Terminou na quinta-feira passada (29) uma reunião realizada pela liderança do Partido Comunista Chinês, cujo objetivo era traçar planos de reformas significativas para a conturbada economia da China, visando seu crescimento nos próximos cinco anos.
Entretanto, o resultado mais relevante desta reunião, a Quinta Plenária do Partido Comunista, foi uma mudança política que levaria pelo menos 20 anos para comportar qualquer fruto econômico – tornar a infame política do filho único para uma política de dois filhos.
“A China irá abandonar sua antiga política do filho único”, postou no Twitter (que é proibido na China) a agência de notícias Xinhua, do Partido Comunista. “Todos os casais chineses serão agora autorizados a ter dois filhos.”
A mídia estatal disse que o relaxamento das políticas de controle de natalidade vai alterar a desequilibrada demografia da China, e melhorar sua tensa economia a curto e longo prazo. A mídia estatal também defendeu a política de controle populacional exercida pelo Partido Comunista.
Especialistas, no entanto, afirmam que a política de “dois filhos” provavelmente trará apenas pequenas mudanças demográficas, e não será capaz de resgatar o rápido crescimento da China.
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Ainda que esta nova política tenha sido anunciada, permanecem muitas dúvidas se isso de fato ocorrerá na prática. E se for devidamente implementada, todos os cidadãos poderão ter mais filhos? Inclusive os camponeses? Tudo o que a mídia controlada pelo regime reporta deve ser analisado de forma cautelosa, e precisamos aguardar os relatos dos cidadãos chineses para saber o que realmente está acontecendo em relação ao tema.
Se levada adiante, a decisão representa, de fato, uma vitória para a humanidade, frente aos inúmeros abortos que os cidadãos chineses foram obrigados se submeter, devido à política de filho único instaurada pelo Partido Comunista Chinês. A prática de abortos forçados é simplesmente corriqueira no país, e traz um sofrimento indescritível para os casais que foram obrigados a abortar seus filhos.
Um dos casos mais violentos dessa prática foi de uma mulher que enlouqueceu após funcionários do Partido Comunista Chinês abortarem à força seu bebê de sete meses, que apesar de ter nascido se mexendo e com muita vida, foi posto em um saco plástico e enterrado por uma enfermeira.
Muitos ainda criticam a postura do regime de continuar controlando a população, ao invés de deixarem que os próprios chineses façam seu planejamento familiar livremente.
Grupos de direitos humanos explicaram que, na realidade, o Partido Comunista Chinês não afrouxou sua severa política de controle populacional, e que as violações dos direitos humanos relacionados à fertilidade irão continuar.
Prioridades desordenadas
“Recursos humanos é um investimento de longo prazo, pois tem maior retorno e dura por um longo período de tempo”, disse um editorial sobre a nova política de “dois filhos” pelo The Paper, um novo site de notícias on-line financiado pelo governo chinês. “No curto prazo, a nova política estimula o investimento e o consumo. E, em essência, os jovens nascidos devido a este relaxamento em relação à política de natalidade irão proporcionar um fluxo interminável de energia para o renascimento da China.”
Cheng Xiaonong, o CEO do Centro de Estudos sobre a China Moderna, baseado em New Jersey, e ex-assessor do ex secretário geral Zhao Ziyang, disse que o Partido Comunista possui prioridades misturadas.
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“Atualmente, a China está passando pela pior recessão econômica desde 1978″, disse Cheng em uma entrevista por telefone. “No momento em que o navio está para afundar, o capitão resolve dizer às pessoas para fazer mais amor e ter mais bebês. Será este o caminho certo para salvar o navio?”
Segundo Cheng, o anúncio é ainda mais preocupante especialmente por ter vindo à tona no contexto da Quinta Plenária, quando o Partido Comunista deveria apresentar um plano para recuperar a economia atrasada da China. “Se a questão do bebê é tomada como prioridade neste momento, significa que o governo não tem uma solução adequada para a recessão. Esse é o verdadeiro perigo.”
Os números oficiais dizem que o crescimento no terceiro trimestre deste ano foi de 6,9 por cento, abaixo da projeção anual de 7 por cento. Entretanto, economistas afirmam que a economia chinesa tem decaído consideravelmente há anos, e análises recentes da Credit Suisse colocam a taxa de crescimento real em pouco mais de 3 por cento.
‘Muito pequeno e modesto’
A política de “dois filhos” pode melhorar a demografia da China – uma população em rápido envelhecimento e com um percentual majoritário de homens – e fornecer mais enfermeiros para idosos, informou a mídia estatal.
De acordo com dados mais recentes da Organização das Nações Unidas, a China tem uma taxa de natalidade de 1,55 filhos por casal. A média mundial é de 2,51. Em 2050, mais de 36 por cento da população chinesa, agora quase 1,4 bilhão de pessoas, terão mais de 60 anos de idade.
De acordo com um banco de dados mundial, a proporção de homens para mulheres na China é de 119 homens para 100 mulheres.
A política de “dois filhos”, no entanto, está prevista apenas para ter um impacto demográfico e econômico “muito pequeno e modesto”, disse Nicholas Eberstadt, um economista político e demógrafo do American Enterprise Institute, em entrevista por telefone.
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Eberstadt, que escreveu extensamente sobre a Ásia Oriental e países da ex-União Soviética, acrescentou que os vizinhos da China que não praticam o controle da natalidade, como Taiwan, Hong Kong e Coreia do Sul, já possuem níveis muito baixos de fertilidade, e que o “dano já foi feito”.
Apesar do relaxamento em relação ao controle de natalidade, “Talvez não haja uma demanda para crianças na China novamente”, uma vez que as taxas de fertilidade são muito baixas nas cidades, e ainda mais baixas nas zonas rurais, disse Eberstadt. “Ironicamente, o governo, que gerou isso tudo, não está disposto a abrir mão do controle da população.”
William Wilson, ex-economista-chefe da Ernst & Young, tirou uma conclusão similar. A política de controle de natalidade do Partido Comunista “não vai fazer muita diferença”, disse ele em entrevista por telefone. Existe a possibilidade de um “aumento na taxa de natalidade, mas não muito”.
Enquanto vivia em Beijing entre 2009 e 2012, Wilson observou: “Os jovens queriam se divertir, não queriam ter grandes famílias”. Hoje, os rendimentos ainda são apertados, e muitos estão planejando ter apenas um filho.
Os usuários da Internet chinesa concordaram.
“É difícil conseguir vaga em um berçário, é difícil matricular seu filho na escola, e é difícil obter cuidados médicos … como podemos dar à luz?”, escreveu um usuário no Sina Weibo, um site chinês popular de microblogs.
Big Brother quer controlar o seu corpo
Grupos de direitos humanos, que têm documentado as atrocidades infligidas pela política do filho único desde a sua criação no início de 1980, condenou veementemente a emenda do regime em relação às medidas de controle populacional.
Durante anos, a Comissão Nacional da Saúde e da Família do Partido Comunista realizou inúmeros abortos forçados e esterilizações de casais que têm mais do que uma única criança. Devido à preferência dos chineses por crianças do sexo masculino, o infanticídio de bebês do sexo feminino é comum, e isso resultou no atual desequilíbrio de gênero da China.
O regime, no entanto, sustenta que o controle sobre a reprodução dos seus cidadãos é benigno. “O objetivo final do controle populacional está permitindo que as pessoas tenham uma vida melhor, e salvaguarda os direitos civis”, escreveu a mídia estatal People’s Daily, após o anúncio da política de “dois filhos”.
“Não é papel do Estado regulamentar quantos filhos as pessoas podem ter”, replicou William Nee, pesquisador de China que trabalha para a Anistia Internacional, em um comunicado de imprensa. “Se a China de fato respeita os direitos humanos, o governo deve acabar imediatamente com tais controles invasivos e punitivos sobre o planejamento familiar dos cidadãos e o desejo de ter filhos.”
Além disso, ter uma política de “dois filhos” não vai impedir que funcionários de planejamento familiar continuem a forçar mulheres grávidas a abortar seus bebês, caso elas não tenham os documentos necessários para dar à luz na China.
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“Os casais ainda precisarão de uma autorização de nascimento para o primeiro e para o segundo filho, ou podem ser obrigados a abortar”, escreveu Reggie Littlejohn, o fundador e presidente da ONG internacional Direitos da Mulher Sem Fronteiras, em um e-mail.
Se um casal tiver um terceiro filho e nenhuma licença de nascimento oficial, quando a nova política entrar em vigor, eles também serão forçados a abortar aquela criança, Littlejohn acrescentou.
Steven Mosher, presidente do Instituto de Pesquisa Populacional com sede na Virgínia, condenou as táticas de controle da população do regime, e considera a possibilidade do governo até mesmo chegar ao extremo de forçar os casais a ter filhos.
“Agora os casais estão autorizados a ter um segundo filho”, escreveu Mosher, em um comunicado de imprensa. “Mas não espere que ele pare por aí. Um governo empenhado em controlar a fertilidade do seu povo fará o que for necessário para produzir o número de crianças que considere necessárias.”
Frank Fang e Joana Blanco contribuíram para esta reportagem