Experiências de um viciado em celular e seus efeitos neurológicos

03/02/2014 13:51 Atualizado: 03/02/2014 14:23

Eu percebi que tinha um problema quando, nos cinco segundos antes de o elevador chegar, eu me encontrei checando o feed de notícias no meu celular iPhone.

Nas mexidas constantes que damos no celular para ver se algo novo chegou até nós, neste preenchimento de todos os mínimos espaços de tempo do dia, eu percebi, de repente, um problema.

Mas não é só comigo – em todos os coffee shops, bares, pontos de ônibus, vejo as mãos dedilhando e os olhos cintilando verificações. Os dedos agitados refletem perfeitamente a inquietude mental que possuem.

Houve um tempo em que as pessoas, quando andavam de ônibus ou metrô, estavam lendo um livro ou um jornal, ou, mais geralmente, inclinando-se para trás, com uma expressão um pouco vaga, enquanto seus olhos sonhadores se arrastavam na paisagem urbana que passava.

O efeito de roer unhas para o cérebro

Lembro-me, no meu primeiro ano da escola primária, vendo a menina que eu gostava, roer as unhas dela. Então, eu, que nunca havia mordido uma unha na minha vida, comecei a mordiscar a minha, até que de repente se tornou um hábito quase indomável, queimando meu cérebro jovem que era super receptivo.

Eu percebi que a ação reflexiva de puxar o meu iPhone quando o elevador se aproximava, era muito semelhante ao hábito de roer as unhas, exceto em um aspecto importante: roer as unhas ocupava apenas uma pequena porção do meu cérebro e que poderia, de fato, afastar pensamentos perturbadores, ajudar a me concentrar na leitura desse livro ou ajudar naquele cálculo aritmético.

O hábito do iPhone, por outro lado, é neurologicamente consumidor de tudo – visão, tato, memória , pensamento; todos estão totalmente ocupados por esta maravilhosa peça brilhante de sedução tecnológica e seus sistemas de software como Twitter, WordPress, Facebook e outros.

Nesses cinco segundos de introspecção enquanto esperava o elevador chegar, eu vi que eu vinha sistematicamente privando meu cérebro de uma classe inteira de experiências como divagação mental, devaneios ou simplesmente só ficar sentado. Como disse um sábio: “Às vezes eu me sento e penso, e às vezes eu apenas me sento”.

Então, como eu reaji a essa percepção? Por favor, não zombem – mas  assim que eu saí no terceiro andar, eu procurei no Google Scholar para descobrir o que a neurociência cognitiva podia me dizer sobre o que eu estava fazendo para o meu cérebro. Na verdade, era tão interessante que eu quase esbarrei em alguém enquanto andava de cabeça abaixada, ao longo do corredor para o meu escritório, meu rosto brilhando com o ardor do  conto da pequena tela.

Vamos começar com a memória. Pessoas no início dos seus setenta ouviram uma história e, em seguida, foram convidados a se recordarem dela tanto quanto podiam. Depois de ouvir a história, eles tinham duas opções. Podiam apenas se sentar engajados em um tipo de “descanso acordado” por 10 minutos, ou podiam jogar o “jogo dos 7 erros” no computador.

Aqueles que tinham descansado os dez minutos após terem ouvido a história, lembravam 20% mais da história do que os outros, mesmo sendo questionados meia hora depois daqueles que haviam jogado no computador. Surpreendentemente, e mais importante ainda, esses efeitos duraram um total de sete dias.

E eles não ficaram repetindo freneticamente a história para si mesmos enquanto estavam descansando. Estes efeitos, conhecidos como consolidação, fazem parte de um processo automático de fixar a memória quando o cérebro está em repouso, mas não quando está focado em um computador.

Esses dias, uma estudante de doutorado me encontrou do lado de fora da minha porta olhando para o meu iPhone. Delicadamente, ela me perguntou se eu precisava de alguma ajuda. Eu grunhi de maneira ininteligível, pois eu tinha descoberto que as soluções criativas para os problemas são mais susceptíveis de virem quando sua mente está vagando, do que quando está focada em uma tarefa como folhear mil tweets.

Eu congelei, meio atrapalhado com minhas chaves, olhos fixados ​​nas pequenas letras do celular. Essas digitais não só vão piorar minha memória já problemática e neutralizar a minha criatividade, isso também vai afetar meu humor. Jovens adultos usuários do Facebook foram testados com uma mensagem cinco vezes por dia, durante duas semanas, perguntando sobre seu humor e uso do Facebook: quanto mais as pessoas usavam o Facebook, mais a sua satisfação com a vida diminuía ao longo do tempo.

Agora mesmo, eu tinha acabado de entrar no meu escritório e estava prestes a responder um e-mail recebido no telefone, quando levantei minha cabeça, e de repente lembrei-me de um gosto amargo de muito tempo atrás .

Sim! Essa é a resposta – foi assim que a minha mãe fez eu deixar de roer as unhas – ela pintou minhas unhas com essa coisa verde revoltante.

Se minha mente só pode se desviar à força, talvez eu possa chegar a uma maneira criativa para coibir o uso do iPhone – alguma substância que faça arder seu revestimento, talvez? Espere um pouco enquanto eu procuro isto no Google…

 

Ian Robertson não trabalha, não dá consultas, não tem ações próprias, nem recebe financiamentos de quaisquer empresas ou organizações que se beneficiariam com este artigo, e não tem afiliações relevantes.

Este artigo foi publicado originalmente no The Conversation. Leia o artigo original.