O ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, costumava dizer que o movimento político que ele iniciou no país era o “socialismo do século XXI”. Infelizmente, a exemplo dos seus predecessores do século XX, o socialismo do nosso tempo parece igualmente disposto a matar cidadãos.
Nas últimas semanas, a Venezuela testemunhou uma série de manifestações, em sua maioria lideradas por estudantes. O seu catalizador foi o abuso sexual sofrido uma estudante da Universidade de Táchira. Mas as razões para o descontentamento social generalizado podem ser rastreadas a dois fenômenos relacionados.
Em primeiro lugar, a economia venezuelana tem graves problemas. Embora o país seja rico em petróleo, e o seu preço não tenha parado de subir desde 2002, a Venezuela está à beira de um colapso econômico. É impossível encontrar leite, farinha ou insulina. No ano passado, os venezuelanos enfrentaram até uma “crise de papel higiênico” tamanha era a falta do produto nas prateleiras. Além disso, apesar da cotação do câmbio oficial entre o bolívar venezuelano e o dólar ser de aproximadamente 12 para 1, no mercado negro – resultado inevitável dos controles que fazem a compra de moeda estrangeira ser quase impossível para os venezuelanos – a cotação chega a 100 para 1.
Em segundo lugar, desde que Chávez assumiu a presidência em 1999, o clima político na Venezuela se tornou mais tenso. O país que fora a democracia mais forte da América Latina, e um abrigo seguro para refugiados políticos, erodiu-se rapidamente com um regime autocrático e iliberal. Lentamente, cada resquício de ordem republicana foi sendo substituído pelo poder de um Estado gigantesco que persegue e intimida a oposição. O governo investiu contra a sociedade civil, e o respeito mútuo, a liberdade de expressão e a democracia foram as suas primeiras vítimas.
A morte de Hugo Chávez pouco serviu para pacificar o país. Novas eleições presidenciais aconteceram em abril e, em um processo longe de ser livre e justo, Nicolás Maduro, ex-motorista de ônibus e sucessor político de Chávez, saiu vencedor. A vitória suspeita do novo presidente polarizou a Venezuela.
A reação de Maduro aos protestos das ruas pode ser definida como uma resposta firme de um presidente fraco. Como Assad na Síria e Yanukovich na Ucrânia, a reação de Maduro é típica das estratégias usadas por líderes autoritários quando estão em apuros: censura e repressão. Notícias sobre as manifestações foram escondidas. A censura sobre a mídia nacional foi complementada pelo banimento de um canal regional de notícias, o NTN24, e pela expulsão da Venezuela de jornalistas da CNN. Além disso, muitas cidades acabaram tendo o acesso à internet e às outras formas de comunicação cortadas.
A repressão atacou pelas mãos da polícia, dos militares e das milícias revolucionárias. Inúmeras vezes, homens não-identificados abriram fogo contra manifestantes desarmados, matando muitos deles. Há duas semanas, prenderam Leopoldo López, um político de oposição e líder dos protestos. O governo o acusa, entre outras coisas, de homicídio, incêndio criminoso e terrorismo. Caso seja condenado, ele poderá passar muitos e muitos anos na cadeia.
Quase todos os outros países da América do Sul tomaram – na melhor das hipóteses – uma posição covarde em relação aos confrontos na Venezuela. O caso brasileiro é particularmente triste. Como um autodeclarado líder regional, o silêncio brasileiro só pode ser compreendido como um caso severo de surdez moral.
A Argentina é a única exceção. Esse outro “poderoso” da região tem fortes laços ideológicos e econômicos com a Venezuela. Por temer pelo próprio futuro, o governo de Cristina Fernández de Kirchner tem sido um apoiador declarado de Maduro e do seu terrorismo de estado.
Mesmo após sofrerem com os atos criminosos do seu próprio governo, e com a cumplicidade dos outros países da região, os estudantes venezuelanos permanecem nas ruas – agora reforçados pela presença de outros setores da sociedade venezuelana. O fogo das manifestações está longe de ser extinto, mas ninguém sabe o que está adiante.
Apesar disso, os estudantes venezuelanos continuam a ensinar ao mundo uma lição sobre o significado da liberdade e da dignidade.
Federico N. Fernández é research fellow do Austrian Economics Center (Viena, Áustria) e fundador e presidente do Fundación Bases (Rosário, Argentina).
Esse artigo foi originalmente publicado pelo Instituto Ordem Livre