Quando o Google deixou a China Continental, ele foi expulso. O gigante das buscas foi uma vítima da luta pela sucessão no Partido Comunista Chinês (PCC), de acordo com informações exclusivas fornecidas por um funcionário público de alto escalão em Pequim. Esta informação é corroborada por um informe da embaixada norte-americana em Pequim de janeiro de 2010, marcado como “secreto”, e liberado pelo WikiLeaks.
A campanha contra o Google foi lançada em março de 2009 no Hotel Honglou em Chongqing. A reunião anual do Congresso Nacional Popular ocorria naquele momento.
Bo Xilai, então chefe do Partido na província de Chongqing, no centro-oeste da China, tinha organizado uma reunião com Li Yanhong, o presidente do buscador chinês Baidu, através do gerente regional do Baidu em Chongqing, Jiang Zhi.
Bo levantou a questão de ajudar o Baidu a combater seu principal concorrente, o Google, e ganhar o monopólio do mercado de busca eletrônica em língua chinesa. Jiang Zhi lembrou que Li inclinou-se para Bo imediatamente.
Bo estava disposto a prometer que o Google seria expulso da China, mas uma troca de favores estaria envolvida. Bo necessitava que o Baidu cooperasse com as autoridades de Chongqing e reduzisse a censura em artigos criticando o Presidente Hu Jintao, o Primeiro-Ministro Wen Jiabao, e o pressuposto próximo presidente do PCC, Xi Jinping. Os artigos seriam publicados em websites fora da China favorecendo o ex-líder do PCC, Jiang Zemin.
Os artigos visando Xi eram especialmente importantes, disse Bo, e Li concordou.
Luta entre facções
Bo Xilai é um membro da facção do PCC leal a Jiang Zemin. Essa facção tem lutado por dez anos com a facção liderada por Hu Jintao e Wen Jiabao pelo domínio do PCC.
Outros importantes membros da facção de Jiang incluem: Zeng Qinghong, o chefe do Congresso Nacional Popular e proprietário do Hotel Honglou, onde Bo encontrou Li; Zhou Yongkang, o chefe do poderoso Comitê dos Assuntos Político-Legislativos (CAPL), que controla quase todos os aspectos da aplicação da lei na China; e Luo Gan, o ex-chefe do CAPL antes de Zhou.
Os membros da facção de Jiang estão ligados por sua culpa nos crimes cometidos contra os praticantes do Falun Gong durante a perseguição de Jiang Zemin iniciada em julho de 1999. Segundo analistas, a luta pelo poder com Hu e Wen tem sido impulsionada pelo temor dos membros da facção de Jiang de que sejam responsabilizados por seus crimes.
Depois que Wang Lijun, o vice-prefeito e ex-chefe de polícia de Chongqing, fugiu para o consulado dos EUA em Chengdu em 6 de fevereiro, ele denunciou uma conspiração da facção de Jiang para derrubar Xi Jinping depois que este se torna-se líder do Partido.
Bill Gertz do Washington Free Beacon informou que um oficial do governo dos EUA disse que Wang forneceu informações que Bo e Zhou planejavam perturbar a transição suave de Hu Jintao para Xi Jinping. O website dissidente Boxun informou que Bo e Zhou e planejavam um golpe após Xi assumir o poder.
Se Bo se tornasse chefe do PCC, isso resolveria os problemas enfrentados pela facção de Jiang. Bo, que foi processado 13 vezes fora da China por crimes contra a humanidade e genocídio em conexão com as atrocidades cometidas contra os praticantes do Falun Gong, nunca poderia responsabilizar outros membros do Partido para tais crimes.
Bo e Zhou uniram forças na campanha contra o Google, num esforço para usar a informação na guerra para prejudicar Xi e seus aliados.
As acusações de pornografia
Após a reunião entre Bo e Li em março, cuidadosos preparativos foram definidos. A primeira tentativa de remover o Google envolveu acusações de que o buscador permitia acesso à pornografia.
Em 18 de junho de 2009, o Centro de Denúncia de Informação Ilegal na Internet da China, uma organização com laços estreitos com o Baidu, lançou um artigo intitulado “Condenando Firmemente o Provocativo e Indecente Conteúdo Sexual Promovido pelo Google”.
O artigo critica o Google China por conter “uma grande quantidade de conteúdo pornográfico e indecente” e supostamente ser responsável pelo “conteúdo pornográfico de fora China se espalhar dentro de nosso país através do Google”.
Na mesma tarde, Zhou Yongkang ordenou que o Ministério da Segurança Pública se reunisse com o diretor de negócios do Google na China. Na reunião, a alegação de que o Google era responsável pela circulação de pornografia na internet chinesa foi levantada e os planos para punir a empresa foram anunciados. O Google foi informado de que a exibição de sites de fora da China, bem como de conteúdo associado estavam proibidos nas buscas do Google na China.
Quando o Xinhua, uma mídia porta-voz do regime chinês, publicou a notícia, o Ministério da Segurança Pública não foi mencionado, e a agência que se reuniu com o Google foi referida como “departamento competente”.
Também em 18 de junho, a CCTV da China transmitiu um programa comentando a suposta publicação de pornografia do Google, que imediatamente inspirou uma boa dose de ceticismo e ressentimento entre os telespectadores.
Os internautas postaram comentários online dizendo que acreditavam que era uma armação contra o Google. Alguns disseram que o Baidu, concorrente do Google, devia estar por trás.
Houve também pessoas que suspeitavam que o incidente foi concebido para ajudar a modelar a opinião pública a favor do desenvolvimento da Barreira Verde, um software de controle de conteúdo.
Alguns internautas fizeram uma extensa pesquisa e descobriram que o entrevistado no programa da CCTV sobre o Google que alegou ser um estudante universitário chamado Gao Ye era na verdade um estagiário da CCTV, o que confirmou as suspeitas dos internautas de que o programa era uma armação.
Em 21 de junho, Zhu Guang, o porta-voz do Baidu, indicou durante uma entrevista com o Mundo da Computação China que o Baidu não tinha nada a ver com a criticismo ao Google, e que o Baidu se recusava a fazer qualquer comentário sobre o incidente.
Em 25 de junho, o Conselho de Informação Midiática Online de Pequim realizou sua terceira reunião anual e condenou os artigos de fora da China que criticavam a punição do Google.
Em julho, uma história se espalhou amplamente na internet que uma estudante adolescente grávida da Escola Secundária No. 7 de Jiannan em Shanghai foi forçada a amamentar quatro estudantes do sexo masculino.
O regime chinês declarou que a propagação de tal notícia estava relacionada com o Google importando websites indecentes de fora da China. Além disso, um investimento de 41,7 milhões de yuanes (6,6 milhões de dólares) para melhorar o programa de bloqueio informativo chamado Barreira Verde foi anunciado.
Internautas experientes descobriram que a Escola Secundária No. 7 de Jiannan nunca existiu, e que a imagem da notícia tinha sido produzida com o Photoshop, um programa de edição de imagens.
Respondendo as queixas de internautas, Wen Jiabao e Xi Jinping deram instruções exigindo que a relação entre a mídia de internet internacional e o governo chinês fosse tratada adequadamente, e o incidente de pornografia do Google definhou.
As acusações de pornografia não pareceram virar o povo chinês contra o Google. O Diário de Nanfang publicou uma pesquisa online em 14 de janeiro de 2010, mostrando que 84,5% das 230 mil pessoas que participaram indicaram que não queriam ver o Google se retirar da China.
Suborno e difamação
Depois que Wen Jiabao e Xi Jinping puseram um fim às críticas ao Google sobre pornografia, o CEO do Baidu, Li Yanhong, ficou muito insatisfeito e se sentiu inseguro. Em julho de 2009, o Baidu não teve mais permissão de deixar notícias caluniando Xi Jinping aparecerem nos resultados de busca.
Bo Xilai teve outra ideia para seduzir a cooperação do Baidu em seu plano. Ele havia conduzido uma campanha chamada “Atacando o negro” em Chongqing. Enquanto esta campanha foi elogiada por suprimir a máfia, os críticos disseram que Bo usava-a como uma maneira de se apoderar da riqueza e bens de empresários respeitáveis.
Bo instruiu quatro empresas em Chongqing a darem dinheiro obtido na campanha “Atacando o negro” ao Baidu, sob a justificativa de apoiar o serviço do buscador. Estas quatro empresas contribuíram com um total de 230 milhões de yuanes (36 milhões de dólares) para o Baidu a partir do final de 2009.
No início de outubro de 2009, Bo conversou com o vice-presidente da filial do Baidu em Chongqing, Zhang Fengqi, e lhe pediu para transmitir a mensagem a Li Yanhong, “Eu tenho uma maneira. O Google certamente se retirará da China.”
Em outubro de 2009, o Baidu novamente desbloqueou as notícias negativas sobre Xi Jinping.
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Hackeando o Google
Em meados de dezembro de 2009, hackers na China atacaram o Gmail do Google, e roubaram propriedade intelectual do Google. Os hackers agiam sob a direção de Zhou Yongkang.
A fim de enganar o público, os hackers também atacaram 20 outras empresas nas áreas de ciência, finanças e tecnologia, comunicações e química. Hackers também invadiram as contas do Gmail de vários ativistas dos direitos humanos.
Informantes no Google disseram que o método de pirataria era muito complicado. Segundo a BBC, os hackers se aproveitaram de uma brecha no Internet Explorer para atacar o Gmail.
O Google não especificou se o ataque foi lançado pelo Partido Comunista, mas os engenheiros do Google traçaram o ataque às agências estatais chinesas.
Em face de tais ataques hostis e intimidação, o Google não se rendeu. Em 12 de janeiro de 2010, o Google publicou em seu blogue oficial um comunicado intitulado “Uma nova abordagem para a China”, cuja versão chinesa foi publicada à meia-noite de 23 de março.
“Decidimos que não estamos mais dispostos a continuar a censurar nossos resultados no Google.cn”, escreveu o Google, “e assim nas próximas semanas estaremos discutindo com o governo chinês a base sobre a qual podemos operar um buscador sem filtros dentro da lei, se possível”.
A declaração do Google discutiu revelar a violação de “pelo menos 20 outras grandes empresas” e das contas do Gmail de ativistas de direitos humanos.
“Estes ataques e a vigilância que eles desvendaram, combinados com as tentativas ao longo do ano passado para limitar ainda mais a liberdade de expressão na web, levaram-nos a concluir que devemos rever a viabilidade de nossas operações de negócios na China”, escreveu o Google. “Decidimos que não estamos mais dispostos a continuar a censurar os nossos resultados no Google.cn.”
Em 29 de junho, o Google anunciou que estava redirecionando automaticamente todos aqueles usando o Google.cn para o Google.com.hk, o buscador de Hong Kong que oferece pesquisa sem censura. O Google havia oficialmente retirado sua atividade principal da China.
Em 13 de janeiro, um dia após o Google anunciar sua nova abordagem sobre a China, o chefe de designer de produtos da Baidu, Sun Yunfeng, escreveu uma postagem intitulada “Sobre o Google sair da China” em seu blogue pessoal. A postagem foi compartilhada amplamente com a linha de assunto “Google repugna-me.”
Sun descreveu o Google como um negócio antiético que só deixou o mercado chinês por benefício econômico. Ele disse que a oposição à invasão das contas do Gmail era um pretexto para uma decisão que era motivada pelo lucro. Isto é o que o fez “enojado” pelo Google.
Depois de atrair muitos comentários, Sun excluiu a mensagem. Repostagens do texto também foram removidas, uma após a outra. Acredita se que o Baidu esteja por trás das remoções, devido a várias pressões que recebeu.
Ao mesmo tempo, Zhou e Bo ordenaram as mídias estatais a publicarem amplamente artigos sobre o Google estar partindo por benefício econômico. Tal informação também penetrou a mídia em língua chinesa e inglesa fora da China. Como resultado, a opinião pública mundial sobre a partida do Google foi distraída sobre o que realmente aconteceu.
Desde então, o Baidu agarrou com sucesso a quota de mercado abandonada pelo Google.
Campanha online
Em março de 2010, Bo Xilai e Zhou Yongkang arranjaram outra reunião com Li Yanhong. De acordo com relatórios investigativos do Comitê de Inspeção Disciplinar do PCC, eles vieram com um “plano muito detalhado para conseguir uma poderosa campanha online contra Hu Jintao, Wen Jiabao e Xi Jinping”.
O Baidu ainda preserva uma política de bloquear informação negativa em buscas em chinês sobre Hu Jintao, Wen Jiabao e Xi Jinping, de acordo com uma declaração fornecida à Comissão de Inspeção Disciplinar. Mas a informação negativa pode ser encontrada ao pesquisar-se por “hujintao”, “wenjiabao” e “xijinping”, escrevendo-se diretamente em Pinyin, um sistema de representação fonética romanizada da língua chinesa.
Artigos que apareceram na lista de pesquisa incluem “Filho de Hu Jintao é terrivelmente corrupto, Jiang Zemin quer chegar ao fundo da questão”, e “Xi Jinping é um devasso, brinca com mulheres na província de Zhejiang por trás de sua segunda esposa”, e assim por diante.
Todo dia depois de 1 da madrugada horário de Pequim, o Baidu Notícias, o Baidu Zhidao (Baidu Perqunta), o Baidu Tieba (Coluna Baidu) e o Baidu Kongjian (Espaço Baidu) são preenchidos com informações negativas sobre Hu, Wen e Xi. As questões são levantadas e as respostas dadas, com evidências fotográficas, o que atrai comentários de internautas.
Em seguida, cerca de 8 horas da manhã, todos os artigos negativos desaparecem. Às vezes, se alguém buscar pelo nome de Hu, Wen ou Xi no Baidu, pode até resultar numa página de “resultados sem buscas disponíveis”.
Muitos internautas e celebridades aplaudiram o Baidu em microblogues, enganados pelas postagens do buscador de artigos negativos sobre os líderes do PCC como significando a abertura da internet. Mas essas mensagens são apagadas imediatamente pelos websites acolhedores das mesmas. Espiões de internet contratados por Bo e Zhou declararam que o motivo da remoção foi a pressão de um “departamento competente”.
Bo e Zhou usaram com sucesso o plano de difundir amplamente boatos nos serviços da comunidade Baidu envolvendo casos de corrupção cometidos pelo filho de Hu Jintao, Hu Haifeng, e pelo filho de Wen Jiabao, Wen Yunsong, e alegações de que a filha de Xi Jinping tem relações sexuais com vários homens ocidentais. Internautas chineses se tornaram muito familiarizados com essas acusações.
Desde o incidente de Wang Lijun, Hu e Wen intensificaram o controle sobre Zhou e Bo, ambos estão atualmente sob investigação do Partido, e muitos dos envolvidos por trás da conspiração tramada por Zhou, Bo e o Baidu vieram à tona.
O ministro da propaganda Li Changchun, no entanto, continua a ser um defensor sólido do Baidu. Numa reunião entre os membros do Comitê Permanente do Politburo, Li Changchun disse que, “O Baidu é a marca nacional da China na internet. Sua reputação não deve ser manchada.” Zeng Qinghong e Zhang Dejiang, que foi nomeado para assumir o lugar de Bo Xilai em Chongqing, também foram à reunião e apoiaram a posição de Li.
Nessa reunião, Hu, Wen e Xi insistiram em iniciar uma “limpeza” do Baidu, mas Li sugeriu que os rumores deveriam ser rastreados a suas fontes.
Como resultado, em 31 de março, o Xinhua relatou que cerca de mil pessoas acusadas de espalhar boatos foram presas por postarem em microblogues no Sina e no QQ.com. Os principais portais da web foram “criticados e punidos”, com o Sina Weibo, por exemplo, desativando sua função de comentário por quatro dias, enquanto fazia o necessário trabalho de “centralização e limpeza”. Esta mossa na atividade dos portais da web favoreceu competitivamente o Baidu.
Recentemente, seguidores de Hu e Wen têm expandido sua influência dentro do Baidu. Palavras censuradas como “Shen Yun Performing Arts”, “4 de junho”, “Falun Gong”, “colheita de órgãos”, e os chamados “crimes de Bo Xilai e sua esposa”, as “autoimolações em Tiananmen”, e a “história negra de Zhou Yongkang” foram temporariamente desbloqueados.
Preparativos preliminares para uma investigação completa do Baidu foram feitos. Uma fonte do Comitê de Inspeção Disciplinar disse, “Sendo objetivo, a pressão para limpar o Baidu é maior do que a de investigar Bo Xilai. Se não for tratada bem, alguns oficiais perderão seus cargos, e corre-se o risco de provocar chefes regionais.” Estas palavras, para quem conhece a internet da China por trás dos bastidores, são extremamente significativas.