A economia da China e seu sistema bancário estão sentindo os efeitos da falta de dinheiro. Mas, apesar dos rígidos controles monetários do Estado, bilhões de dólares em dinheiro quente se movimentam quase sem obstáculos para dentro e fora do país por meio de canais clandestinos.
As reservas cambiais da China diminuíram em US$ 37,8 bilhões nos meses de maio e junho, segundo dados divulgados pelo Banco Popular da China (PBOC), o banco central chinês. Nas três primeiras semanas de julho, os depósitos nos quatro maiores bancos estatais da China diminuíram quase 1 trilhão de yuanes (US$ 163 bilhões), segundo o Shanghai Securities News. Estes eventos têm provocado debates nos círculos financeiros e na mídia sobre a saída de dinheiro quente da China.
Eu estudei os fluxos de dinheiro quente – o dinheiro que entra num mercado em busca de lucro em curto prazo – por muitos anos. Minha pesquisa indica que, nos últimos 15 anos, o dinheiro quente tem gradualmente ocupado uma grande parte do investimento estrangeiro na China. Com grandes quantidades de dinheiro quente entrando continuamente e, desta forma, o impacto do dinheiro quente na economia chinesa continua a crescer.
As autoridades monetárias da China, no entanto, muitas vezes cobrem intencionalmente os fatos da saída de dinheiro quente, enganando os meios de comunicação e a comunidade de negócios. Para revelar os fatos dos fluxos de dinheiro quente da China, explicarei alguns conceitos básicos e usarei dados relevantes para ilustrar o que está por trás desse capital especulativo.
Escala
Nas últimas décadas, a China tem atraído grandes volumes de investimento estrangeiro direto (IED) em diferentes setores para impulsionar a economia interna com tecnologia avançada fundamental para acelerar a industrialização do país.
Independentemente de o capital vir na forma de “green-field investiment” (empresas estrangeiras que iniciam novos empreendimentos na China) ou joint ventures entre investidores estrangeiros e empresários nacionais, depois que as instalações de produção estão instaladas e testadas numa região, o capital industrial dos investidores estrangeiros se torna um investimento estrangeiro de longo prazo, como parte das contas nacionais da China e, portanto, difícil de ser retirado.
Ao contrário dos investimentos industriais em longo prazo, o dinheiro quente é conhecido como capital especulativo de curto prazo. Ele busca alto retorno em curto prazo e não visa nenhum setor industrial. Por conseguinte, os fluxos contínuos de dinheiro quente na China podem ter um efeito desestabilizador na economia.
A principal fonte de capital industrial vem de países industrializados, como a Europa Ocidental, os Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Taiwan. No período de 1997 a 2008, a média do capital estrangeiro desses países pairou entre 21-25 bilhões de dólares anualmente. Mas, nos últimos anos, o investimento industrial caiu de 60% para 20% do total do IED na China.
A queda significativa do investimento industrial significa um aumento rápido de dinheiro quente. Pode-se dizer que, na última década, a ênfase no IED na China tem gradualmente mudado de investimento industrial para dinheiro quente. Com bilhões em dinheiro quente fluindo para a China a cada ano, a escala cumulativa poderia atingir centenas de bilhões de dólares. Esta conclusão pode ser desagradável, mas é um fato.
Fluxo
O setor imobiliário e os títulos da China são os campos primários favorecidos pela grande entrada de capital especulativo no país. Sob o estrito controle de câmbio das autoridades centrais, os cidadãos chineses estão restritos a uma determinada quantia quando levam moeda estrangeira para fora da China. No entanto, as empresas nacionais podem transferir fundos para o exterior através do comércio exterior. Empresas de investimentos estrangeiros podem legitimamente transferir seus lucros para o exterior.
Além disso, os indivíduos e as empresas são capazes de contornar os rígidos controles cambiais e transferir moeda estrangeira para o exterior por meio de redes clandestinas. Na verdade, bilhões de dólares em dinheiro quente entram e saem quase sem obstáculos na China, porque vias clandestinas existem há décadas, canalizando dinheiro especulativo por todo o país. Apesar de controles e restrições monetárias do Estado, especuladores encontram maneiras de mover seu capital para dentro e fora da China.
Dados
Não há um método bem definido para medir a escala dos fluxos de dinheiro quente, mas a variação das reservas cambiais nacionais ajuda a estimar a quantidade de dinheiro quente.
As reservas cambiais da China são os ativos estrangeiros detidos ou controlados pelo banco central. O excedente comercial da China, os fluxos de IED para o país e as entradas de dinheiro quente contribuíram, principalmente, para a rápida acumulação de reservas cambiais. De modo geral, as reservas cambiais aumentam lentamente quando não há grande fluxo de capital especulativo. Mas os dados trimestrais das reservas não são liberados até um mês após o término do trimestre.
Um indicador alternativo para estimar os fluxos de dinheiro quente é o fundo de divisas em circulação (FDC). Os dados, que são publicados mensalmente pelo PBOC, incluem as operações de compra e venda de divisas pelo banco central, bancos comerciais e outras instituições financeiras. A diminuição das reservas cambiais sugere que os FDC também estão em declínio, o que implica uma saída de capital especulativo.
No entanto, ao analisar os dados do FDC para estimar os fluxos de dinheiro quente, os meios de comunicação e os círculos financeiros ficam muitas vezes perdidos e atordoados num labirinto criado pelo PBOC. Os dados do FDC são calculados por meio da aplicação de uma taxa de câmbio do yuan que é ajustada arbitrariamente e que obscurece o volume real do FDC e prejudica a capacidade de medir a volatilidade do fluxo de dinheiro quente.
Quando há uma queda acentuada nas reservas cambiais, o PBOC usa um valor mais baixo da taxa de câmbio do yuan no seu cálculo, resultando numa redução menor no FDC e depois corrige a taxa em meses subsequentes.
Quando há um aumento das reservas cambiais, coincidindo com grandes fluxos de dinheiro quente, o banco utiliza um valor mais elevado da taxa para reduzir o nível de aumento do FDC. Consequentemente, o impacto do dinheiro quente parece ser menor do que realmente é. Como resultado, a volatilidade mensal do FDC parece confusa e, às vezes, até mesmo os profissionais são enganados.
Velocidade
Minha análise dos dados de FDC no período de janeiro de 2011 a junho 2013 mostram saídas rápidas de dinheiro quente nos últimos dois anos e meio. Na verdade, o dinheiro quente flui para dentro e fora da China frequentemente.
O PBOC disse que o FDC reduziu em 41,3 bilhões de yuanes (US$ 6,7 bilhões) em junho de 2013. Mas, pela aplicação de uma taxa de câmbio fixa do yuan, eu determinei que a quantidade real de FDC em maio e junho combinados é de 314,2 bilhões de yuanes (US$ 51 bilhões).
Muito mais surpreendente, várias saídas enormes de capital foram identificadas com o mesmo cálculo. Por exemplo, a quantidade de FDC teve um decréscimo de 483,4 bilhões de yuanes (US$ 78,9 bilhões) em setembro de 2011, 716,4 bilhões de yuanes (US$ 116,9 bilhões) em novembro e dezembro de 2011 e 709,5 bilhões de yuanes (US$ 115,8 bilhões) em maio de 2012, respectivamente.
A escala de dinheiro quente é de aproximadamente 10% do produto interno bruto (PIB) mensal da China, fluindo rapidamente para dentro e fora da China.
O Dr. Cheng Xiaonong tem doutorado em sociologia pela Universidade de Princeton e foi assessor do ex-primeiro-ministro chinês Zhao Ziyang
Esta matéria foi originalmente publicada em ‘China in Perspective’ e republicada com permissão