Exclusivo: Testemunha recorda primeira morte do Massacre da Praça da Paz Celestial

05/06/2012 05:30 Atualizado: 05/06/2012 05:30

Manifestantes acendem velas durante uma vigília em frente à embaixada chinesa em Washington DC na quinta-feira, 4 de junho de 1999. Para marcar o 10º Aniversário do Massacre da Praça da Paz Celestial de 1989. (Alex Wong/Getty Images)VANCOUVER – Embora a lei marcial tivesse sido declarada e as tropas estivessem nas ruas no início de junho de 1989, moradores de Pequim ainda tinham esperanças de proteger os estudantes na Praça da Paz Celestial (Tiananmen) de terem seu movimento pela democracia erradicado. Um homem relembra o momento que essas esperanças foram quebradas e um herói cujo primeiro pensamento foi para salvar os estudantes.

Wang Jue é um intelectual chinês que vive atualmente em Vancouver, Canadá. Num café local, ele lembrou o que viu na noite de 3 de junho de 1989. Wang se considera um fóssil vivo. Mesmo tendo sido preso como um “contrarrevolucionário”, ele disse que sempre se sentiu compelido a testemunhar o que aconteceu.

A lei marcial foi imposta e dois ou três veículos militares podiam ser vistos estacionados em várias ruas de Pequim. Os soldados estavam desarmados e não tomaram nenhuma providência porque estavam ali para enganar o povo, disse Wang.

Por três dias seguidos, os soldados foram cercados por estudantes e cidadãos que tentavam argumentar com eles. Um dia, um oficial ficou tão tocado que disse a uma multidão de pessoas, “Cidadãos de Pequim e queridos estudantes, nós não matamos estudantes. Acreditem em nós. Nós não temos armas com a gente.”

Na noite de 3 de junho, Wang disse que ele e sua esposa foram para a Praça Tiananmen e saíram depois das 20 horas, retornando a sua casa perto da torre do portão de Yongdingmen, cerca de 7-8 minutos de bicicleta da Praça Tiananmen. Ainda havia uma enorme multidão na Praça.

Yongdingmen ficava em frente a uma estação de trem. A estação estava cheia de soldados, mas na rua apenas dois veículos militares estavam estacionados. Wang disse que ter apenas dois veículos ali era para as pessoas em Yongdingmen baixarem a guarda.

Ele estava preocupado, pensando se os veículos militares fariam algum avanço, então, ele foi em sua bicicleta para uma rua perto da torre do portão de Yongdingmen. Havia uma pequena multidão de pessoas lá. A maioria dos outros que tinham estado na Yongdingmen tinham ido a outros lugares para bloquear veículos militares de entrarem na Praça.

De repente, uma mulher de meia-idade correu em sua bicicleta. Ela estava tão nervosa que seu cabelo estava em pé.

Ela parou e disse em voz alta, “Cidadãos de Pequim e estudantes, escondam-se rapidamente. Eles [os soldados] estão totalmente armados. Vocês não podem pará-los.” Então, ela saiu rapidamente.

Algumas pessoas ficaram com medo e foram para casa, mas cerca de duas dezenas de pessoas ficaram e esperaram nervosamente, disse Wang.

Em seguida, uma formação de soldados totalmente armados apareceu. “Eles usavam capacetes e levaram fuzis equipados com baionetas, e corriam em ritmo acelerado”, disse Wang.

“Então, um cidadão de Pequim deu um passo adiante. Ele era um intelectual de cerca de 37 ou 38 anos, e uns 1,76 metros de altura. Ele era um homem bastante bonito e digno. Ele parecia um professor para mim”, disse Wang.

“Embora todos estivessem em pânico e sem saber o que fazer sob o cano de uma arma, este herói percebeu imediatamente que os soldados completamente armados poderiam reprimir os estudantes que ainda estavam na Praça Tiananmen. Sua primeira reação foi proteger os estudantes.”

“Ele tirou a camisa e mostrou o peito enquanto caminhava em direção aos soldados, balançando sua camisa para os soldados e gritando: ‘Vocês não podem matar os estudantes. Vocês não podem matar os estudantes.'”

“No entanto, uma bala foi disparada em seu peito, em seguida, todas as armas dispararam ao mesmo tempo. O herói ficou atônito, incrédulo, e proferiu suas últimas palavras: ‘Vocês realmente…’ Ele caiu no chão, e então todas as armas dispararam contra o resto da multidão”, disse Wang.

Wang se jogou no chão, mas não podia tirar os olhos do homem que ele chama de herói.

“Eu queria tanto correr até ele para resgatá-lo, mas não consegui”, disse Wang. “As lágrimas começaram a fluir pelo meu rosto. Um homem de pé ao meu lado foi baleado e caiu no chão e seu sangue estava por todo o chão.”

Cerca de meia dúzia de pessoas caíram onde foram baleadas. Wang podia ver que todos os soldados abriram fogo, e, depois que as tropas passaram pela multidão, os soldados na última fila se viraram e dispararam contra a multidão.

“Ninguém podia detê-los. Eles abriram caminho a tiro [para a Praça Tiananmen]”, disse Wang.

Wang então correu para a primeira vítima. Ele chorava enquanto falava sobre ele: “Ele foi realmente um herói de 4 de junho. Mas ninguém sabe sobre ele.”

Em seguida, os soldados começaram a disparar foguetes de sinalização para o céu. “Eu olhei para meu relógio, era 23:46 de 3 de junho de 1989”, disse ele.

Depois de sete ou oito foguetes de sinalização serem disparados, em seguida, sinalizadores também foram disparados perto da torre do portão de Dongzhimen, e logo depois ao longo de Pequim, disse Wang.

“Tenho razões para acreditar que o primeiro tiro de 4 de junho foi disparado aqui porque esse é o lugar onde os primeiros foguetes de sinalização foram lançados”, disse ele.