As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) decretaram um cessar-fogo unilateral “por tempo indeterminado que deve virar um armistício”, de acordo com um comunicado publicado nesta quarta-feira (17) no site da organização. Segundo a nota, o negociador e comandante Iván Márquez disse que o cessar-fogo será suspenso “só se for descoberto que as estruturas da nossa guerrilha foram destruídas pela força pública”. No comunicado, os narcoguerrilheiros declaram que a trégua terá início às 0h01h (horário local) do dia 20 de dezembro, informou o portal G1.
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O anúncio das Farc foi feito dois dias depois de uma operação conjunta do Exército e da polícia no departamento de Meta, na região central da Colômbia, na qual morreram nove guerrilheiros e foram capturados outros quatro.
Durante o ano, outras tréguas unilaterais foram declaradas pelas Farc, todas elas com período definido. “Decidimos decretar um cessar-fogo unilateral e (a suspensão) das hostilidades por tempo indeterminado, que deve se transformar em armistício”, foi o que declarou a delegação da guerrilha que participa das negociações de paz com o governo colombiano em Cuba, em um blog.
As negociações de paz são todas realizadas em Havana, Cuba. O conflito armado no país já dura cinco décadas e já deixou 220 mil mortos. Desde o começo de 2012, as Farc negociam a paz com o governo colombiano para terminar o conflito.
A guerrilha pediu que o respeito à trégua seja monitorado por organizações como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), a Cruz Vermelha e a Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).
Iván Márquez disse também que é necessário considerar as vítimas do conflito, incluindo as que foram cremadas, massacradas, vítimas de motoserras ou cujos corpos foram jogados em rios ou enterradas em tumbas anônimas.
A Delegação de Paz das Farc também instou ao presidente colombiano Juan Manuel Santos que pare de manifestar seu regozijo com as mortes de guerrilheiros em sua conta no Twitter.
As negociações em Cuba são a quarta tentativa de chegar à paz entre a guerrilha e o governo. O processo só atingiu concordâncias parciais sobre três das seis matérias da pauta: reforma rural, participação política da guerrilha e solução para o problema das drogas ilícitas.
No entanto, os temas mais complicados como o ressarcimento às vítimas e a deposição das armas ainda não foram contemplados. É preciso fixar um dispositivo de implantação, apuração e ratificação das decisões.
As Farc são o grupo armado dominante do país e o mais antigo da América Latina (surgiu em 1964), contando oficialmente com 8.000 combatentes, recrutados principalmente nas zonas rurais.
Leia abaixo a íntegra do comunicado das Farc:
O final de 2014 está próximo, depois de dois anos e alguns dias de negociações de paz antecipadas em Havana, Cuba, entre plenipotenciários do governo colombiano e a Delegação de Paz das FARC-EP. Nesse período, compartilhamos propostas, teses e conseguimos alguns acordos parciais mantendo-nos o tempo todo em pé de igualdade e com os mesmos direitos e deveres emanados para ambas as partes no Acordo Geral de agosto de 2012. Atualmente, estamos estudando e buscando soluções para problemas difíceis, por causa da natureza complexa destes últimos, ou porque em mais de 50 anos de conflito interno foram adiadas soluções que deveriam ter sido aplicadas para benefício coletivo.
Os diálogos têm mostrado que a nação colombiana requer uma revisão honesta e profunda. A desigualdade e a pobreza generalizadas, a incompetência do governo para fazer valer um bom governo, a justiça e a paz, não permitiram alcançar harmonia nem construir as bases de uma reconciliação duradoura. O conflito social e armado continua em vigor; nascido na chamada “violência partidária”, na injusta visão histórica sobre questões vitais relativas à terra, na manipulação indigna do dinheiro público, na concentração ilimitada de riqueza nacional nas mãos de poucos, e em um inúteis instituições públicas por terem sido ocupadas por agentes do poder sem escrúpulos, confirma que na Mesa de Conversações, o desafio que têm pela frente os plenipotenciários é de uma imensidão sem precedentes.
Para aqueles que estão comprometidos com a construção do cenário a partir do qual se fará a nova República com a ajuda de todos e cada um dos homens e mulheres que formam o componente humano de um mesmo país, os próximos meses serão críticos. Este cenário é único; não há nenhum outro. Não se trata, nem mais nem menos, do cenário do agora ou nunca. Este é o cenário sonhado por todos, pelo qual temos lutado e sofrido muito: é o cenário da paz, da reconciliação, da fraternidade e da justiça social.
Apelando para o direito sagrado e irrevogável de rebelião, que por razões que sempre brotaram de uma existência desumana daqueles a quem faltava tudo sendo-lhes negado o mínimo de subsistência em todas as áreas, procuramos através das armas, como um último recurso de expressão política, pelo menos ficar em pé de igualdade com o adversário implacável de todos os tempos, de modo que a nossa voz, que é a das pessoas excluídas, não vai continuar a ser negligenciada. Por isso não desperdiçamos a atual conjuntura que serve para expor, com termos precisos, uma série de alegações, acompanhadas de dezenas de soluções. Estamos em Cuba para continuar a construir a Pátria. Construir para todos o futuro. Este é o nosso chamado.
Ontem, durante a última audiência das vítimas do conflito, ao ouvir suas histórias, evocamos, com inevitáveis sentimentos, outras vítimas das quais ninguém se lembra, mas que as FARC-EP sempre honram carregando-as em sua memória individual e coletiva, e pelas quais continua buscando a reconciliação nacional, mas travestida com qualquer coisa que possa carregar o significado da palavra “justiça”. As vítimas de violência partidária sem escrúpulos, as vítimas da primeira geração de paramilitares nas décadas dos anos cinquenta e sessenta do século passado, as vítimas da ditadura militar cuja lembrança desagradável, as vítimas da interferência estrangeira tolerada pelos governos bipartidários, as vítimas de desaparecimentos forçados, os deslocamentos e as execuções extrajudiciais.
As vítimas de Marquetalia, Ríochiquito, El Pato e Guayabero; as mesmas vitimas que nós, em defesa própria, podemos ter causado erroneamente; as vítimas de estadistas e da força pública; as vítimas militantes da União Patriótica; as vítimas causadas pela nova geração de paramilitares em conluio com oficiais armados. As vítimas que foram cremadas, as vítimas de massacres e das motosserras, e as vítimas que descansam em tumbas anônimas; ou aquelas cujos corpos flutuaram rio abaixo até desaparecer; e aquelas que nunca foram computadas; e as vitimas da miséria e da fome, e as vítimas que somos todos nós colombianos, nas mãos do maior de todos os infratores: o Estado.
Considerando o exposto, inspirados pelos direitos dos povos, a tradição constitucional colombiana, em homenagem a todas as vítimas do conflito que buscamos superar, e em consideração ao trabalho que nos compromete cada dia mais com o espírito de Havana, considerando que iniciamos um caminho definitivo para a paz acompanhado de um processo constituinte, resolvemos declarar um CESSAR FOGO UNILATERAL POR TEMPO INDETERMINADO, que deve ser transformado em armistício. Para alcançar o sucesso completo, precisamos da supervisão da UNASUL, CELAC, CICV, e da Frente Ampla para a Paz. Este cessar-fogo, que desejamos se prolongue, só será revogado se as nossas estruturas de guerrilha forem atacadas pela polícia. É nossa esperança que o povo soberano assuma também o papel de supervisor, uma vez que com ela buscamos o benefício para o país dilacerado e uma forma de homenagem às vítimas de ontem e de hoje.
Seja esta ocasião uma oportunidade para chamar a atenção de forma clara e direta do presidente Santos pelo fato dele ter mostrado, mais uma vez, sua alegria no twitter pela morte de alguns de nossos camaradas no domingo anterior. A guerra não pode ser uma fonte de alegria, mas de tristeza. O respeito aos mortos é um princípio universal da humanidade, independentemente de qual lado estejam. Chega de circo, chega de demonstrações de força incontrolada, chega de cobrar dívidas com o sacrifício de vidas humanas.
Queremos superar as cenas desnecessárias de derramamento de sangue. Temos afirmado isso repetidamente sem sermos ouvidos. Então, declaramos que o cessar-fogo mencionado acima e a interrupção das hostilidades entrará em vigor às 00:01 horas do dia 20 de dezembro de 2014.
Esta decisão está sendo formalmente comunicada ao governo da Colômbia. Às embaixadas e missões diplomáticas ao nosso alcance. Ao Secretário-Geral das Nações Unidas, ONU; à União Europeia; ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha, CICV ; à União das Nações Sulamericanas, UNASUR; à CELAC; ao Papa Francisco; a outros líderes de crenças universalmente reconhecidas; ao Carter Center, e às ONGs reconhecidas mundialmente.
Estamos dispostos a reunir em Havana todas as organizações colombianas sem fins lucrativoso, amigas do processo de paz, para passar-lhes um relatório sobre a iniciativa aqui apresentada e com o propósito de convidá-las a apoiar esta iniciativa pela paz na Colômbia.
Da Secretaria de Estado-Maior das FARC-EP