Execução na Coreia do Norte sugere problemas no regime chinês

24/12/2013 13:46 Atualizado: 24/12/2013 13:46

Muita coisa está acontecendo no Leste Asiático recentemente. Um evento que tem recebido muita atenção e chocou a imprensa internacional foi a prisão e execução de Jang Song-Thaek, junto com vários de seus aliados, pelo ditador norte-coreano Kim Jong-Un, a terceira geração da Dinastia Kim. Dois vice-primeiros-ministros da Coreia do Norte fugiram para a China em busca de refúgio.

Jang não era uma pessoa comum. Não apenas ele era tio de Kim, mas também foi o mentor de Kim e regente até Kim Jong-Un assumir o poder. Antes da morte de Kim Jong-Il, o pai de Kim Jong-Un, Jang era o segundo na escala de poder, atrás apenas do próprio Kim Jong-Il. Sua posição lhe deu condições favoráveis para garantir a transição suave do poder para Kim Jong-Un em meio à luta pelo trono norte-coreano após a morte repentina de Kim Jong-Il.

No entanto, após menos de dois anos, este tio e regente de repente foi preso e executado às pressas. Rumores têm circulado sobre sua morte miserável. Alguns disseram que ele foi morto por metralhadoras, enquanto a mídia sul-coreana disse que ele foi despido e jogado a cães ferozes que o devoraram. Em qualquer caso, sua execução revelou um profundo ódio, do tipo descrito por um antigo guerreiro chinês, Yue Fei, com a frase: “Coma sua carne, beba seu sangue.”

Poder sem limites

Por que tanto ódio? Isso ocorre devido à luta pelo poder. Quando essa luta envolve interesses significativos, a própria vida dos envolvidos é ameaçada, e não é incomum que muitos inocentes sejam liquidados nessas limpezas de facções.

Apenas alguém que esteja familiarizado com a história compreenderia a partir dos dramas do passado a extensão deste tipo de luta brutal. Não só na China antiga, mas especialmente na China moderna, isto tem sido muito comum. Os líderes comunistas Liu Shaoqi, Lin Biao e Peng Dehuai morreram em circunstâncias não muito diferentes de Jang na Coreia do Norte.

O objetivo de todos os regimes autoritários e totalitários é a obtenção, fortalecimento e manutenção do poder sem medir limites, uma espiral de psicopatia destrutiva que envolve grandes riscos, de preferência com a vida alheia; ambições desmedidas; e sigilo e desconfiança paranoicos.

Nestas circunstâncias, não só intenções nocivas podem resultar em extrema crueldade, mas a própria defesa da integridade individual também pode se transformar numa luta de vida ou morte. Sem restrições razoáveis, o poder extremo causa extrema insensibilidade. A história da civilização humana nos últimos milhares de anos comprova isso com abundância de exemplos e os regimes socialistas se destacam com grande margem na sangria hemorrágica.

Linhagem hereditária

Nos tempos antigos, as pessoas inventaram o sistema de linhagem hereditária de governo para evitar o derramamento de sangue interno devido a lutas pelo poder. Esse conceito era muito avançado na época e por um longo tempo solucionou a questão da legitimidade do poder.

Em grande medida, esse sistema reprimiu as lutas internas, estabilizou a segurança pública e fortaleceu a unidade administrativa. Monarquias hereditárias estavam numa posição favorável na competição pela sobrevivência e sistemas políticos que não se adaptaram tão eficientemente ficaram para trás gradualmente e desapareceram.

Este sistema de linhagem hereditária não foi tão elaborado na história ocidental, mas foi muito evidente na China durante milhares de anos desde a era pré-Dinastia Qin. Naqueles tempos, a tecnologia chinesa não era tão avançada, mas seu sistema político era.

Em menos de 3 mil anos, este sistema foi capaz de evoluir do governo da Dinastia Xia sobre uma parcela pequena da população até o governo da Dinastia Qin sobre vastas extensões e populações. No curso desta história, as dinastias impiedosamente suplantaram mais de 90% dos reinos vizinhos.

Neste período, a maior diferença entre a China e outras nações foi a evolução do sistema de sucessão ou transmissão do poder. Sua maior vantagem era a estabilidade interna e unidade.

Embora a linhagem hereditária não fosse capaz de pôr um fim definitivo nas brutais disputas pelo poder, esse sistema foi capaz de reduzir os conflitos a um número muito pequeno de pessoas e assim amenizar a agitação social associada a essas lutas. Em comparação com países que tinham fontes instáveis de legitimidade, esta foi uma grande vantagem em longo prazo.

Democracia

Agora chegamos à era moderna, em que um sistema testado na Grécia Antiga e ainda em processo de aperfeiçoamento se destacou – o sistema eleitoral democrático. Mesmo os antigos monarcas e intelectuais sabiam que “se alguém ganha o coração das pessoas, ganha-se o mundo; enquanto perder o coração das pessoas, significa perde o mundo”.

No entanto, no passado, o processo de ganhar os corações era muitas vezes um processo longo e acompanhado por uma sociedade turbulenta como um todo. Em linhas gerais, a democracia resolveu esse problema; por meio de eleições diretas regulares, aqueles funcionários que conseguiram “ganhar o coração do povo” assumem o poder, evitando assim a crueldade e a volatilidade da transferência de poder, enquanto mantem o apoio popular.

Ditadura de partido único

Infelizmente, os esforços de modernização política do povo chinês, que começou há cem anos, não foram bem sucedidos e eventualmente evoluíram para uma deformação do antigo regime copiado do Ocidente: a ditadura de partido único comunista.

Sobre a questão da transferência de poder, a ditadura de partido único não preserva nem a linhagem hereditária relativamente estável nem o sistema eleitoral que equilibra e representa o conjunto da sociedade. Em vez disso, essa ditadura cria um Estado ainda mais instável combinando eleições limitadas entre uma camarilha parasita e a perpetuação de uma elite revolucionária sociopata.

Depois de Deng Xiaoping assumir o poder, ele queria um sistema que fosse capaz de preservar a ditadura de partido único, mas sem lutas violentas. O resultado foi muito mal sucedido. A luta interna no regime comunista na década de 1980 resultou no uso de tanques e metralhadoras contra o povo chinês e a legitimidade do regime comunista chinês quase entrou em colapso.

Como resultado, o regime comunista teve de recuar para uma forma de nomeações intergeracionais sem um sistema específico, que é ainda menos efetivo do que o sistema de governo de linhagem hereditária.

No entanto, o nível de consciência do povo chinês não diminuiu como ocorreu na Coreia do Norte, assim, uma linhagem hereditária direta do poder já não tem legitimidade na China. Mas quanta legitimidade este sistema semi-hereditário chinês possui? Esta é a grande crise enfrentada pelo regime comunista chinês agora.

Falta de legitimidade

Há um velho ditado chinês que diz: “Uma pessoa não pode sustentar sua posição sem boa credibilidade.” Muito menos um regime pode se manter de pé em longo prazo sem uma boa dose de confiança. Esta falta de crédito refere-se à legitimidade da fonte de poder.

Há uma frase muito difundida e ouvida na China hoje em dia: “Decretos não podem sair de Zhongnanhai [o complexo da liderança do regime comunista em Pequim].” Isso descreve vividamente a falta de legitimidade do regime comunista e também ilustra a raiz de quase todos os problemas insolúveis na China atual.

Não só os chineses comuns não acreditam no Partido Comunista, até mesmo funcionários dos diversos escalões do Partido Comunista não acreditam também. Assim, cada um segue suas próprias políticas e interesses, fortalecendo a fragmentação interna e enviando os filhos e ativos para o exterior por segurança. A China já não é capaz de responder aos interesses gerais e às necessidades urgentes do país. Esse estado de coisas e a sociedade não estão longe de um grande caos.

Agora, ainda há muitas pessoas que acreditam firmemente que, sob a premissa de salvaguardar a ditadura de partido único, o líder chinês Xi Jinping pode reformar o sistema político e resolver o problema de confiança com as pessoas, restaurando assim a legitimidade do poder político. Alguns chegam ao cúmulo da histeria e promovem teorias de bandidos: “Quem conquista o mundo, é o dono do mundo.” Mas isso é inútil, slogans e maquiagem propagandística não podem tratar a artrite crônica do regime comunista chinês.

Cem anos atrás, quando a maioria dos chineses ainda pensava que o sistema hereditário era o sistema mais legítimo de governo, era praticamente inevitável que a revolução democrática na China falhasse.

No entanto, neste momento crucial, a maioria dos chineses pensa que uma linhagem hereditária não é mais um sistema legítimo, independentemente se é um verdadeiro sistema hereditário ou um disfarçado na forma de nomeações intergeracionais que perpetuam uma elite revolucionária doentia. Ambos estes sistemas serão inevitavelmente derrotados.

Esta situação é muito parecida com o mercado de ações em que a percepção da maioria das pessoas se torna a verdade e a última palavra e qualquer disputa é apenas um disparate. Reforma ou revolução ocorrerá segundo a opinião e percepção da maioria.

Wei Jingsheng é um proeminente dissidente chinês. Prêmios de direitos humanos que ele ganhou incluem o Robert F. Kennedy Memorial Human Rights Award em 1996, o Prêmio Sakharov do Parlamento Europeu pela Liberdade de Pensamento e o Olof Palme Memorial Prize. A Fundação Wei Jingsheng e a Overseas Chinese Democracy Coalition são dedicadas à promoção dos direitos humanos e da democratização na China. Para mais informações, visite www.weijingsheng.org