Diversos estudos, em todo o mundo, mostram que um terço da população está infectada pelo agente causador da tuberculose, o Mycobacterium tuberculosis. Embora, a princípio, o dado assuste, ninguém precisa perder o sono, já que 90% das pessoas infectadas não desenvolvem a doença – seus organismos conseguem eliminar ou neutralizar o bacilo.
Mas para a ciência ficam as perguntas: qual o fator de proteção envolvido nesse processo? Que características favorecem o adoecimento dos demais infectados (10%)? A pesquisadora da Fiocruz Pernambuco, Lílian Montenegro, buscou entender essas questões e estudou o perfil genético e imunológico de voluntários, comparando os que apresentavam sintomas respiratórios indicativos de tuberculose com indivíduos saudáveis.
O foco da pesquisa foi centrado no código genético, o DNA das células, mais especificamente em regiões que regulam os genes de certas proteínas (denominadas citocinas) ligadas à defesa do organismo contra a doença. Duas delas – fator de necrose tumoral alfa (TNFα) e interleucina-10 (IL-10) – foram escolhidas por terem um papel importante, já apontado por outros trabalhos, na suscetibilidade, gravidade e evolução clínica da tuberculose pulmonar (TB).
Para Lílian, o estudo dos mecanismos moleculares que antecedem a produção dessas citocinas representa um poderoso campo a ser explorado em pesquisas de novas vacinas, imunoterapia e tratamento medicamentoso da tuberculose. Em especial num estado como Pernambuco, que ocupa a quarta posição em número de casos novos da doença e o segundo em mortalidade no Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde de 2012.
Daí a importância desse levantamento, que é pioneiro em relacionar as variações dos genes do TNF-α e da IL-10 com a suscetibilidade à tuberculose pulmonar, no Nordeste. “A gente sabe que existem fatores de risco externos como fumo, alcoolismo, condições sociais adversas, desnutrição, para que se desenvolva a tuberculose pulmonar ativa”, explica a pesquisadora. “Porém há outros fatores intrínsecos, ligados às informações localizadas no DNA, que tornam o indivíduo vulnerável ao adoecimento”.
A investigação desses fatores, definindo os perfis gênicos de suscetibilidade ou resistência à tuberculose pulmonar da população pernambucana, cria uma base de conhecimentos que podem alavancar futuras pesquisas sobre tratamentos e ações preventivas não apenas para essa, mas para diversas enfermidades.
Participaram do estudo 282 pacientes, de idades variadas e ambos os sexos, provenientes de unidades públicas de saúde do estado, no período de fevereiro a dezembro de 2012. Os que apresentavam sintomas respiratórios passaram por avaliação clínica e laboratorial para classificação em três grupos: pacientes com TB pulmonar ativa (71), com TB latente (53) e portadores de infecções pulmonares inespecíficas (57).
Um quarto grupo foi formado com os indivíduos clinicamente saudáveis (101). Na Fiocruz Pernambuco foram realizados os exames laboratoriais de cultura, teste tuberculínico e de genotipagem por PCR em tempo real. Foram observados os polimorfismos localizados nas posições -308G/A e -1082A/G do código genético, que podem confirmar diferenças individuais na produção das citocinas.
O TNFα tem ação pró-inflamatória e, entre outros efeitos, provoca o aumento da temperatura corporal e torna as células de defesa (os macrófagos) mais eficientes no combate ao bacilo da tuberculose. Já a IL-10 tem ação anti-inflamatória, regulando a ação do TNFα. Não apenas a TB, mas várias doenças infecciosas estão associadas ao aumento ou diminuição da produção dessas proteínas.
Os resultados preliminares apontaram que os pacientes do grupo com tuberculose pulmonar ativa apresentaram maior frequência em seu código genético do alelo mutante* -1082G. O que demonstra ser a presença desse alelo relacionada a um risco maior de desenvolvimento da doença, na população estudada. A pesquisa demonstrou também uma maior frequência do genótipo -308GA no grupo saudável, sinalizando um efeito protetor contra a tuberculose. Lílian destaca que novos estudos serão realizados, com um número maior de pessoas, para uma melhor definição genética e maior abrangência dos resultados.
*Alelo mutante: os alelos são formas alternativas do mesmo gene. O mutante é resultado de alterações genéticas.
Esse conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fiocruz