No livro “Bourgeois Dignity: Why Economics Can’t Explain the Modern World”, a historiadora da economia Deirdre McCloskey escreve sobre o “Grande Fato” – o crescimento enorme e sem precedente dos padrões de vida que começou no mundo ocidental por volta de 1700. Ela o chama de “fator dezesseis”: nós, modernos, consumimos pelo menos 16 vezes os alimentos, vestuário, habitação e educação que os nossos antepassados consumiam na Londres do século XVIII. Dois novos livros nos ajudam a compreender o que isso significa.
No Washington Post de domingo, Jonathan Yardley faz a crítica literária de Flyover Lives, um livro de memórias de família escrito por Diane Johnson. Ela encontrou os diários de alguns dos seus antepassados do Centro-Oeste, e Yardley chama a atenção para o que eles nos dizem:
“Deve ser quase impossível para um habitante da classe média americana do século XXI imaginar a labuta e o sofrimento a que Catharine Martin [nascida em 1800] e seus contemporâneos se submetiam todos os dias: vivendo em casas rústicas – meras cabanas quando se estabeleceram pela primeira vez em Illinois e em outros lugares – se exaurindo em fogões à lenha para preparar comida para suas famílias, e, o pior de tudo, vendo as crianças caírem doentes e não tendo nada à mão que pudesse ajudá-las: ‘Com um ano de casada, fadada à fertilidade das mulheres da época, Catharine teve seu primeiro bebê e pôs o nome de Catharine Anne, como o seu. Eles a chamavam de Sissie. Depois deste bebê veio Charlotte Augusta em 1830 e Martha Olivia em 1831. Quando estavam com um, três e cinco anos de idade, todas as três meninas morreram no espaço de uma ou duas semanas.’ Catharine também ficou doente, mas sobreviveu para escrever muitos anos depois: ‘Quando me levantei, minha casa estava vazia, as três tagarelinhas tinham ido embora, não restou nenhuma.’”
Isto não foi há tanto tempo assim. Catharine Martin era a trisavó de Diane Johnson. Volte um século atrás, e leia sobre a vida no século XVIII, em outro novo livro, Three Squares, escrito por Abigail Carroll:
“Convidado a jantar com um barqueiro e sua família, [um viajante que ia de Maryland para o Maine, em 1744] declinou do convite. E descreveu a refeição: ‘Eles não tinham um pano sobre a mesa, e sua comida estava num prato fundo de madeira, sujo, que eles retiravam com as mãos, enchendo de pelos, escamas e tudo mais. Não usavam faca nem garfo, colher, prato ou guardanapo porque, suponho, não tinham.’”
Pelos padrões da época, a refeição do barqueiro estava em ordem: “Apenas cerca de um terço das famílias no século XVII na Virgínia tinha cadeiras ou bancos, e apenas uma em sete tinha as duas coisas”, escreve Carroll. Apenas cerca de um quarto das casas na Virgínia do passado tinha mesas.
E, por fim, destaco de um livro mais antigo sobre os meus próprios antepassados escoceses, The Scotch-Irish: A Social History escrito por James G. Leyburn:
“A miséria e a mesquinhez da vida [nas Terras Baixas da Escócia] por volta de 1600 [ou 1700] dificilmente podem ser concebidas por uma pessoa do século XX. Um aglomerado de casebres alojavam os inquilinos e seus ajudantes… A casa era, via de regra, pouco mais do que um barraco construído de pedras, coberto de capim, sem argamassa, e com palha, urze, ou musgo recheando os buracos para impedir a entrada de rajadas de vento… A lareira, geralmente no meio do chão da casa, quase sempre enchia todo o casebre com nuvens malcheirosas, uma vez que o telhado entupido de fumaça fechava, gradualmente, o orifício de ventilação. O gado era recolhido à noite numa das extremidades da sala, enquanto a família ficava na outra extremidade sobre urze empilhada no chão… Os piolhos abundavam… doenças de pele… As doenças infecciosas se propagavam rapidamente.”
Segundo estudiosos, como Angus Maddison e Brad DeLong, o PIB per capita quase não aumentou por milhares, ou dezenas de milhares, de anos antes do surgimento do capitalismo. E depois de 100 mil anos de estagnação (segundo estimativas de DeLong), por volta de 1750, o capitalismo e o crescimento começaram, primeiro na Europa do Norte e no litoral americano, e se espalhando sempre desde então por outras partes do mundo. Ou seja, a existência de mercados relativamente livres é a razão pela qual não vivemos como meus antepassados escoceses. Este é, realmente, o Grande Fato do mundo moderno. Devemos celebrá-lo, mesmo enquanto trabalhamos para estender os benefícios da economia de mercado às pessoas e países que ainda não desfrutam tanto do capitalismo quanto deveriam.
David Boaz é vice-presidente-executivo do Cato Institute
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Cato Institute