As primeiras notícias correram o mundo de forma instantânea: a Finlândia, país de excelência e tido como modelo na Educação, iria pôr um fim à escrita manual nas escolas e os alunos iriam passar a usar exclusivamente o computador, portátil ou tablet, para a produção de textos. Mas não era tanto assim. O que o governo finlandês se prepara para fazer é privilegiar a letra de imprensa na escrita manual, deixando cair o ensino e o treino da letra “cursiva”, ao mesmo tempo em que vai incentivar os alunos a usar cada vez mais os teclados.
Leia também:
• Computação pode evitar grandes catástrofes
• Televisão sobreviverá só até 2030, diz executivo da Netflix
• Google instalará cabo submarino que interligará EUA e Brasil
Uma coisa é certa: as horas gastas tentando desenhar uma série infinita de ondinhas perfeitas num caderno com pauta, até as crianças perceberem que, na verdade, estavam escrevendo uma série de letras “m”, ou as repetições, círculo após círculo, para desenharem o “o” mais redondo possível têm os dias contados. A caligrafia é coisa do passado.
A mudança está em curso e a entrada da era digital nas escolas do ensino básico finlandesas deve acontecer já em 2016. O Conselho de Educação finlandês estão preparando as alterações aos programas de ensino primário, que devem estar concluídas no final deste ano letivo. “A capacidade de escrever fluentemente num teclado é uma competência nacional importante”, declarou Minna Harmanen, responsável do Instituto Nacional de Educação da Finlândia.
“Tinha havido um mal entendido nas notícias sobre a caligrafia na Finlândia”, explicou Harmanen ao jornal espanhol ABC. “Na verdade, a novidade é que não será obrigatório aprender caligrafia cursiva a partir de agosto de 2016”, disse a responsável finlandesa. A mudança justifica-se, sobretudo, por questões práticas. “Quase todos os alunos que agora terminam a sua formação básica usam principalmente a letra de imprensa quando escrevem à mão. Se só se precisa da caligrafia nos primeiros anos de escola, por que é obrigatório aprendê-la?”, questiona Minna Harmanen. Além disso, acrescenta, “na vida laboral, produzimos quase todos os textos com o computador e, por isso, a habilidade de escrever com rapidez é importante”.
A ditadura da tecnologia
A Finlândia entrou fundo na questão da abolição da escrita manual das escolas do ensino básico. Mantêm-se a uniformização da escrita com letra de imprensa mas, em Portugal, a Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) lançou um olhar crítico sobre a mudança anunciada. “Espero que não chegue o momento em que sigamos o modelo, que nos parece ir no sentido da formatação” dos alunos, disse ao iOnline o presidente da confederação. À memória de Jorge Ascensão vêm os cadernos de duas linhas, “um coisa que já tem meio século” usada para que os alunos treinassem a sua escrita manual. Em entrevista ao espanhol ABC, Minna Harmanen explica que a liberdade de cada aluno para apropriar-se da escrita com o seu estilo não está em causa, mesmo que todas as crianças tenham de passar a escrever com o mesmo tipo de letra. “A escrita com letras de imprensa é mais rápida e as letras podem unir-se mais ou menos, pelo que o estilo próprio da escrita vai desenvolver-se. O estilo pessoal de escrever ainda será possível”, garante a dirigente.
Os argumentos não convencem, mesmo que o discurso e a inovação pedagógica tenham origem na Finlândia – e todos querem ser como aquele país, pelo menos no que toca aos níveis de desempenho escolar. “A Finlândia tem outra cultura que não é a portuguesa, é preciso muito cuidado quando passamos a copiar modelos, porque isso pode ser perigoso”, alerta Jorge Ascensão. O ensino dual, como que passado a carbono do modelo de ensino alemão, serve de exemplo ao argumento do dirigente. “Não me espantaria nada que um ministro da Educação se lembrasse de fazê-lo aqui, porque essa é uma medida relativamente rápida de pôr em prática”, afirmou o presidente da Confap.
A intenção da Finlândia é mais um exemplo de como a realidade digital se prepara para dar um novo passo para o interior do sistema de ensino. E não é que Jorge Ascensão não veja espaço para a tecnologia. Ela é importante no contexto escolar e até deve haver um “investimento” nesse sentido, diz o presidente da Confap. Mas, mais que isso, é preciso que haja “diversidade de instrumentos e métodos de ensino que estimulem a aprendizagem”.
Ao mesmo tempo, diz Jorge Ascensão, é preciso que a escola se solte da pressão da tecnologia e que recupere o “talento para trabalhar os valores sociais e humanos que foram se desvalorizando ao longo do tempo”.