Hipocrisia e inépcia caracterizam a resposta à crise mortal
Após 15 meses de carnificina implacável, os desenvolvimentos na Síria, com números chocantes e desproporcionais de mulheres e crianças assassinadas, têm demonstrado a inépcia e a falência moral desprezível da comunidade internacional diante da horrível matança.
O fracasso em impedir a crise decorre da falta de vontade da comunidade internacional em tomar medidas duras para acabar com a mortandade enquanto continua a dar cobertura ao plano de Annan e a vociferar inúmeras condenações verbais ao regime de Assad, sabendo muito bem que eles não terão sucesso.
Aqueles que podem mudar o curso dos acontecimentos na Síria, incluindo os Estados Unidos, a União Europeia (EU), a Turquia e a Liga Árabe, têm vergonhosamente demonstrado a mais surpreendente falta de visão além de considerações ilusórias em face de contradições insuperáveis.
Com a suspensão da missão de observação na Síria, Kofi Annan fez surgir ainda outra “engenhosa” reforma de seu plano de assédio convocando a criação de um Grupo de Contato da Síria que perplexamente inclui o Irã e a Rússia, que continuam a fornecer ao presidente Assad os meios pelos quais ele massacra seu próprio povo.
Enquanto Annan está genuinamente tentando acabar com os assassinatos por via diplomática, seu desejo de preservar sua reputação como um mediador internacional continua a ficar no caminho.
Horror grotesco
A novo plano de Annan (como os anteriores) em breve se revelarão inúteis. Enquanto isso, milhares mais de sírios inocentes morrerão devido à incapacidade do Ocidente de reunir coragem moral para agir decisivamente.
Em cenas de horror grotesco, milhares de crianças foram mortas desde que o levante na Síria começou e milhares mais sofreram torturas e abusos inimagináveis.
Com total perversidade, as crianças foram forçadas a testemunhar a mutilação e execução de seus pais, apenas para logo encontrarem o mesmo destino de seus familiares. Suas gargantas são cortadas enquanto embaladas nos braços cuidadosos de suas mães.
As meninas e mulheres sofrem as maldades da violência sexual nas mãos de monstros sem consciência e depois são mortas em plena vista de seus entes queridos. Embora apenas arranhando a superfície, esses eventos estão em forte contraste com as maquinações da comunidade internacional, especificamente aqueles poderes que podem agir para acabar com o sofrimento.
Falta de vontade
Seja por seus únicos interesses políticos em manter o regime de Assad (ou seja, da Rússia, China e Irã) ou a fraca falta de vontade e cálculos políticos equivocados das potências ocidentais a intervir, não há disposição para oferecer à oposição o equipamento necessário para se defender eficazmente e absolutamente nenhum apetite para usar meios militares contra o massacre impiedoso do governo.
Para completar esta exposição indesculpável, o apoio ao primeiro plano de Annan que passou pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, precisamente devido ao seu caráter desdentado, definiu o menor denominador para ação internacional possível.
Antes da resolução que aprovou a iniciativa de Annan, Rússia e China foram responsáveis por bloquear a apoio da Liga Árabe no esforço do Conselho de Segurança de apelar a Assad para ceder o poder e iniciar uma transição política, assim abandonando qualquer esperança de uma solução política para o conflito.
A formação de um grupo de contato neste momento não é um bom plano e se provará como irremediavelmente ineficaz como o primeiro plano de Annan. Este curso de ação, sem dúvida, proporcionaria a Assad mais tempo para continuar matando seus cidadãos sem esmorecer.
Envolvimento do Irã
A ironia confusa da proposta de um grupo de contato é a chamada participação do Irã, que desafia toda a lógica dado o papel do Irã no apoio crucial ao regime de Assad na forma de homens e material, o que permitiu ao governo Assad continuar sua conduta incontida.
Enquanto o envolvimento russo pode ser considerado necessário em virtude de suas profundas relações e influência em Assad, o Irã tem estado envolvido e é cúmplice nos massacres diários num esforço desesperado para manter a dominação Alawite (uma seita que tem raízes na fé xiita).
O Irã é um país que tem desestabilizado o Oriente Médio desde sua própria revolução em 1979, um país que tem estado por trás da insurgência no Iraque pela última década, um país que corre em direção ao desenvolvimento de uma arma nuclear, um país que tem desafiado cinco resoluções do Conselho de Segurança, evitando a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) de realizar inspeções irrestritas, um país sob intensas sanções internacionais devido a sua intransigência e um país que busca a hegemonia na região preservando a todo custo o crescente xiita que se estende do Golfo Pérsico ao Mediterrâneo.
A sabedoria de Annan leva-o a acreditar que o Irã deve ser parte da solução quando na verdade é muito mais uma parte do problema. À luz do referido registro do Irã, sua suposta sabedoria não tem qualquer comentário adicional.
Suponha que um grupo de contato internacional seja formado com ou sem o Irã. Por que medida e meio isso teria sucesso se a intenção é apenas remover Assad do poder? Mesmo que Assad seja substituído por um reformador liberal que se dedique aos direitos humanos e à igualdade, não há chance de sucesso enquanto todo o aparato do governo (milhares de indivíduos da segurança interna, as forças armadas, serviços de inteligência, o Ministério do Interior, bem como a elite Baath), que têm interesses em manter a ordem atual e lutar por suas vidas, continuar em suas posições.
Em apoio à nova proposta de Annan, a comunidade internacional está se envolvendo numa abordagem ilusória que está garantida a falhar às custas das próprias vidas do povo sírio. É extremamente difícil não evocar uma forma superior de hipocrisia e inépcia.
Duas opções
Embora o conflito esteja avançando para uma guerra civil, há duas opções possíveis para resolver a crise.
A primeira é oferecer a Assad imunidade de processo criminal e proporcionar-lhe, a sua família e a sua gangue passagem segura para uma série de países árabes que estejam dispostos a aceitá-los, incluindo a Arábia Saudita.
Esta abordagem pressupõe que o afastamento de Assad trará uma solução para o conflito, mas essa afirmação carece de mérito crucial e é, em última análise, uma impossibilidade. Na verdade, Assad não apenas herdou a presidência de seu pai, mas todo um aparato governante que foi construído em torno dele e permanece culpado desses crimes horríveis.
Qualquer solução diplomática que gire em torno da saída de Assad terá de incluir a remoção de milhares de indivíduos que comandam vários ramos do regime. Sua partida deve ser seguida pela formação de uma coalizão de governo que seja representativa de todas as facções da Síria e conduzirá o país por um período transitório de quatro a cinco anos.
O Ocidente deve evitar a ilusão de que eleições rápidas fornecerão uma solução. Egito, Líbia, Iêmen e até mesmo Tunísia oferecem exemplos gritantes do fracasso desta abordagem.
Se a oferta não merecida de clemência falhar, não há dúvida de que a Liga Árabe, Estados Unidos, União Europeia e a Turquia deverão se unir para decidir sobre a ação militar destinada a bombardear alvos militares seletivos na Síria. Após algumas missões, os bombardeios deveriam parar e uma mensagem clara deve ser enviada a Assad que isso continuaria se ele e seu clã não abandonarem suas posições.
Embora eu prefira uma solução pacífica, em momentos de impasse trágico, é preciso certo nível de contraviolência para evitar uma catástrofe muito maior.
Agora que um caça turco foi abatido pela defesa aérea síria e se a OTAN apoiar a Turquia, Ankara provavelmente estará mais inclinada a conquistar uma grande parte da Síria para dar cobertura e um espaço a partir do qual as forças de oposição sírias possam operar enquanto ao mesmo tempo prestam auxílio aos refugiados e protegem toda a área, impondo uma zona de exclusão aérea.
Rússia, Irã ou China não correrão o risco de desafiar os Estados Unidos e a UE, enquanto a Rússia for informada, através de canais privados, que seus interesses na Síria serão preservados.
É hora de parar de se envolver em ilusões e hipocrisias vergonhosas e adoptar um quadro realista para acabar com a máquina de matar síria.
O regime de dominação Alawite tem, durante décadas, subjugado seu povo a condições subumanas, negando-lhes os direitos humanos básicos e deixando-os serem consumidos pela pobreza. A comunidade internacional deve se levantar por suas obrigações morais e deter o derramamento de sangue.
O fracasso em fazê-lo precipitará a perda da credibilidade das potências ocidentais na região ao se submeter aos caprichos da Rússia e Irã e mergulhará a Síria numa guerra civil de pleno direito.
Alon Ben-Meir é um professor de relações internacionais do Centro para Assuntos Globais na NYU. Ele leciona cursos de negociação internacional e estudos do Oriente Médio. alon@alonben-meir.com