Famílias problemáticas e quebra do vínculo familiar levam jovens às ruas e, quase sempre, às drogas

11/03/2013 12:25 Atualizado: 11/03/2013 19:02
Cracolândia
Grupo de viciados em crack procura abrigo da chuva na Cracolândia, no centro de São Paulo, 14 de janeiro de 2012 (Yasuyoshi Chiba / AFP / Getty Images)

Quem de nós optaria pelo desconforto e o perigo das ruas ao invés do aconchego de um lar?

De fato, a grande maioria dos adolescentes e crianças que vivem em situação de rua só chegaram a essa condição devido a situações familiares desfavoráveis. Sofreram violência, rejeição ou abusos em casa.

Muitas casas não são sinônimo de lar, mas locais onde crianças e adolescentes experimentam uma série de conflitos, privações e carências importantes.

“Na casa falta comida, afeto, segurança e [há] uma série de carências. Então ele vai buscar, na rua, um espaço de convivência com outras crianças e adolescentes que estão em situação parecida, o que não tem em casa. Lá ele não apanha e é acolhido pelo grupo”, disse Ana Regina Noto, psicóloga, mestre em Psicobiologia, doutora em Ciências e professora do Departamento de Psicobiologia da Unifesp à Agência Brasil.

Ana, que é também Pesquisadora do CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas -, coordenou, em 2003 e 2004, o “Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua”, um estudo feito nas 27 capitais brasileiras.

Segundo Ana, essas crianças e adolescentes não escolhem ficar nas ruas, mas devido aos seus lares hostis e conflituosos, a rua torna-se a opção obrigatória. “Eles tentam voltar constantemente para casa. Mas o que ocorre é que eles voltam para casa esperando por uma família diferente. Mas eles vão encontrar exatamente aquela família com a qual um dia tiveram dificuldade de convivência. E aí acabam voltando para a rua”, disse Ana à Agência Brasil.

Deste estudo surgiu a importante constatação de que a perda ou o rompimento do vínculo familiar é o fator crucial para o uso crônico de drogas entre os jovens. “Entre os jovens que, apesar de passarem grande parte do tempo nas ruas estavam morando com suas famílias, o uso diário de drogas (inclusive álcool e tabaco) foi mencionado por 19,7%. Em contrapartida, esse índice foi de 72,5% para aqueles que haviam rompido o vínculo familiar”, disse Ana no site Anti Drogas. O estudo conclui “o importante papel da família como fator de proteção ao uso abusivo de drogas, bem como apontam a relevância do trabalho preventivo junto às famílias.”

Existem milhares de jovens vivendo em situação de rua e fazendo uso de drogas, e nem sempre é possível solucionar seus problemas familiares, dado que estes resultam de uma complexa rede de situações problemáticas, deficiência educacional e de formação ética e moral dos pais, baixos salários e condições de vida precárias, exclusão social, dentre outras.

A própria estrutura social viciada, o tendencioso modelo econômico vigente e as resultantes políticas públicas paliativas formam as raízes primárias desses problemas: “…esse panorama vem acompanhado de uma série de negligências sociais. A ilegalidade das drogas usadas perde o sentido quando considerada a ilegalidade maior, que é a omissão social, que abre espaço para a situação de rua de crianças e adolescentes, realidade constatada em todas as 27 capitais brasileiras”, disse a psicóloga no site Anti Drogas.

Igualmente, os jovens sofrem diversos tipos de abusos, além da destruidora dependência química, devido à sua vulnerabilidade nas ruas. “Uma parte considerável de adolescentes em situação de rua de ambos os sexos é exposta à exploração sexual para garantir a sua sobrevivência”, aponta o estudo “Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas” do Conselho Federal de Psicologia de 2002. Além de degradante e traumatizante para muitos deles, isso reflete a nossa omissão humana e social.

Nossas omissões se camuflam em várias iniciativas públicas aparentes ou superficiais, quase sempre resultando em projetos ineficientes e parciais.

Um exemplo são as abordagens supressivas e repressivas, como as adotadas pelo Estado na questão do crack em São Paulo. Ao contrário de promoverem vínculos humanos, a reorganização familiar e os espaços para a reintegração social dos jovens, tendem a repetir os falhos modelos anteriores já constatados pelos pesquisadores: “…as políticas adotadas nas décadas anteriores, predominantemente de enfoque repressivo e de controle da disponibilidade de drogas, não tiveram a eficácia esperada”, afirmou a psicóloga no site Anti Drogas.

Iniciativas para recuperação de jovens

As iniciativas comprovadamente eficientes para a recuperação dos jovens em situação de rua, incluindo os usuários de drogas, têm caráter multidisciplinar, sócio integrativo, humanitário e, consequentemente, geram mudanças e mobilização nas instituições públicas envolvidas.

O contexto e a estrutura de reabsorção dos jovens de forma saudável e, se possível, integral na sociedade, exige o interesse e o esforço genuíno dos funcionários públicos, a oferta e a abertura verdadeira das instituições públicas competentes e o seu trabalho conjunto com ONGs e instituições privadas.

As abordagens e os trabalhos que têm sido bem-sucedidos normalmente envolvem as formas lúdicas como arte e esportes, socioeducativas, integrando valores humanos e conceitos de cidadania, produtivas e laborais, como de trabalho e aprendizado de ofícios, entre outras.

Somente uma abordagem interessada, inteligente, integrativa, multidisciplinar e humanitária pode mudar a realidade dos jovens em situação de rua e dos usuários de drogas. As drogas só serão vencidas quando os jovens puderem trocá-las pelo afeto e a reintegração social acolhedora.

Alberto Fiaschitello é terapeuta naturalista e cientista social.

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