Em uma sociedade livre, a desigualdade de renda é algo natural e inevitável. Mais ainda: ela é até mesmo desejável e necessária para o crescimento econômico.
A desigualdade de renda causada pelo mercado advém do fato de que há indivíduos capazes de gerar muito valor para seus empregadores e há indivíduos que geram pouco valor. E também há aqueles que simplesmente não conseguem gerar nenhum valor.
Um executivo bem-sucedido gera muito valor para seus empregadores. Logo, sua remuneração tende a ser alta. Jogadores de futebol e atores de novela também geram muito valor para seus empregadores (e o que você pensa em particular dessas profissões não interessa ao resto da população, que voluntariamente consome os produtos dessas pessoas), e por isso suas remunerações também são altas.
Já empregadas domésticas e faxineiras não geram tanto valor para seus empregadores (sua função principal é poupar-lhes dos afazeres domésticos), por isso sua remuneração é menor.
No que mais, a desigualdade de renda sempre será um fenômeno natural pelo seguinte motivo: as pessoas não nascem iguais. Essa é a premissa mais básica de toda a humanidade. As pessoas são intrinsecamente distintas uma das outras. Algumas pessoas são naturalmente mais inteligentes que outras. Algumas têm mais destrezas do que outras. Algumas têm mais aptidões físicas do que outras.
Mesmo que duas crianças nascessem com exatamente o mesmo grau de preparo e inteligência (algo improvável), o próprio ambiente familiar em que cada uma crescer será essencial na sua formação. Algumas crianças nascem em famílias unidas e amorosas; outras nascem em famílias desestruturadas, com pais alcoólatras, drogados ou divorciados. Há crianças que nascem inteligentes e dotadas de várias aptidões naturais, e há crianças que nascem com baixo QI. Toda a diferença já começa no berço e não há nenhum tipo de engenharia social que possa corrigir isso.
Portanto, desigualdade de renda é um fenômeno inerente à nossa natureza humana.
Feito esse caveat sobre a inevitabilidade da desigualdade, façamos agora uma distinção: uma coisa é a desigualdade gerada exclusivamente pelo mercado, que premia quem cria valor e pune quem não cria. Qualquer ataque a essa forma de desigualdade gera apenas tirania e empobrecimento. Trata-se de uma desigualdade inevitável e até mesmo necessária. Outra coisa, totalmente distinta, é a desigualdade gerada pelo estado.
A principal causa da desigualdade gerada pelo estado está na expansão monetária, a qual é totalmente controlada pelo estado (por meio do Banco Central).
O atual sistema monetário é baseado em um monopólio estatal de uma moeda puramente fiduciária. O dinheiro é criado monopolisticamente pelo Banco Central e é em seguida entregue ao sistema bancário. O sistema bancário, por sua vez, por meio da prática das reservas fracionárias, se encarrega de multiplicar este dinheiro (eletronicamente) por meio da expansão do crédito.
Falando mais diretamente, o dinheiro criado pelo Banco Central é multiplicado pelo sistema bancário e entra na economia por meio do endividamento de pessoas e empresas.
Tal arranjo — formado por um sistema bancário que pratica reservas fracionárias e por um Banco Central que protege e dá sustentação a este sistema — está em franco contraste a um regime monetário de uma economia genuinamente de mercado, na qual os participantes do mercado poderiam decidir por conta própria, sem a pressão e a coerção do estado, qual dinheiro eles gostariam de utilizar.
Essa expansão da oferta monetária feita pelo Banco Central e pelo sistema bancário de reservas fracionárias é o que realmente gera a inflação de preços e, por conseguinte, um declínio na renda das pessoas em termos reais.
Quando os preços aumentam em decorrência de uma expansão da oferta monetária, os preços dos vários bens e serviços não aumentam com a mesma intensidade, e também não aumentam ao mesmo tempo.
A quantia adicional de dinheiro que entra na economia — por meio do sistema bancário que expande o crédito, e o qual é totalmente controlado pelo Banco Central — não vai parar diretamente nos bolsos de todos os indivíduos: sempre haverá aqueles que estão recebendo esse dinheiro antes de todo o resto da população.
As pessoas que primeiro receberem esse novo dinheiro estão em posição privilegiada: elas podem gastá-lo comprando bens e serviços a preços ainda inalterados. Ora, se a quantidade de dinheiro em seu poder aumentou e os preços ainda não se alteraram, então obviamente sua renda aumentou. Essas são as pessoas que ganham com a inflação.
À medida que esse dinheiro é gasto e vai perpassando todo o sistema econômico, os preços vão aumentando (afinal, há mais dinheiro na economia). Porém, começa aí a haver uma discrepância: vários preços já aumentaram sem que esse novo dinheiro tenha chegada às mãos de outros grupos de pessoas. Essas são as pessoas que perdem com a inflação.
Somente após esse novo dinheiro ter perpassado toda a economia — fazendo com que os preços em geral tenham subido — é que ele vai chegar àqueles que estão em último na hierarquia social. Assim, quando a renda nominal desse grupo subir, os preços há muito já terão subido.
Houve uma redistribuição de renda: aqueles que receberam primeiro esse novo dinheiro obtiveram ganhos reais. Com uma renda nominal maior, eles puderam comprar bens e serviços a preços ainda inalterados. Já aqueles que receberam esse novo dinheiro por último tiveram perdas reais. Adquiriram bens e serviços a preços maiores antes de sua renda ter aumentado. Houve uma redistribuição de renda do mais pobre para o mais rico.
E é exatamente esse o perverso mecanismo de redistribuição de renda gerado pelo estado. Infinitamente pior para os pobres do que o mecanismo de aumento da desigualdade em decorrência do mérito — o qual, aliás, é impossível ser prejudicial para os pobres.
O artigo abaixo comenta um recente estudo, divulgado por ninguém menos que o IPEA, que apontou mais cinco medidas governamentais que acentuam artificialmente a desigualdade de renda.
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Um recente estudo dos economistas Marcelo Medeiros e Pedro Souza, publicado por ninguém menos que o IPEA, tenta apontar as causas da desigualdade de renda no país. A conclusão: o governo é um dos principais responsáveis por tal feito.
Segundo esse estudo, o governo é responsável por 1/3 da desigualdade de renda. Tal dado estampou manchetes em veículos diversos.
O que o estudo revela, mas as manchetes se esquecem de relatar, é que este percentual é bastante superior ao do setor privado se levarmos em conta a participação de cada um na economia.
Consequentemente, segundo o próprio IPEA, o governo é proporcionalmente um maior causador de concentração de renda do que o setor privado.
A estas conclusões podemos somar os inúmeros trabalhos de teóricos liberais, das mais variadas vertentes, que se dedicam a explicar de que forma o estado age em favor do aumento das desigualdades, como é o caso dos teóricos da “Teoria da Escolha Pública” ou da “Teoria da captura”, que explica a tomada do estado por membros de corporações privadas.
Nas palavras dos dois economistas do IPEA: “O Estado não é uma instituição completamente autônoma, e suas ações, em parte, refletem conflitos distributivos preexistentes; consequentemente, em vez de reduzir desigualdades, o Estado pode, na verdade, aumentá-las”.
A seguir, algumas das conclusões do estudo, todas elas já bastantes conhecidas do meio liberal/libertário, sobre os fatores que levam o estado a ser um agente da desigualdade de renda:
1 – Remuneração do funcionalismo público
A análise elaborada pelos economistas do IPEA demonstra uma peculiaridade do salário no setor público brasileiro em relação aos demais países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): a distância entre as remunerações do setor privado e do setor público para cargos de mesma função costuma alcançar níveis maiores no Brasil, fazendo com que o setor público, responsável por 11,6% da força de trabalho empregada no país, responda por 19% da renda, mesmo quando se considera como ligados ao setor privado executivos de multinacionais, bancos e outras empresas, que comumente apresentam uma remuneração bastante acima da média.
Não é raro encontrarmos casos de salários no Congresso ou nas câmaras de vereadores pouco situados na realidade da maioria dos brasileiros: motoristas e garçons que recebem R$ 13 mil mensais no Distrito Federal ou ainda os mais de 700 copeiros do Senado com remuneração superior a R$ 3 mil mensais.
O estudo aponta que, para cargos com similares na iniciativa privada, o governo em geral remunera melhor. No entanto, no que tange a cargos executivos nas mais de 120 estatais brasileiras, a remuneração oferecida muitas vezes passa longe da dos executivos do setor privado.
A conclusão do estudo é que é de 24% a participação dos salários públicos na desigualdade de renda do país — a qual, vale lembrar, é a oitava mais desigual do mundo.
2 – Previdência Pública
O pouco conhecido, porém não menos perverso, viés corporativista da previdência pública brasileira é responsável — segundo o estudo — por 21% da desigualdade de renda no país, número expressivo dado o caráter restrito da aposentadoria pública.
Respondendo por cerca de 4% dos beneficiários, os funcionários públicos aposentados e pensionistas são responsáveis por cerca de 20% dos gastos com previdência no país.
Em números mais claros, os cerca de 935 mil funcionários públicos aposentados e pensionistas geram um déficit anual de R$ 62 bilhões contra um déficit previdenciário de R$ 35 bilhões ocasionado pelos 28 milhões de aposentados do INSS. E isto leva em conta apenas o setor público federal.
Há casos como o do estado do Rio Grande do Sul, onde os funcionários aposentados são tão numerosos quanto os funcionários na ativa, em que o estado chega a despender mais recursos com pensões e aposentadorias do que com educação e saúde somados. Este custo em boa parte decorre do fato de que, até bem pouco atrás, funcionários públicos do estado não eram obrigados a pagar contribuição previdenciária.
Ao todo, 4% da população brasileira vive em domicílios com presença de algum beneficiário de aposentadoria do setor público. Somados, os beneficiados com uma aposentadoria do setor público (que representam 0,47% da população) respondem por 6% da renda auferida por todos os domicílios brasileiros.
Nenhum outro fator de renda gera, proporcionalmente, maior contribuição para a desigualdade no país.
3 – Sistema tributário
O Brasil é um dos países com maior gasto público em relação ao PIB no mundo: cerca de 40% do PIB, bastante acima de países em igual situação de Desenvolvimento Humano. Para sustentar todo esse gasto é necessário haver um sistema tributário agressivo. E o sistema tributário brasileiro é um dos principais responsáveis pela má distribuição de renda no país.
Segundo um estudo apresentado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, 53,8% da arrecadação tributária brasileira é paga por trabalhadores que recebem até 3 salários mínimos. Outro estudo, desta vez realizado pela Firjan, aponta que 1 em cada 4 brasileiros desconhecem o fato de que pagam impostos.
Isso comprova que a ignorância econômica e financeira é um grande entrave para que a população entenda de fato a origem de todos os “direitos” concedidos pelo estado.
Ainda segundo o mesmo IBPT, no Brasil, os setores de educação e saúde — dois bens e serviços que a população considera um “direito” — são um dos mais taxados do país, fazendo com que o mesmo estado que tributa para ofertar tais serviços impeça o seu acesso pela população, restringindo a educação no país, o mais relevante fator de mobilidade social moderno.
A situação, entretanto, parece pouco afetar aqueles que se auto-atribuem o papel de defesa da população mais pobre: os políticos. Sempre que estes falam em reforma tributária, eles se concentram exclusivamente em aumentar impostos sobre os mais ricos, e não em reduzir impostos sobre os mais pobres. A intenção sempre é aumentar a arrecadação, e nunca desonerar os mais pobres.
O ex-senador Cristovam Buarque, por exemplo, quer o fim da restituição no imposto de renda para gastos com educação. Já o PSOL tem como principal bandeira o imposto sobre grandes fortunas. Em ambos os casos, há apenas a intenção de ampliar a renda do estado.
[Nota do editor: como explicado em amplos detalhes aqui e aqui, aumentar a tributação dos mais ricos não apenas não resolveria a situação dos mais pobres, como a pioraria no longo prazo.]
4 – Educação superior pública, gratuita e restrita.
O caráter restritivo no qual a educação pública brasileira se baseia é uma construção de décadas, não podendo ser erroneamente confundido com uma política deliberada de governos específicos. Entretanto, a pouca disposição a mudanças é traço comum a todos os governos, e sua crença de que o problema encontra-se no número limitado de vagas, e não no modelo em si, é um dos responsáveis por manter o setor estático.
A escolha do governo federal de apoiar o ensino superior é responsável por boa parte das distorções do setor. Quando comparado a países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o país com maior diferença entre gastos no ensino superior e no ensino fundamental. O país gasta com o ensino superior 93% de seu PIB per capita, por aluno, enquanto no ensino fundamental o número atinge 23%. Em relação a outros países em situação similar, como México e Chile, gastamos ainda um percentual maior do nosso PIB com educação, 5,6% contra 5,2% e 4,5%, respectivamente. Gastamos mais e pior.
Segundo um estudo apresentado pelo IBGE, 59,9% dos estudantes de universidades federais estão entre os 20% mais ricos da população brasileira. E mais de 2/3 deles são oriundos de escolas particulares.
Considerando-se que o setor público gera 1/3 das vagas no ensino superior, isso significa que, para os 9,5% da população brasileira que estudam em escolas particulares, as chances são, em média, de 15% de entrarem em uma universidade pública. Para o restante que estuda em escola pública, as chances são de 1%.
E, quando observamos a situação em cursos distintos, vemos que os percentuais maiores de alunos com renda familiar de até 3 salários mínimos que frequentam o ensino superior público situam-se no curso de letras; e os menores, no curso de engenharia.
5 – Subsídios
A histórica dificuldade do Brasil em formar poupança e investimentos, decorrente em boa parte da instabilidade política e econômica do país que trocou de moeda inúmeras vezes ao longo do século XX, além de um confisco na poupança e 10 moratórias na dívida externa ao longo do mesmo século, é base de uma crença na necessidade do estado como indutor do crescimento econômico nacional, crença que em maior ou menor intensidade sobrevive no país desde o getulismo dos anos 30.
Tal crença, de que o estado deve agir para garantir investimentos, levou à criação de um banco específico no país para atuar nesta área, garantindo subsídios e prazos confortáveis para o setor privado florescer no país. O BNDES foi criado ainda na década de 1950 pelo segundo governo Vargas, e mantido por todos os governos que se seguiram. Também foram religiosamente mantidas em constante desordem as contas públicas, a alta inflação e outras tradições nacionais
Nenhum governo, entretanto, nem mesmo os militares com seu lema de “fazer o bolo crescer para só depois dividi-lo”, deu tanto poder ao banco de fomento como o fez o governo Lula.
Na era Lula, o BNDES inicialmente foi comandado por Guido Mantega, que deixou o banco para assumir o Ministério da Fazenda, enquanto Luciano Coutinho, ex-professor da Unicamp e um dos formuladores da antiga Lei da Informática, assumiu a presidência do banco.
Sob o comando de ambos, o BNDES recebeu aportes bilionários por parte do Tesouro Nacional, destinados a elevar o investimento na economia brasileira, saltando de R$ 9,9 bilhões (0,4% do PIB) para R$ 414 bilhões (8,4% do PIB) em um período de 7 anos.
Para emprestar o dinheiro ao banco, o Tesouro capta recursos por meio de emissão de dívidas, pagando juros muitas vezes superiores a 13% ao ano (juros esses arcados inteiramente por nós, pagadores de impostos). O BNDES, por sua vez, repassa os empréstimos a um custo menor do que 6% ao ano, criando uma diferença que se pode chamar de subsídio ou simplesmente “Bolsa-Empresário”. [Clique aqui para entender os detalhes da operação do BNDES].
Não bastasse favorecer diretamente empresários com recursos pagos pela população como um todo, o banco declara que mais de 70% de seus empréstimos destinam-se a grandes empresas, com faturamento superior a R$ 300 milhões anuais. Segundo estima o Tribunal de contas da União, tal prática resultou em um subsídio de R$111,5 bilhões entre 2009 e 2015 (a prática continua em vigência).
[Nota do editor: sobre a política de financiamento do BNDES, vale enfatizar que, além de ser inflacionária, ela gerou um grande desarranjo nas contas públicas e elevou sobremaneira a dívida pública bruta. Essa elevação da dívida bruta, além de ameaçar o grau de investimento (investment grade) conferido ao país pela Standard & Poor’s, ajudou a acelerar a depreciação do real, o que turbinou ainda mais a inflação de preços, e prejudicou ainda mais os mais pobres].
Não são raros os casos de prejuízos do banco em apostas arriscadas, como os financiamentos superiores a R$ 10 bilhões ao Grupo X, de Eike Batista, ou a aposta em frigoríficos como o Bertin e o Marfrig, os quais, para evitar falência, foram levados pelo banco a uma fusão com o frigorífico JBS, um dos maiores beneficiários da política de subsídios, como também o maior doador de campanhas eleitorais do país.
Na ocasião da falência do grupo X, de Eike Batista, os ministros Guido Mantega e Fernando Pimentel dedicaram-se pessoalmente a levar para o porto de Eike, no estado do Rio de Janeiro, um estaleiro de Cingapura que estava sendo construído no estado do Espírito Santo. Esse caso foi denunciado pelos próprios cingapurianos e levado à mídia pelo governador do estado do ES.
No meio liberal/libertário, esse conluio entre políticos e grandes empresários é conhecido como corporativismo (ou, mais popularmente, como “fascismo”), e o termo técnico dado a esses empresários é o de “rent seekers”, ou “caçadores de renda”.
Conclusão
Inúmeras outras ações deliberadas do governo contribuem para formar ou garantir a continuidade da concentração de renda, como o acesso desigual à justiça, direitos de propriedade vagos ou nulos, concessão de monopólios, de patentes e direitos autorais etc. Enumerar todas é uma tarefa quase impossível, pois o estado esta intrinsecamente ligado ao restante da economia, não sendo uma entidade à parte, que apenas arbitra interesses do setor privado.
A desigualdade é natural e inata, mas se torna um problema quando é gerada artificialmente. Quando isso ocorre, ela se transforma em uma maneira de barrar a mobilidade social e a busca pela auto-realização, que é o que sustenta as inovações e o desenvolvimento humano.
Quando um grupo age de forma coercitiva com o intuito de sustentar seus privilégios, não há nenhum ganho para a sociedade. E é isso o que fazem todos aqueles que utilizam o estado para manter seus privilégios.