A etiqueta diplomática da China

30/06/2014 12:12 Atualizado: 30/06/2014 12:12

Chineses são conhecidos por sua sensibilidade pela etiqueta. Mas as autoridades comunistas têm o hábito de usar dois pesos e duas medidas quando se trata de etiqueta diplomática, uma para as honras que eles exigem em visitas de Estado a nações estrangeiras, e outra para a forma como tratam os dignitários estrangeiros que visitam a China. A visita recente do premiê chinês Li Keqiang à Grã-Bretanha foi um exemplo disso.

Enquanto o primeiro-ministro Li Keqiang preparava sua visita ao Reino Unido no início deste mês, The Times informou que Li havia solicitou incisivamente um encontro com a Rainha e ameaçou cancelar sua viagem a menos que lhe fosse concedida uma audiência.

“A rainha tornou-se um peão num confronto diplomático secreto entre Londres e Pequim enquanto o primeiro-ministro da China se prepara para uma visita crítica à Grã-Bretanha na próxima semana”, disse o artigo 12 de junho.

A Grã-Bretanha estava relutante em conceder a audiência porque Li é apenas o premiê e não o chefe de Estado. Mas porque Li traria bilhões de dólares em contratos, a rainha finalmente concordou em se encontrar com Li e sua esposa Cheng Hong no Castelo de Windsor em 17 de junho.

Visita de Xi Jinxing ao Japão

Um cenário semelhante ocorreu em dezembro de 2009, disse Paul Lin, fundador da Juventude Anticomunista de Taiwan, num artigo na Rádio Som da Esperança (SOH). Quando Xi Jinping ainda era o vice-presidente da China, ele fez uma visita diplomática ao Japão. Xi também pediu para se encontrar com o Imperador Akihito do Japão.

A solicitação foi transmitida pela primeira vez no final de novembro pelo então ministro das Relações Exteriores da China, Yang Jiechi. Em seguida, o Administrador-Mor Japonês da Agência da Casa Imperial, Shingo Haketa, recusou o pedido duas vezes, dizendo que “não era a etiqueta apropriada” e que o imperador tinha “problemas de saúde”, respectivamente.

Mas a China, em seguida, mobilizou algumas pessoas, como o ex-secretário-geral do Partido Democrático do Japão, Ichiro Ozawa, para convencer o então primeiro-ministro japonês Yukio Hatoyama, dizendo que encontrar-se ou não com o imperador poderia influenciar os resultados da visita diplomática de Xi. Então, Hatoyama pressionou o chefe de Gabinete, Hirofumi Hirano, para acalmar as coisas, e no final a corte imperial japonesa aceitou a demanda de Xi.

De acordo com os regulamentos do Japão, um pedido para se encontrar com o imperador deve ser submetido com pelo menos um mês de antecedência. O público japonês criticou a decisão, dizendo que isso violou os regulamentos, que o pedido de Xi foi feito pouco mais de 2 semanas antes da visita prevista e que era uma humilhação para o Japão. A reunião também violou a Constituição do Japão, que afirma que o imperador não deve se envolver na política. Vários políticos japoneses de alto escalão, incluindo Shinzo Abe, que era ex-primeiro-ministro na época, pediu o cancelamento da reunião entre Xi e o imperador. Os principais meios de comunicação japoneses também criticaram o governo japonês por não seguir a etiqueta.

Humilhação

Após o primeiro-ministro britânico David Cameron reunir-se com o líder espiritual tibetano, o Dalai Lama, em maio de 2012, a China suspendeu todos os intercâmbios de alto nível com o Reino Unido.

Quando Cameron visitou a China no ano passado, as autoridades chinesas resistiram até a última hora em enviar Li Keqiang para reunir-se com Cameron num jantar de recepção deste em Pequim. Mas o acordo foi então cancelado e substituído por uma reunião de almoço.

Foi o propósito de humilhar o Reino Unido desta forma para “corrigir uma centena de anos de humilhação”?, perguntou Paul Lin num artigo.

“Corrigir uma centena de anos de humilhação” é um termo usado pelos líderes comunistas chineses quando se referem ao sofrimento da China no século XIX sob o Imperialismo Europeu, principalmente os impérios britânico, francês, alemão e russo, mas também o japonês. Os líderes comunistas também usam isso para promover o nacionalismo, estimular sentimentos antiocidentais e reforçar a legitimidade do Partido Comunista Chinês entre o povo chinês.

O atual líder chinês Xi Jinping, em sua turnê pela Europa em março deste ano, também lembrou os líderes europeus sobre os “cem anos de humilhação”. Em seu único discurso, pronunciado em Bruxelas, Xi disse ainda que é difícil para o povo chinês esquecer o passado e que ele estaria ali para “construir pontes”.

O que Xi não mencionou é como o Partido Comunista, no poder na China desde 1949, tem oprimido e massacrado o povo chinês, e que o próprio comunismo é uma importação da Europa.

Mas exigir que a China responda por seu histórico de direitos humanos é um tabu. Lin disse que está claro que os arranjos diplomáticos de Pequim fora das normas de etiqueta derivam-se de “sua noção ilusória de que a China é um grande país que não deve ser ignorado”.

E essa atitude pode ser vista claramente num discurso do embaixador da China no Reino Unido, Liu Xiaoming, comentou Lin. Pouco antes da visita de Li Keqiang, Liu disse que, se a Grã-Bretanha se preocupa com suas relações econômicas com a China, então os britânicos não devem criticar o histórico de direitos humanos da China. Liu também sugeriu que a China deixou de considerar a Grã-Bretanha como o país mais importante da Europa.

Sufrágio universal de Hong Kong

As relações entre o Reino Unido e a China não têm sido tão harmoniosas recentemente, em particular, desde que grupos pandemocráticos de Hong Kong começaram a exigir o sufrágio universal em 2017 e que o ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, Hugo Swire, declarou em setembro do ano passado que “daria todo o apoio necessário para o estabelecimento do sufrágio universal em Hong Kong”.

Embora a Declaração Conjunta Sino-Britânica sobre o futuro de Hong Kong, assinada em 1984, tenha sido registrada nas Nações Unidas na forma de um memorando por ambas as partes e que seja um documento internacional, a China tem considerado Hong Kong como um assunto interno e exclusivo, diz Paul Lin.

“Como poderia a China, portanto, tolerar o Reino Unido dizer qualquer coisa sobre a forma como eles lidam com Hong Kong, e como não considerar o assunto como ‘forças estrangeiras’ se intrometendo em assuntos internos da China?”, perguntou Lin.

Para os oficiais chineses, que estão abaixo do posto de chefe de Estado, serem concedidos uma audiência com a rainha britânica e o imperador japonês não é apenas uma forma de humilhar os antigos inimigos. Isso serve também para o regime polir sua imagem pública de violador dos direitos humanos e legitimar seu autoritarismo aos olhos do povo chinês, que está cada vez menos encantado com a ditadura de partido único.