A dependência de satélites é o calcanhar de Aquiles do poder militar dos Estados Unidos, e a China têm dado foco especial na produção de armas antissatélite em seu desenvolvimento militar. Os EUA estão acordando para a ameaça: ao longo de 11 dias, recentemente, o Congresso americano realizou cinco audiências em que a incursão da China na guerra espacial foi abordada como uma grande ameaça que apenas crescerá.
“Os líderes militares chineses e russos compreendem as vantagens únicas da informação oferecida por sistemas espaciais e estão desenvolvendo capacidades para interromper o uso do espaço pelos EUA num eventual conflito”, disse James Clapper, diretor de Inteligência Nacional, numa audiência em 29 de janeiro.
Clapper acrescentou: “Ameaças aos serviços espaciais dos EUA aumentarão em 2014 e além, enquanto potenciais adversários buscam capacidades antiespaciais de perturbação e destruição.” O papel da informação na guerra, que Clapper mencionou, já foi visto em conflitos do mundo real.
Na primeira Guerra do Golfo, depois que as forças da coalizão destruíram a Força Aérea e as instalações de defesa antiaérea do Iraque, sua segunda prioridade foi destruir suas instalações de comando e comunicação. Isso deixou os militares do Iraque vagando pelo deserto como crianças perdidas, sem saber onde estavam seus inimigos, sem saber o que fazer e sem saber a situação da guerra. A maioria dos militares do Iraque se rendeu às forças de coalizão.
Uma estratégia semelhante foi utilizada pela Rússia na invasão da Geórgia. Pouco antes de os militares russos invadirem a Geórgia em 2008, a Geórgia foi atingida por uma série de ataques cibernéticos russos que desligaram os principais meios de comunicação e sites do governo, deixando a Geórgia sem um canal de informação funcionando quando foi atacada. Os ciberataques apontavam para a inteligência russa, embora o governo russo negue as acusações.
De acordo com Ross Babbage, diretor da Strategy International, uma organização australiana de consultoria de segurança nacional, a China planeja uma estratégia semelhante no caso de uma guerra com os Estados Unidos. A primeira parte dessa estratégia seria “cegar os sistemas norte-americanos de vigilância e reconhecimento e danificar as redes de comando, controle e comunicação com ataques cibernéticos, espaciais e de mísseis”, disse Babbage, citado no livro “The Kingdom and the Quarry: China, Australia, Fear and Greed“.
A ameaça de armas antiespaciais da China para os Estados Unidos “qualifica-se em par de igualdade com as operações cibernéticas ofensivas da China contra os Estados Unidos”, disse Ashley Tellis, associado sênior do Carnegie Endowment for International Peace, numa audiência no Congresso em 28 de janeiro.
“Os planejadores militares chineses estão profundamente focados em neutralizar as capacidades espaciais dos EUA por causa de sua crença de que tal neutralização é essencial para acabar com o domínio cujos militares dos EUA dependem para seu sucesso”, disse Tellis.
Guerra assimétrica
Os satélites são o calcanhar de Aquiles do poderio militar da América, e adversários dos Estados Unidos estão cientes da fraqueza. Sistemas dependentes de satélites incluem alerta de mísseis, comunicação, GPS e reconhecimento.
“Os Estados Unidos e outras potências são dependentes de recursos espaciais para operações militares e para assegurar vantagem sobre eventuais adversários”, disse Mark Stokes, diretor-executivo do Project 2049 Institute, numa audiência no Congresso em 30 de janeiro.
Stokes cita uma ex-autoridade da inteligência nacional dos EUA, observando que o desenvolvimento de armas antissatélites “estão entre as maiores prioridades militares de Pequim”.
A força fundamental do poder militar ocidental é o uso da guerra assimétrica – pequenos grupos de tropas apoiados por amplos recursos militares, incluindo apoio aéreo e inteligência. Esta forma de guerra, no entanto, é grandemente dependente de comando e controle de comunicações.
Apesar da dimensão da força militar da China, muitos analistas de defesa duvidam que eles possam até mesmo derrotar os exércitos de países menores, incluindo Taiwan e Japão, que possuem forças militares de estilo assimétrico como o Ocidente.
A força militar da China gira em torno de números, e seu plano é forçar os militares dos EUA a combaterem-nos nos termos dos militares chineses. Isso requer o uso de guerra espacial e cibernética para destruir os sistemas que fazem os militares dos EUA superiores aos da China.
Se a China puder danificar satélites militares dos Estados Unidos e torná-los menos confiáveis, “nossos movimentos de forças serão mais lentos e menos coordenados, nossas armas de longo alcance menos sensíveis e precisas, nossas operações táticas em geral menos focadas e mais caras, e nossa consciência global mais míope e menos oportuna”, disse Robert Butterworth, diretor do George C. Marshall Institute, na audiência no Congresso em 28 de janeiro.
Embora o Partido Comunista Chinês (PCC) goste de propagandear sua crescente sofisticação militar – seu jato de 5ª geração, sua marinha crescente e seu desenvolvimento de armas nucleares –, ele tenta manter suas armas antissatélite sob sigilo ultrassecreto.
O regime chinês tenta inclusive encobrir seus testes. Quando a China lançou um míssil antissatélite Dong Ning-2 em 12 de maio, a estatal Academia Chinesa de Ciências tentou argumentar que era uma missão científica.
Guerra espacial
A preocupação com o interesse da China em armas antissatélite ultrapassa as ameaças militares. As armas são tão prejudiciais que a primeira demonstração da China de arma antissatélite em 2007, que destruiu um de seus próprios satélites em baixa órbita, ainda é discutido como um ato imprudente que deixou cerca de 2.500 pedaços de detritos perigosos orbitando o planeta.
O incidente foi um dos principais motivos por que a NASA está proibida de cooperar com a China, pois provocou os Estados Unidos a questionar as intenções da China no uso do espaço.
Os detritos orbitais viajam a velocidades de até 28.160 km/h. “Mesmo pequenos fragmentos podem danificar uma nave espacial quando viajando a estas velocidades“, afirma o site da NASA. “Na verdade, várias janelas de ônibus espaciais foram substituídas por causa de danos causados por material que foi analisado e apresentava sinais de terem sido resíduos manufaturados.”
Até mesmo um punhado de tais destrutivos testes antissatélite podem ter efeitos devastadores sobre missões espaciais. Isso também poderia paralisar satélites espaciais comerciais, afetar sistemas, incluindo GPS, televisão e até mesmo muitos serviços de telefonia.
A NASA precisa rastrear detritos orbitais durante suas missões espaciais. Em junho de 2011, seis membros da tripulação da Estação Espacial Internacional tiveram de se abrigar em botes salva-vidas Soyuz quando um pedaço de detrito passou a 250 metros da estação.
“O campo de destroços era preocupante o suficiente para nossos satélites e nossa missão espacial, mas essas atividades iniciais revelam que países estão trabalhando na capacidade de destruir nossos satélites, nos quais dependem grande parte de nossa vida diária e capacidades militares e de inteligência”, disse o congressista Dutch Ruppersberger (D-Md.) numa audiência em 4 de fevereiro.
De acordo com Michael Krepon, cofundador do Stimson Center, a guerra espacial é uma ameaça antiga. Krepon serviu como um membro da equipe do Comitê de Serviços Armados do Senado, na Guerra Fria. Em 28 de janeiro, ele testemunhou perante o mesmo Comitê sobre as ambições da China de guerra espacial. “Acho que há várias razões por que evitamos a guerra no espaço naquela época”, disse ele, referindo-se à Guerra Fria. “Uma delas era que não poderíamos isolá-la da guerra em outros domínios.”
Krepon disse que os Estados Unidos e Moscou estavam cientes de que a guerra no espaço significava guerra na Terra, e que “a perspectiva de uma escalada descontrolada estava diante de nós e de Moscou. As capacidades no espaço eram tão vulneráveis que se alguém quisesse começar a atacar lá em cima, poderíamos ser extremamente prejudicados.”
A mesma situação existe hoje, disse ele, lembrando que há pouco que os Estados Unidos possam fazer para proteger seus satélites, e que a China precisa estar ciente das repercussões se atacar um satélite dos EUA. O próximo passo da discussão, segundo ele, é “como administraremos a vulnerabilidade da melhor maneira possível? Essa é a questão.”