Fé e outros fatores guiaram a arte florentina

25/06/2012 04:42 Atualizado: 06/08/2013 15:55

Florença Itália – ‘É uma coisa boa ganhar dinheiro, mas ainda melhor é saber como gastá-lo’, disse Giovanni Rucellai em 1475. Como um comerciante que se tornou um mecenas, ele entrou na história da cidade junto com algumas famílias Florentinas não pela enorme fortuna que acumulou, mas sim pelo dinheiro que investiu nas artes e cultura da Renascença.

A exibição Dinheiro e Beleza com subtítulo Banqueiros, Botticelli, e o Fogueira das Vaidades, no palácio Strozzi em Florença foi apresentada em janeiro deste ano. A exposição conta a história do sistema bancário global e como o dinheiro assoberbou a sociedade desse tempo para o bem ou para o mal.

Dinheiro e Beleza são “dois elementos que parecem antiéticos e incompatíveis, mas que em último caso através da comissão podem ser reconciliados”, disse Ludovica Sebregondi, historiadora de arte e curadora da exibição.

Trabalhos são meticulosamente escolhidos por Sebregondi e arranjados pelo arquiteto Luigi Cupellini: cofres, títulos, registos de primeira conta, florins de ouro, e moedas de ouro puro de 24 quilates pesando 3.53 gramas e produzidas pelo Mint de Florença em 1252 de onde tudo começou.

 O Famoso Palazzo Strozzi que apresentou a exibição Dinheiro e Beleza, que demonstra como a riqueza direcionou as artes durante a Renascença. O palácio é um exemplo de como as famílias nobres e ricas gastaram o dinheiro nesse tempo. (Gabinete de Imprensa do Palazzo Strozzi na Florença)Faca protestante

Pinturas dos mestres flamengos retratando as ações dos agiotas foram posicionados centralmente na exibição. Agiotas formam uma figura inteiramente nova na alta estrutura social. Nas pinturas as suas faces e corpos estavam visivelmente deformados pela sua obsessão pelo dinheiro.

No Van Reymerswaele “Os agiotas” o que sobressai são as mãos evidenciadas, fortes sombras, observam o dinheiro no meio, com a vela meio consumida, um símbolo de vaidade e nas suas faces a personificação do ditado “dinheiro é o excremento do diabo”, diz Sebregondi, interpretando a linguagem do corpo usada pelo pintor Dutch.

O tema da agiotagem está também retratado na sua pintura “O Banqueiro e a sua Mulher”. O manuseador de dinheiro e a sua esposa são mais belos que os dois no “Os agiotas”, mas “com os seus gestos predatórios eles comunicam a verdadeira natureza desses que traficam com dinheiro”, diz Sebregondi.

Igreja Católica

Enquanto os artistas do norte, de acordo com o seu pensamento protestante basicamente condenarem a moralidade agiota, a Igreja Católica baniu-o imediatamente. “A Igreja baniu agiotagem porque a Bíblia ensinou-nos a ganhar a vida pelo suor do seu esforço; trabalhar era parte do plano de Deus para nós e agiotagem não era trabalho”, Escreve Parks numa publicação associada com a exibição.

Inicialmente na Itália a ideia de dinheiro era fortemente ligada à ideia de pecado devido à “Divina Comédia” de Dante onde monstros devoram homens e diabos usam um saco de dinheiro para chicotear os corpos dos pecadores. Entre os pecadores encontram-se um papa, um cardinal e uma freira, a testemunhos da corrupção que a igreja sofreu com a introdução do dinheiro.

Então, São Thomas Aquinas, um monge Dominicano, introduziu a ideia de sofrer as consequências dos pecados através de donativos e “distinguir o agiota do banqueiro”, diz Sebregondi. Ele fez empréstimos aceitáveis deferindo a percentagem até 5% percentagem a qual abaixo não era considerada agiotagem.

Foram feitos muitos donativos “para o bem comum” pelos mercadores ricos e banqueiros tais como Francesco Datini que mandou construir dois hospitais com 100.000 florins de ouro. Um foi chamado “Hospital dos Inocentes”.

Único é o caso de “Lelmo Balducci, um banqueiro Florentino suspeito de ser agiota, que deixou todo o seu dinheiro para construir o Hospital de São Matthew (agora academia de belas artes). Ele fundou este hospital para tratar doenças de pele porque acreditava que tocar em dinheiro podia causar doenças de pele” disse Sebregondi, ilustrando a forte associação entre dinheiro e impureza nesse tempo.

Uma altar comissionado por Cosima de Medici em uma cena que monstra dois santos assim como Santo António de Pádua apontar para o corpo morto de um agiota ao qual o coração foi removido. O Santo fez com que o mesmo aparecesse num caixão de moedas de ouro, ilustrando quanto o coração dos agiotas estava apegado ao dinheiro. 'O martírio dos santos Comas e Damian' e 'O milagre de Santo António', por Francesco Peselini (1422-1457).
Mecenato em Florença
Entre os séculos XIV e XVII o número de obras de arte encomendados pelos Bancos Florentinos aumentou significativamente.

“Eles gastaram enormes somas, […] fundaram igrejas e conventos, construíram palácios, encomendaram estátuas e quadros. À morte de Lorenzo o magnifico em 1942, os Medici doaram três vezes a herança do seu avô Cosimo para construir arquitetura, pinturas comissionadas e esculturas doadas aos seus concidadãos” escreve no seu relatório para a exibição o arqueólogo Italiano de renome e historiador de arte Salvatore Settis.


Além de financiar beleza para propósitos penitenciais ou comissão “uma esplêndida obra de arte que fala de ti, do teu poder e a tua importância”, havia, contudo outros fatores em marcha, diz Sebregondi.

“Tem havido um forte amor pela arte, por toda a gente. Havia orgulho na cidade, a importância de fazer da cidade um local mais bonito”, ela diz. Beleza era um desejo coletivo, não apenas a busca de algumas pessoas ricas.

Os nobres palácios desse tempo alteraram significativamente o perfil arquitetônico da cidade inteira. A história acerca da pedra de fundação do Palazzo Strozzi, que não só recebe a exibição como também faz parte dela, fala de como Filippo Strozzi estava feliz que um merceeiro tenha atirado uma moeda à rocha. Isto caracteriza o relacionamento entre um nobre e um homem comum como um relacionamento de igualdade.

“Florença não é Versalhes. Aqui existe um rigor formal, absoluta beleza, asseio, organização, sem pompa real”, disse Sebregondi. “Não devemos imaginar as lojas como tribunais. Florença não era tribunal, Florença era república, ou melhor, um município que se tornou república.”

Até os Médici, os senhores da cidade, com a sua grande influência política, “nunca pretenderam estar na ribalta e expressavam um espírito de simplicidade e moderação”, disse ela. Muitos dos trabalhos foram “comissionados por privados, quase para todos os quartos”.

Para a glória de Deus

“Estou sempre pensando e planejando, e se Deus me der uma oportunidade tenho esperança de criar grandes trabalhos para o futuro”, Filippo Strozzi disse em 1466, ao regressar à cidade natal após longo exílio em Nápoles.

“Se não há inspiração pelo menos na crença, coisas como estas não são possíveis de criar. Se tudo é extremamente racional, é impossível obter obras primas tais como Fra Angelico”, diz Sebregondi. Alguns pintores não eram pagos pelo seu trabalho. Em vez disso, produtos de compensação foram dados ao mosteiro para onde trabalhavam.

Terá sido uma forte fé então que guiou a arte florentina para alcançar uma maior beleza? Lorenzo de Médici pode ser visto como um homem muito frio, o homem que luta contra o Frei dominicano Savonarola, mas muitas vezes por semana ia a um convento e durante a noite flagelava-se tal como Sebregondi encontrou nas suas memórias.

“Não podemos imaginar todo o passado com o pensamento atual,” Sebregondi diz acerca dos fatos que produziram uma das melhores eras da historia. “Perdemos a capacidade de nos identificar a nós mesmos num pensamento religioso que era muito mais profundo do que hoje em dia.”

A exibição Dinheiro e Beleza no Palacio Strozzi em Florença terminou em 22 janeiro deste ano.