Há alguns dias, uma guerrilheira e “negociadora” das FARC em Havana anunciou a criação de um portal web para “retratar” a vida delas “como rebeldes” e para “acabar com o mito (sic) de que as mulheres do grupo são vítimas de seus companheiros homens”. Uma página web de Bogotá deu essa notícia em sete linhas e sem comentários e desde então muito poucos retomaram esse tema. Entretanto, esse assunto convida a uma reflexão, pois o sapo que essa guerrilheira pede a todos para engolir é enorme e muito feio.
As guerrilheiras não são vítimas de seus companheiros? O sofrimento das mulheres enredadas nas FARC, à força ou por convicção, é um mito? O que as ex-guerrilheiras desmobilizadas contam é pura mentira? Se isso fosse assim, já se saberia. E muitas mulheres desgarradas iriam embora, sem pensar duas vezes, para viver no esplêndido mundo das barracas de acampamento e trincheiras das FARC.
Porém, isso não é assim. As FARC têm dificuldades para recrutar em geral e para recrutar mulheres, em particular. As FARC recrutam mediante a mentira e a violência, sobretudo as pessoas mais frágeis, e crianças e jovens que tiveram a desgraça de um dia cruzar o caminho desses matadores. E assim, a verdade da condição feminina dentro das FARC sai à luz, uma e outra vez. Quando uma guerrilheira foge, ou se entrega à Força Pública, conta espontânea e escrupulosamente os incidentes mais tristes dessa experiência. Os ex-sequestrados também foram testemunhas do que ocorre às mulheres dentro das FARC, quer seja como combatentes e/ou como reféns.
Os chefes das FARC querem montar agora uma página web para que mocinhas ingênuas ou mal informadas caiam em suas trampas. As mulheres que foram vítimas das FARC, como reféns ou como guerrilheiras, deveriam tomar, de novo, a palavra. É um dever moral fazê-lo. O que estão esperando, por exemplo, Clara Rojas e Ingrid Betancourt para lutar contra essa nova impostura?
A minoria que ainda acredita que as FARC respeitam suas mulheres deveria ver o que declaram e escrevem as guerrilheiras que escaparam desse inferno. Ouçam, por exemplo, o testemunho de Brenda, recrutada aos 13 anos e que escapou em outubro de 2012. Guerrilheira aguerrida, entretanto ela sofreu golpes por estar grávida. Seus três filhos eram considerados um estorvo e estiveram a ponto de ser abatidos pela guerrilha. O quarto filho dela foi assassinado por ordem de seu chefe. Uma jornalista que apanhou o testemunho, contou que Brenda “ao ser descoberta no meio [do parto] foi golpeada e levada à força a um acampamento onde a anestesiaram com uma substância que se utiliza para sedar as bestas”. O que segue é pavoroso: “Sem perder a consciência, ela observou como, depois de lhe abrir as pernas, um guerrilheiro lhe inseria uns tenazes e desmembrava seu bebê. Meses depois, quando [Brenda] soube que estava esperando outro filho, David, tomou a decisão de escapar.”
Poderiam ouvir também Zenaida Rueda Calderón, guerrilheira que fugiu em 2009 com um sequestrado que havia dois anos estava em poder das FARC. Ela havia sido recrutada quando tinha 18 anos e terminou sendo membro da segurança de Jojoy. Ela viu e viveu o inferno dos sequestrados e dos guerrilheiros punidos, doentes ou feridos, sobretudo das mulheres guerrilheiras. Ela foi vítima dos tratos cruéis de seus chefes. Ela narrou, entre outras histórias horríveis, a morte lenta e atroz de uma de suas companheiras que padecia de sífilis e que nunca foi tratada, pois o “comandante” de sua unidade dizia que ela era “manhosa” e que “se fazia de doente para não trabalhar”. Essa guerrilheira morreu pior que um cachorro:
“Inflamada e cheia de hematomas em quase todo o corpo, como se lhe tivessem golpeado. Ao namorado já o haviam matado. Acusaram-no de infiltrado. A ela a haviam deixado viva para lhe fazer inteligência e averiguar se era infiltrada e de quem. Diziam que os haviam mandado com essa enfermidade para que contagiassem outros guerrilheiros.”
A disciplina e a vida cotidiana das FARC se resumem a isto: temor, traição e morte. O sofrimento e o medo são constantes.
Essa é a vivência real dos guerrilheiros, onde as mulheres levam a pior parte. É o que os chefes narcoterroristas em Havana, que dialogam com Santos, querem apagar com uma página web carregada de mentiras.
Às FARC não interessa se opor unicamente aos testemunhos cada vez mais numerosos de suas vítimas. Querem ir mais longe: com sua técnica de repetir e disfarçar as mesmas mentiras e de mudar o sentido das palavras, querem que os colombianos percam o sentido moral que lhes resta. Que não possam distinguir entre o bem e o mal, entre a piedade e a crueldade, entre a liberdade e a escravidão. É uma velha receita bolchevique: quem consegue jogar com a realidade e com as palavras, para que o mal apareça como bem, pode controlar o mundo. Pois o mundo, para eles, está dentro do crânio das pessoas e não fora. O comunismo rechaça e difama todos os princípios da democracia, porém simula atuar em nome da democracia. George Orwell estudou esse assunto e descobriu algo que chamou de “pensamento duplo”. Ele consiste “no poder de introduzir simultaneamente na mente humana duas crenças contraditórias para que ambas sejam aceitáveis”. Com esse método, o comunista e o fascista conseguem apagar no outro uma verdade para que a repudie como uma mentira, e vice-versa.
Quando uma guerrilheira assegura que sua vida é satisfatória, que seus chefes e companheiros são humanitários, que a sexualidade nas Frentes não é um calvário, que ter filhos nas FARC é uma bênção, que servir de escrava sexual de um chefe das FARC é agradável, que abortar brutalmente é indolor, que cravar um bisturi no filho recém-nascido de uma companheira é gratificante, que fuzilar seus companheiros pelo roubo de uma rapadura é banal, que degolar um refém porque não pode caminhar mais rápido é fácil, que matar é lutar pela paz, ela está tratando, como dizia Jean-Paul Sartre, de “deslizar o mundo para o meio do nada”, para abolir o espírito crítico e o senso moral do povo. Como a Colômbia se defenderá dessa nova ofensiva? Com a passividade e o silêncio?
Consultar estes textos:
“Así es la dramática vida de las mujeres en las FARC“, por Jineth Bedoya Lima, 11 de junho de 2011.
“La miserable vida de las mujeres en las FARC“
“Videos muestran maltrato de las FARC sobre mujeres“, 19 de novembro de 2010.
“Las mujeres de las FARC, abusadas e violadas“. La igualdad de género no pasa del discurso. Un estudio advierte sobre las vejaciones como forma de castigo, el reclutamiento de niñas e el aborto forzado para controlar la natalidad.
“Desmovilizada de las FARC le contó a ‘El País’ sobre abusos que sufrió en la selva“, por Karen Daniela Ferrin, repórter de El País, Cali, 26 de novembro de 2012.
Esta matéria foi originalmente publicada pela Mídia Sem Máscara