A participação dos pesquisadores brasileiros nas colaborações internacionais em Física de Altas Energias em andamento no Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça, tem contribuído muito para o impacto científico dos experimentos. É preciso, no entanto, que expandam a atuação para se beneficiar tanto das oportunidades científicas como das tecnológicas proporcionadas pela participação nos projetos.
A avaliação foi feita por participantes das colaborações A Large Ion Collider Experiment (Alice) e Compact Muon Solenoid (CMS) durante dois workshops realizados pela FAPESP, respectivamente, nos dias 21 e 28 de agosto, na sede da Fundação.
O objetivo dos encontros foi discutir a contribuição e as formas de aumentar a participação dos pesquisadores do Estado de São Paulo nas duas das quatro maiores colaborações em Física Nuclear Experimental em curso no LHC – as outras duas são o A Toroidal LHC Apparatus (Atlas) e o Large Hadron Collider Beauty (LHCb).
“Queremos entender um pouco mais sobre a ciência feita pelo Alice e pelo CMS e sobre a participação dos pesquisadores de São Paulo nessas colaborações – além do papel que poderão ter no futuro e como isso deve contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico do Estado – para termos um conhecimento maior e decidir sobre financiamento, organização e apoio aos projetos”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, na abertura do primeiro workshop.
De acordo com os porta-vozes do Alice e do CMS presentes no evento, os pesquisadores brasileiros têm desempenhado um papel importante principalmente nas análises físicas e no processamento de dados dos experimentos realizados pelas colaborações. Eles defenderam, no entanto, a participação mais ativa em outras áreas críticas dos projetos, como o desenvolvimento de instrumentação científica para realização dos experimentos.
“A presença brasileira no Alice tem crescido rapidamente e estabelecido grande impacto na Física graças, em grande parte, à experiência de jovens cientistas brasileiros muito talentosos”, disse o italiano Paolo Giubellino, porta-voz da colaboração, iniciada em 2009.
“Agora, contudo, é preciso que os pesquisadores brasileiros aumentem o impacto no desenvolvimento de instrumentação científica com base na experiência acumulada e expandam a interação com os grupos de engenharia envolvidos na colaboração”, afirmou.
Participação brasileira no Alice
De acordo com Giubellino, o Alice foi projetado para estudar colisões de íons pesados – como os de ferro – que ocorrem no colisor em temperaturas até 100 mil vezes superiores às registradas no centro do Sol.
Os pesquisadores esperam que, durante as colisões, os íons pesados se desfaçam em uma mistura chamada plasma de quarks glúons, que se acredita ter existido nos primeiros 20 a 30 microssegundos depois do início do Universo.
“A partir do estudo detalhado das partículas produzidas nas colisões nucleares será possível inferir as propriedades e o comportamento da matéria em condições extremas, além da evolução durante os primeiros microssegundos do nascimento do Universo com o big bang”, explicou Giubellino.
Segundo o pesquisador, a colaboração envolve hoje mais de mil físicos, oriundos de 132 universidades e instituições de pesquisa de 35 países. Entre eles, estão pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cuja participação está mais concentrada hoje na obtenção de dados e análises físicas dos fenômenos observados durante os experimentos.
“Temos participado de todas as etapas das análises físicas dos experimentos realizados pelo Alice”, disse Jun Takahashi, professor do IFGW da Unicamp, durante o encontro. “São necessários, porém, esforços para participarmos de projetos de atualização do detector e termos maior poder de computação para consolidar nossa contribuição para o experimento”, disse o pesquisador, que participa atualmente dos experimentos do Alice por meio de um projeto realizado com apoio da FAPESP.
A meta dos pesquisadores das duas universidades paulistas é participar do desenvolvimento de instrumentos científicos que serão incorporados nos próximos anos no detector utilizado pelo Alice que, a exemplo dos detectores utilizados pelas outras colaborações, serão aprimorados para os experimentos planejados até 2023.
A partir de 2015 será aumentada a intensidade dos feixes de raios de prótons e da energia de 8 teraelétrons-volt (TeV) para 14 TeV no centro de massa do LHC. Com isso, espera-se um aumento nas colisões entre partículas.
Será preciso então aprimorar os sistemas de leitura, rastreamento, identificação e aquisição de dados dos detectores, a fim de que mantenham a capacidade de identificar e analisar as partículas geradas nas colisões e aumentem a precisão das medições.
Os pesquisadores da USP e da Unicamp pretendem desenvolver alguns dispositivos a serem utilizados nesses sistemas. Entre eles, um circuito integrado (microchip) que pode ser usado para a detecção de sinais pela Câmara de Projeção do Tempo (TPC, na sigla em inglês) do Alice – um dos principais equipamentos do detector, que examina e reconstitui a trajetória das partículas – e pelo rastreador de múons – um aparelho que identifica, por meio de sensores, essas partículas de carga negativa 200 vezes mais pesadas do que os elétrons que passam pelo detector.
Para isso, pretendem se valer da experiência com o desenvolvimento de uma série de sistemas de Física de Baixa Energia para o acelerador de íons Pelletron, do Instituto de Física da USP, para o Colisor Relativístico de Íons Pesados (RHIC, na sigla em inglês) e para o acelerador Alternating Gradient Synchrotron (AGS) – ambos localizados no Laboratório Nacional de Brookhaven, nos Estados Unidos.
“Temos larga experiência no desenvolvimento de instrumentação científica para Física Nuclear e de partículas por meio de uma série de projetos apoiados pela FAPESP”, disse Marcelo Gameiro Munhoz, professor do Departamento de Física Nuclear do Instituto de Física da USP.
“Acreditamos que a participação brasileira em instrumentação científica para a colaboração Alice tem grande potencial e representa uma excelente oportunidade para o desenvolvimento tecnológico e transferência de conhecimento para empresas no Estado de São Paulo, que podem oferecer apoio e, ao mesmo tempo, se beneficiar dos projetos”, avaliou.
Participação no CMS
A participação brasileira no experimento Alice restringe-se hoje ao Estado de São Paulo, com equipes da Unicamp e do Instituto de Física da USP. Já a colaboração CMS conta com pesquisadores de outros Estados brasileiros, como do Rio de Janeiro.
Iniciado também em 2009, o CMS tem como objetivo detectar e medir subpartículas liberadas durante as colisões. A colaboração foi uma das responsáveis pela descoberta do bóson de Higgs, em julho de 2012, ao lado da colaboração Atlas.
O CMS reúne mais de 3 mil cientistas, de 40 nacionalidades diferentes e provenientes de mais de 180 universidades e instituições de pesquisa no mundo. Entre eles, estão pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), também do Rio de Janeiro.
O grupo de pesquisadores da Unesp integra o Centro de Pesquisa e Análise de São Paulo (Sprace, na sigla em inglês), criado em 2003 com apoio da FAPESP. Por meio do Sprace, os pesquisadores brasileiros operam uma rede de processamento e participam da análise de dados produzidos pelo CMS.
O cluster de computadores do Sprace também faz parte do Worldwide Computing Grid do LHC (WLCG), que conecta 100 mil processadores em 34 países – incluindo o Brasil – que fazem transferências de dados em altíssima velocidade.
“O grupo de pesquisadores da Unesp está bem integrado e contribui visivelmente para o sucesso do CMS na parte de computação”, disse o português João Varela, porta-voz da colaboração.
“Os experimentos programados pela colaboração para os próximos anos e os aprimoramentos que deverão ser realizados no detector para realizá-los abrem, no entanto, a perspectiva de desenvolver um grupo de instrumentação científica, que é uma questão crucial para o sucesso da colaboração”, ressaltou.
Recentemente, o Sprace se juntou a um grupo de trabalho lançado há dois anos pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), da França, e o Fermilab, dos Estados Unidos, em colaboração com especialistas em simulação computacional do Cern.
O grupo de pesquisadores do Sprace contribui com os estudos de viabilidade e desempenho do detector utilizado pelo CMS e em testes comparativos baseados em diferentes plataformas de processamento de dados.
“O Sprace deve contribuir para o desenvolvimento de uma das mais cruciais e desafiadoras peças do experimento CMS, que é o rastreador de sinais do detector, e pode estender e aproveitar sua participação na colaboração para ganhar experiência no desenvolvimento de computação e no uso de várias ferramentas de software em parceria com empresas”, disse Aurore Savoy-Navarro, professora da Universidade de Paris-Diderot, participante do projeto.
Sistema “glocal”
De acordo com os porta-vozes das colaborações Alice e CMS, o sistema de desenvolvimento de instrumentação científica para os detectores utilizados no LHC é “glocal” (global+local). Ou seja, os componentes são projetados e construídos localmente, nas próprias instituições participantes das colaborações, que depois as levam para o Cern, onde, após serem aprovadas, se juntam a outras soluções desenvolvidas por outros países com base em seu conhecimento científico e na capacitação tecnológica de suas empresas.
“As tecnologias em aceleradores e detectores de partículas utilizadas no Cern avançam por meio de competitivos concursos internacionais de alta tecnologia travados entre os pesquisadores dos países participantes dos experimentos”, disse Giubellino.
Muitas das tecnologias desenvolvidas especificamente para os experimentos mais tarde encontrarão aplicações em outros campos, destacaram os pesquisadores.
Tecnologias voltadas inicialmente para aprimoramento de feixes de partículas resultaram em aplicações para o tratamento de câncer. Já desenvolvimentos voltados à detecção de partículas são utilizados hoje em imageamento médico.
“Os experimentos realizados no Cern são uma grande fonte de oportunidades não só para a ciência fundamental, mas para toda a sociedade”, disse Giubellino.
Esta matéria foi originalmente publicada pela Agência Fapesp