxing nunca discutiu por que ele e o povo chinês tiveram de passar fome. O ativista chinês pró-democracia Hu Ping disse: “Qualquer um de um país democrático pode refutar Li, dizendo: ‘Nós sabemos o que são os direitos humanos, e é por isso que nunca passamos fome.”

Desgraça

Tenho ouvido Li falar e ele passa uma impressão espalhafatosa, mas a substância do que ele tem a dizer pode não ser tão impressionante.

Em seu livro de memórias, Li conta como um dia a secretária de Estado americana Madeleine Albright perguntou-lhe: “Sr. Li, você tem sempre dito que aderiu aos princípios cardeais da política diplomática da China, mas eu nunca identifiquei que princípios são esses.”

Li admitiu que ficou perplexo e não sabia o que responder. Para ganhar tempo, ele perguntou a ela: “Quais são os princípios diplomáticos dos Estados Unidos?” Albright respondeu sem pestanejar: “Os três ‘Ls’ – lei, liderança, liberdade.” Li ponderou um momento e disse: “Os princípios diplomáticos da China são a paz e o desenvolvimento.”

Esta anedota mostra que, mesmo que ele fosse o chefe oficial dos assuntos diplomáticos da China, Li estava confuso sobre os princípios básicos da política diplomática da China.

Li Zhaoxing é o nono ministro das Relações Exteriores do Partido Comunista Chinês (PCC). Os ocupantes deste cargo têm geralmente ocupado outros cargos importantes, seja simultaneamente ou depois. Zhou Enlai simultaneamente serviu como primeiro-ministro. Outros ministros das Relações Exteriores, ao deixarem o cargo, têm servido como conselheiro de Estado, membro do Politburo ou vice-primeiro-ministro.

Qiao Guanhua foi o único que terminou mal. O antecessor de Li, Tang Jiaxuan, e o sucessor Yang Jiechi, ambos se tornaram conselheiros de Estado encarregados dos assuntos estrangeiros após servirem como ministros das Relações Exteriores. Li Zhaoxing saiu em desgraça e não teve a oportunidade de servir como conselheiro de Estado, o que teria deixado Li se sentindo muito envergonhado.

Conflito com Hu Jintao

No cargo, Li sempre pareceu como de extrema esquerda, mostrando ao mundo a verdadeira imagem do PCC como um valentão internacional e fazendo com que o PCC sofresse perdas diplomáticas e humilhação.

Por exemplo, Li escreveu uma carta a um membro sênior do Congresso dos Estados Unidos criticando a posição dos EUA sobre a questão de Taiwan. Na carta, ele disse que o conhecimento do congressista sobre assuntos internacionais era menor do que o de um estudante do ensino fundamental.

Há dois incidentes diplomáticos que contribuíram para Li Zhaoxing ser substituído mais cedo.

Durante a primavera de 2002, quando Hu Jintao, então vice-presidente da China e presumível próximo líder chinês, foi visitar os Estados Unidos, o vice-presidente americano Dick Cheney convidou Hu para uma conversa particular. Cheney queria saber os verdadeiros sentimentos de Hu sobre o governo da China e a política externa, enquanto permitia que Hu soubesse mais sobre as políticas nacional e externa do EUA.

Cheney convidou Hu para a biblioteca, mas antes que ele pudesse concluir a troca de cortesias, a porta se abriu de repente o vice-chanceler Li Zhaowing entrou às pressas no ambiente.

O chefe de gabinete de Cheney disse mais tarde que tentou educadamente deter Li e explicou que esta era uma conversa particular. Cheney ficou insatisfeito com o resultado e Hu também. Mas eventualmente Hu Jintao lembrou e cobrou Li por este incidente.

Em 2006, Hu Jintao já era o chefe de Estado do regime chinês. Tendo adquirido controle sobre o Partido Comunista, o governo e os militares, ele planejava visitar os Estados Unidos.

Hu pediu a Li que planejasse uma visita de Estado aos Estados Unidos, mas Li não fez isso. Ele planejou uma visita de trabalho. Durante a cerimônia de boas-vindas, a banda dos EUA trocou o hino da República Popular da China (do continente) com o da República da China (de Taiwan).

Há rumores de que para acalmar Hu Jintao, Li Zhaoxing recomendou que Hu realizasse algumas conferências de imprensa para responder às perguntas dos jornalistas chineses e estrangeiros e melhorar a imagem internacional do PCC. Se houvesse perguntas difíceis, Li tentaria responder em seu lugar.

No entanto, o que Hu menos gostava era responder a perguntas de repórteres. Alguns anos antes, quando Hu visitou a Rússia, um repórter perguntou que livro russo Hu mais gostava. Hu respondeu: “A história de Zoya e Shura”, um livro da época da União Soviética. Depois disso, Hu não mais deu entrevistas à imprensa.

Não muito depois, numa reunião do Ministério das Relações Exteriores do PCC, Hu ordenou a Li que revisse seus erros e os danos que ele causou ao PCC e ao país, e então rapidamente encerrou a carreira de Li no Ministério das Relações Exteriores.

Depois de se aposentar do cargo de presidente do Comitê das Relações Exteriores do Congresso Popular Nacional, Li teimosamente continuou a promover sua teoria dos direitos humanos para os famintos, criando todo o tipo de falácias sobre o histórico miserável de direitos humanos do PCC.

Publicado originalmente pela Secret China.