Exclusivo: Férias na China interrompidas por um massacre

06/06/2012 04:00 Atualizado: 06/06/2012 04:00

John Shackman de pé na Praça da Paz Celestial, em frente às tendas criadas por alunos em 3 de junho de 1989. Em poucas horas, ele e sua esposa fugiram da praça em pânico quando os militares chineses avançaram. (Cortesia de John Shackman)Turista norte-americano e sua esposa fugiram de Praça da Paz Celestial pouco antes de a matança começar

Quando John Shackman foi de férias para a China com sua esposa, eles não esperavam se ver correndo do gás lacrimogêneo dos soldados perto da Praça da Paz Celestial (Tiananmen), ou correndo para o aeroporto para pegarem o primeiro avião para fora do país após o massacre dos estudantes em 4 de junho de 1989.

Shackman e sua esposa Lori foram de férias ao redor da Ásia antes de chegarem a Pequim. Na sua última parada em Bangkok, Shackman tinha sido advertido por várias pessoas, principalmente pelo ex-vice-presidente Spiro Agnew, com quem ele esbarrou no lobby do Hotel Royal Orchid, de que havia instabilidade na China e que deveriam cancelar sua viagem.

Sem se intimidar, Shackman perguntou ao hotel. A resposta veio num telex: “Pequim está muito segura agora, é boa temporada para turistas. Bem-vindo a Pequim.”

Milhares se reuniram na Praça na tarde de 3 de junho antes da violenta repressão. (Cortesia de John Shackman)Eles chegaram em 1º de junho quando os protestos estavam em pleno andamento, e partiram em 4 de junho, no dia do massacre.

Havia outros americanos lá no hotel e em Pequim, embora a maioria estivesse em grupos turísticos. Mas não Shackman. “Eu gosto muito de viajar, e não gosto de ir com alguém, eu gosto de explorar sozinho, virar à esquerda e à direita, só para descobrir como é o lugar.”

Shackman, agora com 57 anos, trabalhava em comércio internacional, e viajou muito. Ele nunca contou toda a história de suas experiências na China à mídia até agora, e nem permitiu a publicação das fotografias que tirou na época.

Uma das primeiras coisas que fiz ao chegar a Pequim foi ir direto à Praça. Eles conversaram com estudantes, foram convidados a entrar nas barracas (que parecia um Ocupar Wall Street, disse Shackman). Ele ouviu suas histórias e absorveu a atmosfera.

“De certa forma, foi muito empolgante ver isso. Você viu no noticiário, aqui nós estávamos vendo isso.”

A ''Deusa da Democracia'' levantava-se dez metros de altura e simbolizava o movimento estudantil. (Cortesia de John Shackman)Era 1º de junho. O secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC), Zhao Ziyang, que mais tarde foi expulso, já tinha visitado os estudantes em 19 de maio e pediu a eles para dispersarem. O acampamento e seus habitantes já estavam condenados.

Em 3 de junho, Shackman e sua esposa voltaram à praça, e ficaram ainda mais impressionados. Havia muito mais gente de toda a cidade. “Havia crianças, famílias, pessoas idosas. Não eram apenas estudantes. Neste dia, era todo mundo. Todos queriam entrar e ver o que estava acontecendo.”

Os alunos ficaram entusiasmados ao vê-los novamente e convidaram os viajantes norte-americanos para suas tendas. Eles queriam espalhar a notícia de volta aos Estados Unidos, colocando em suas mãos fotocópias de manifestos políticos. Outros escreveram mensagens em giz na rua para se explicar ao público (não havia internet em 1989).

“Havia um sentimento na Praça, foi emocionante, foi quase como você esperaria ter sido Woodstock”, disse Shackman. “Estou ficando arrepiado falando sobre isso. Era um sentimento tão elétrico. Todo mundo estava com um humor muito bom. Foi emocionante ver tudo isso acontecendo. Vendo tudo isso, eu não acho que eles tinham experimentado nada assim, um movimento de todos ficando juntos por sua causa.”

Mas não demorou muito, rapidamente a situação mudou. “De repente, estudantes nos diziam, ‘Você precisa partir, você precisa partir agora. Haverá muito sangue.’ Ficou imediatamente caótico e milhares de pessoas começaram a correr.”

(Cortesia de John Shackman)Isto foi na tarde de 3 de junho. “Todo mundo chamou o 4 de junho de dia crítico, mas na verdade começou em 3 de junho. Fomos informados que as tropas estavam começando a entrar pelas esquinas de Tiananmen, podíamos ouvir o que estava acontecendo.”

Shackman ouviu gás lacrimogêneo sendo lançado, e sentiu seu cheiro. Ele viu tropas há vários quarteirões de distância. Eles correram de volta para seu carro e motorista no hotel de Pequim vários quarteirões de distância e, encharcados de suor, pediram para serem levados de volta a seu hotel. “Eu nunca corri tanto em minha vida”, disse ele.

“Naquele momento, toda a cidade simplesmente mudou. Nesse ponto, ela tornou-se caótica”, disse Shackman.

As pessoas corriam para dentro e para fora da Praça. O feriado estava arruinado. Shackman e sua esposa agora temiam ficar presos na China, ou pior. “Minha esposa começou a ficar doente.”

Um sinal numa das tendas lê, ''A vitória pertence a nós para sempre'', expressando o espírito triunfante dos estudantes que foi esmagado no mesmo dia. (Cortesia de John Shackman)Shackman foi acordado a noite toda na noite em 3 de junho e na manhã de 4 de junho, quando o massacre aconteceu. A polícia à paisana mal disfarçada no hotel monitorava suas conversas. Tanques subiam e desciam as ruas. Comissários políticos penduraram grandes bandeiras vermelhas em seu hotel proclamando a retidão do Partido Comunista.

Com alguma dificuldade, eles encontraram num táxi em 4 de junho e partiram a noite, pagando pelos bilhetes de avião no aeroporto com uma pilha de dinheiro chinês.

 

A Sra. Shackman experimentava reações físicas como resultado do estresse dos eventos de 3 e 4 de junho. O Sr. Shackman só recentemente foi capaz de convencê-la que estaria tudo bem voltar à China.

“Se o governo deixasse que os estudantes simplesmente saíssem, eles acabariam tendo problemas mais tarde. Então, eles pensaram, vamos entrar e acabar com essa situação desagradável, assim, nunca teremos problemas de novo”, diz Shackman.

O regime ficou assombrado com o interesse maior do povo pelos protestos, não só os estudantes. “O que estava acontecendo eram pessoas comuns dizendo, ‘Sabe, eles tem alguma coisa aqui.'” Por outro lado, o PCC quis afirmar sua ditadura. “Eles precisavam dizer que estavam no controle.”