O ex-chefe de uma força secreta da polícia chinesa foi levado a julgamento neste mês, pouco antes de uma importante reunião do Partido Comunista. Essa é uma das diversas punições comandadas pela chapa do atual líder chinês, Xi Jinping, contra ex-funcionários de alto escalão ligados a facções.
O julgamento de Li Dongsheng começou na cidade de Tianjin, no dia 14 de outubro, de acordo com a agência de notícias estatal Xinhua. Li liderou a Agência 610, também conhecida como “Gestapo Chinesa”, uma entidade de repreensão do Partido Comunista criada em 1999, para dirigir uma campanha contra a prática espiritual do Falun Gong.
Falun Gong é uma prática tradicional de meditação chinesa que baseia-se nos princípios de verdade, compaixão e tolerância. Devido ao grande números de adeptos (cerca de 70 milhões, de acordo com dados oficiais que precedem o início da perseguição) e às crenças espirituais, o ex-líder do Partido Comunista Chinês, Jiang Zemin, iniciou em 1999 uma brutal perseguição contra os praticantes de Falun Gong, com o objetivo de erradicar a prática. A Agência 610 é o principal órgão responsável por perseguir, prender, torturar e matar os adeptos à disciplina.
Li está sendo julgado por abusar de seu poder através de uma série de cargos que ocupou entre 1996 e 2013, em troca de subornos. Os cargos oficiais que ele abusou, segundo relatórios oficiais, incluem seu papel como vice-diretor da China Central Television (CCTV – mídia oficial do Partido Comunista), como membro do Ministério de Segurança Pública do Partido Comunista, como vice-secretário da Segurança Pública, entre outros.
Abuso de poder
Li também foi membro da Comissão Política e Jurídica, que dirige o funcionamento das forças de segurança da China.
No total, afirma-se que ele acumulou cerca de 22 milhões de yuans (US $ 3,4 milhões) ao longo dos anos, apesar de analistas da política chinesa geralmente considerarem esses números como subnotificações brutas. Em troca de dinheiro, Li é acusado de ter feito promoções e uma série de outros favores através de suas posições oficiais.
Relatórios do Partido Comunista aproveitaram a oportunidade do julgamento de Li para retratá-lo como um “motorista bêbado debochado”. Impugnar a integridade moral dos funcionários corruptos tem feito parte da campanha anticorrupção do atual regime, que retrata os oficiais que antes comandavam o governo como aberrações em relação aos supostos “elevados padrões de disciplina” da atual chapa que lidera o Partido Comunista. No final das contas, funciona mais como uma falsa propaganda, pois a atual rede política também está envolvida em corrupção e abuso de direitos humanos.
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“Sempre que Li Dongsheng abria a boca para falar, nós éramos obrigados a ouvir obscenidades”, disse um colega da CCTV, cujo nome não foi mencionado, à Phoenix, um meio de comunicação semioficial. “Ele costumava beber muito, e muitas vezes dirigia bêbado”, continuou o colega. Ele foi caracterizado por muitos como “o feroz” em relação ao seu trabalho na emissora.
Li tinha algumas habilidades, mas possuía um talento especial para “construção de um campo político” e sempre sabia para que lado os ventos políticos estavam soprando, disse um outro colega.
Incitamento ao ódio
Isto ficou muito evidente durante o extenso e minucioso trabalho de propaganda de Li na campanha contra o Falun Gong, em que a CCTV desempenhou um papel fundamental. Acredita-se que Li foi o mentor do incidente de autoimolação na Praça Tiananmen, que ocorreu em janeiro de 2001.
O incidente da autoimolação gerou enorme alvoroço na China. Algumas pessoas foram para a famosa Praça Tiananmen e, afirmando serem praticantes de Falun Gong, atearam fogo em si mesmas. Logo em seguida, câmeras e policiais já preparados se encarregaram de registrar o momento e apagar o fogo. Não se sabe o paradeiro desses supostos praticantes de Falun Gong. Os adeptos da prática alegam que foi tudo uma farsa encenada pelo regime chinês, já que aquelas pessoas não eram de fato praticantes, e as posturas que estavam fazendo não estão de acordo com os exercícios da prática. Além disso, por que já havia, antes do incidente, guardas andando pela praça com extintores de incêndio em mãos, e toda uma equipe da CCTV disponível no local com os melhores equipamentos de filmagem?
A propaganda de Li para atacar o Falun Gong estreitou seus laços com a facção de Jiang Zemin, o então chefe do Partido Comunista Chinês. A campanha de Jiang contra a prática espiritual do Falun Gong havia parado devido à resistência entre o público e algumas partes do próprio regime. Entretanto, através deste incidente, o Partido Comunista criou uma oportunidade para revigorar a campanha.
A Freedom House, uma organização sem fins lucrativos sediada em Washington que trabalha para assegurar os direitos humanos e a liberdade, relatou: “Meses de propaganda maçante conseguiram transformar a opinião pública contra o grupo. No ano seguinte à autoimolação, a escala de prisões, torturas e até mesmo mortes de praticantes do Falun Gong devido aos abusos na prisão, aumentou dramaticamente.”
As inúmeras inconsistências e o controle minucioso em relação ao evento, somado à identidade suspeita dos participantes, levou muitos observadores a concluir que todo o episódio foi encenado e utilizado como propaganda. Philip Pan, um repórter do Washington Post, relatou que uma das participantes “trabalhou em uma boate”, “ganhava dinheiro como acompanhante de homens” (comportamento proibido pelos ensinamentos do Falun Gong), e que nenhum de seus vizinhos “nunca a viu praticar o Falun Gong”.
Devido ao controle excessivo sobre a televisão, a história foi transmitida pelo programa da CCTV “Focus Report”, que tinha uma das classificações mais elevadas de audiência na China. Li Dongsheng havia criado o programa em 1994, e em 2001, foi utilizado como principal ferramenta de propaganda contra o Falun Gong, e desempenhava um papel relevante na agência de censura que supervisionava a CCTV.
Um entre muitos
O Partido Comunista realizará sua 5ª Sessão Plenária, uma importante reunião política realizada todos os anos, nessa semana. Os precedentes de tais eventos normalmente são preenchidos com especulação política e aumento de transações.
Pouco antes da Sessão Plenária deste ano, o atual líder do Partido Comunista Chinês, Xi Jinping, parece ter decidido revelar as punições severas contra um número de funcionários que estavam na rede política de seu rival, o ex-chefe do Partido, Jiang Zemin. Jiang foi o líder do Partido entre 1989 e 2002. Entretanto, mesmo após perder o cargo, ele ainda manteve o controle amplo sobre a política, através da nomeação de seus próprios parceiros para ocupar o alto escalão do regime. É esta rede política entrincheirada que tem sido o foco principal da campanha de Xi Jinping para expulsar funcionários do partido, através de uma campanha anticorrupção.
Os outros funcionários visados antes da reunião incluem ex funcionários de alto escalão do lucrativo setor de petróleo, e parceiros dos antigos chefes de segurança, Zhou Yongkang e Li Chuncheng, que já foram condenados a duras penas de prisão, que variam de 13 a 20 anos.
Guo Yongxiang, secretário político de Zhou Yongkang, também foi condenado a 20 anos de prisão por acumular enormes quantidades de suborno.