O falso ‘mea culpa’ das FARC

17/11/2014 11:30 Atualizado: 16/11/2014 18:09

As FARC não reconheceram de maneira clara e sincera que são os responsáveis pela mais vasta atividade criminosa que a Colômbia conheceu em toda sua história. O que fizeram ontem em Havana está longe de ser um mea culpa convincente e crível. O que o chefe guerrilheiro “Pablo Atrato” declarou em Cuba, no sentido de que as “ações” das FARC durante o “conflito armado” afetam a população civil, porém que ela “não foi o alvo principal nem secundário para eles”, não é senão uma maneira habilidosa de tratar de lavar as atrocidades cometidas por elas contra a força pública, como se ultimar, ferir e mutilar militares e policiais não fosse um crime espantoso.

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Ao mesmo tempo em que “Pablo Atrato” dizia isso, outro porta-voz das FARC, um tal “Matías Aldecoa”, exigia em Havana que “os Estados Unidos e outras potências estrangeiras” reconheçam sua “responsabilidade central” no chamado conflito colombiano. O terrorista que lançava esse discurso inflamado não disse se entre as “outras potências estrangeiras” ele incluía a desaparecida Rússia de Stalin, ditadura totalitária de onde partiram efetivamente as ordens, o dinheiro, o treinamento e o apoio político para criar um aparato político-militar devastador que pudesse se apoderar da Colômbia, em plena guerra fria, para reforçar o comunismo soviético.

A intenção das FARC é acusar ao que elas chamam os “diferentes atores do conflito” de ter uma “responsabilidade múltipla e sistêmica”, isto é, “os partidos políticos dominantes, empresas transnacionais, meios de comunicação e potências estrangeiras como Estados Unidos”. Quer dizer, toda a Colômbia e seus aliados são culpados de vitimizar as FARC.

Esse bando continua sendo artista nisso de acusar todo o mundo, para que em meio de um mar de culpas fabricadas, a responsabilidade dela, a dívida de seus 50 anos de crimes continuados de guerra e de lesa-humanidade, fique diluída entre as supostas culpas dos outros e chegue a se converter em um fenômeno trivial e até invisível.

A Colômbia não pode aceitar reconhecimentos mentirosos, ambíguos, desviantes ou “incipientes”, como disse a representante liberal Clara Rojas, que lembrou com muita razão que as FARC, somente ante o tema dos sequestros tem muito que explicar, pois “foram afetadas ao menos mais de 40 mil0 pessoas das quais se estima que 67% é responsabilidade das FARC”.

Dizer que a população civil “não tem sido alvo principal nem secundário” das FARC é mentir cinicamente. Pior: é dar mais uma mostra do mal que corrói a mente dos chefes desse bando: seu rechaço neurótico da realidade. Desde o começo das FARC, antes inclusive que Tirofijo tomasse o comando dessa organização, os indígenas, camponeses e fazendeiros foram o setor preferido delas por ser o mais vulnerável e do qual mais dividendos podiam tirar. Os primeiros sequestros das FARC foram de civis (lembrar os sequestros e assassinatos em 1965 de Harold Eder e Oliverio Lara Borrero). Por que ignorar os assassinatos de civis entre 1958 e 1960 durante a violenta implantação da “república independente” de Sumapaz? As brutalidades das FARC contra os civis continuam até hoje.

A grande mentira lançada ontem em Havana não tem como destinatário os colombianos, pois eles sabem muito bem o que vale a palavra das FARC, senão as autoridades europeias que o presidente Santos vai contactar na próxima semana durante seu novo giro. Santos vai sugerir aos governos desses países que peçam desculpas às FARC por ter ajudado a Colômbia na luta anti-terrorista? Nada deve nos surpreender agora.

O requisito do reconhecimento de seus crimes não se enche com uma frase equívoca e muito menos se tal passo não vai acompanhado de um reconhecimento claro das vítimas e do princípio de que elas devem ser ressarcidas à altura dos danos sofridos. O que as FARC fizeram até agora não é isso. Elas zombam das vítimas e até tratam de manipular algumas delas. A outras acusam-nas de ser “verdugos”. Até se atrevem a negar o caráter de vítimas a pessoas que sequestraram durante muitos anos, como Clara Rojas e o general Luis Mendieta. As FARC são coerentes no mal. Sua adição pela violência e sua negação do outro, do ser humano, os impede de avançar para a vida. E para o dever de pensar.

Tradução: Graça Salgueiro